Clientes pouco protegidos nos empréstimos à habitação com taxa fixa

Bancos decidem livremente as condições na modalidade fixa e é muito difícil fazer comparações.

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O valor da taxa e o prazo de fixação são as variáveis mais importantes na decisão a tomar pelos clientes PAULO RICCA /Arquivo

A compra de casa com recurso a empréstimo bancário está a aumentar. E depois de década e meia de domínio das taxas variáveis, indexadas à Euribor, a escolha de taxas fixas está a crescer. Nos últimos meses, a fixação da taxa já representa mais de um terço dos novos contratos, mas, porque é mais elevada, o seu custo pode não compensar, especialmente se for aplicada por poucos anos.

A comparação das taxas fixas que estão a ser oferecidas é mais difícil do que nas variáveis, porque o seu valor é definido livremente por cada instituição, como admite o Banco de Portugal (BdP).

Nos empréstimos com taxa fixa, o valor da prestação mensal não varia durante o prazo estabelecido, que pode ir de 12 meses a 30 anos, mas os prazos a que estes contratos estão a ser maioritariamente "vendidos" são mais curtos, entre 12 meses e cinco anos, e em menor escala para dez e 15 anos. Nesta opção, o cliente não pode mudar de ideias – isto é, terá de cumprir o prazo fixado.

No crédito indexado à Euribor, a taxa é revista a cada três, seis ou 12 meses, de acordo com o prazo definido no momento da contratação, e a prestação varia de acordo com a tendência do mercado. Ou seja, pode descer para valores negativos, como acontece actualmente, ou subir significativamente. O máximo histórico foi fixado acima de 5%, em 2008, quando eclodiu a crise financeira. A mudança para taxa fixa é possível a qualquer momento, nas condições estipuladas pelo banco.

O crescimento do crédito a taxa fixa, como mostram os dados divulgados pelo BdP - que são vistos com surpresa dentro do próprio sector bancário, mas que o supervisor garante reflectir a informação que lhe é enviada pelas instituições -, é explicado pelo maior empenho dos bancos na criação de novos produtos nesta modalidade. E ainda pelos convites a clientes com taxas variáveis para mudarem para as fixas (esta mudança é contabilizada como novo crédito).

A “venda” está a ser feita com o argumento de que a Euribor não vai cair mais, e que o passo seguinte é a subida. Esta tendência pode confirmar-se a médio prazo, mas não é garantido que o ritmo de subida possa tornar esta taxa variável menos vantajosa do que a sua fixação por poucos anos.

Convites à mudança têm de ser bem avaliados

O valor da taxa e o prazo de fixação são as variáveis mais importantes na decisão a tomar pelos clientes. A Deco, associação de defesa do consumidor, alerta para a necessidade de uma avaliação cuidada, especialmente para quem está a ser convidado a mudar da Euribor, actualmente em valores negativos em todos os prazos e que tem spreads (margem comercial) baixos.

Ao PÚBLICO, Nuno Rico, economista da Deco, disse não ter dúvidas que “a banca está a tentar vender o crédito a taxas mais altas” e os convites à mudança são uma tentativa para “rentabilizarem contratos com spreads baixos”. Em relação à evolução da Euribor no curto prazo, o economista defende que, “se não existirem factores inesperados, a evolução do mercado e o contexto económico da zona euro não deverão permitir uma subida acentuada nos anos mais próximos”.

Nos novos empréstimos, a fixação ou a opção por variável pode não ser muito significativa a nível da taxa final, porque o spread está a ser usado para compensar o valor mais alto ou mais baixo da taxa base. Na maioria dos empréstimos actuais, a margem do banco, que deveria ser definida em função do risco do cliente, já representa a componente mais elevada da taxa final (Euribor mais spread, ou taxa fixa mais spread).

Ainda assim, na contratação de taxa fixa para prazos entre 12 meses e cinco anos, o cliente pode estar a pagar um preço alto por uma curta estabilidade da prestação. E, findo esse período, o contrato transitará automaticamente para a Euribor a 12 meses ou passará por uma nova negociação de taxa fixa. Esta mudança é feita quando o cliente já está “amarrado” ao banco, ou seja, com um poder negocial diminuído. Nos contratos a taxa variável, as condições estabelecidas no início do contrato, desde que cumpridas pelo cliente – nomeadamente nos produtos associados (domiciliação de ordenado, seguros, cartão de crédito, entre outros) –, não sofrem alterações, a não ser por acordo entre as partes.

Ofertas diferentes na banca

O caso mais surpreendente é o do Deutsche Bank, que reduziu a sua oferta de crédito à habitação à modalidade de taxa fixa por 12 meses, que depois passa para a taxa variável, associado à Euribor a 12 meses, que na prática representa nova fixação por mais um ano. O Novo Banco tem ofertas para dois anos, que crescem até 15 anos, mas outros só disponibilizam cinco anos.

Bancos como o Bankinter e o Santander utilizam uma taxa de mercado, as taxas swap, que a cinco anos encontra-se ligeiramente negativa, pelo que o valor da taxa fixa para este prazo, que chega a superar os 4%, depende exclusivamente do spread. No Bankinter, a fixação só pode ser feita por dez anos, mas pode chegar aos 30. No caso do Santander, apenas existe o prazo de cinco anos.

Antecipar a evolução das taxas de juro é impossível, mas fixar a taxa a dez ou a 15 anos pode valer a pena. O inconveniente é que a taxa exigida para estes prazos é bem mais elevada, mas estabiliza-se a prestação por um período maior. Para além da tranquilidade, que pode não ter preço, as contas face à variação média da Euribor só poderão ser feitas no final do prazo.

A decisão do cliente tem de ter em conta ainda outros dois factores, o da penalização pela amortização antecipada (total ou parcial), que na fixa é de 2% e na variável de 0,5%, sobre o montante em dívida. Há ainda a questão da rapidez no pagamento do capital em dívida, que é mais célere nas taxas variáveis, uma vez que, sempre que as taxas descem, a fatia de capital a amortizar aumenta e a de juros encolhe. Na taxa fixa, o valor dos juros e do capital é sempre o mesmo. 

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