EUA: A vitória do americanismo?

Se fosse americano, teria votado em Hillary Clinton. Um mal menor em relação a Trump. Nestas e noutras matérias.

”Donald Trump é o  Malcom X branco.”

Malik Obama

Os dias passam e as reações à eleição de Donald Trump, para Presidente dos Estados Unidos continuam. Bem como as manifestações. Dentro e fora dos EUA. Dessas reações e nessas manifestações, encontramos de tudo um pouco. Satisfação e congratulação. Expectativa, preocupação e incredulidade. Atenção e vigilância. Está instalada uma espécie de expectativa de que o novel Presidente, no exercício das suas funções, deite para o caixote do lixo, muito do que programaticamente o levou a vencer. Essa expectativa é maior fora da América do que lá dentro. Onde estão os milhões de eleitores que lhe deram a vitória.

Porque os que votaram nele, são uma coligação aguerrida e desesperada, por múltiplas razões. Aliás, a esse propósito, é interessante a frio cruzar informação qualitativa, para se concluir, out of the box do politicamente correto, de que o novo herói dos operários americanos é um betinho rico que vive numa casa cheia de ouro e luxos gratuitos, avaliada em mais de 100 milhões de dólares. Alguns dos votos em Trump, cá em Portugal, seriam do PCP e do Bloco de Esquerda. Com formação abaixo da média, acima dos 40 e dos 50 anos, residentes na cintura do ferro e de pendor fabril. Olhando para o mapa eleitoral dos EUA, salta à vista de forma simples, que os territórios mais virados para o Pacífico e os territórios mais virados para a faixa a norte do Atlântico é que votaram em Hillary Clinton. Curiosamente territórios mais virados para o exterior e mais permeáveis ao cosmopolitismo e aos EUA virados para fora, quer na órbita de influência da América enquanto potência do Pacífico, quer na órbita da América potência do Atlântico norte e parceira política e protetora, militar e tecnológica, da Europa. Os EUA do miolo central, a norte, centro e sul votaram Trump. Bem como até a América mais a sul com frente marítima, como é o caso da Florida. Tudo isto merece uma atenção especial, sociológica, política, religiosa, cultural e económica.

Não serão dois ou três discursos que permitirão perceber, se se vai apagar ou não, a carga programática do novel Presidente para vencer as eleições. Carga essa, refira-se de novo, muito polémica, divisionista, provocadora e carregada de doses explosivas para acabar com o politicamente correto, nos EUA e no mundo. Aliás, hoje, muitos dos que na América e na Europa, torciam por Hillary Clinton, acendem todas as velas para que Donald Trump deite para o caixote do lixo muito do que o levou à vitória. Mas a América de Trump é diferente da América que a esmagadora maioria que nós, europeus, conhecemos melhor. Não é por acaso que muitos de nós, se votássemos, votávamos Hillary. Não por Hillary, mas contra Trump e contra o que ele anunciou representar e querer fazer e mudar. É um “tique” europeu, instalado nas últimas décadas, achar que os EUA são apenas Nova Iorque, Washington, Chicago, Los Angeles. A América bem relacionada, elitista, representante de uma visão liberal a vários títulos. Se os europeus votassem tinha ganho Hillary. Se os russos votassem, Trump teria ganho por muito mais vantagem.

E agora? Como já referi, as eleições americanas colocaram-nos a todos (americanos e não americanos) perante várias opções. E uma das mais importantes era a opção dos EUA entre o globalismo (ordem liberal planetária representada por Hillary) e o americanismo (ordem mais protecionista e soberanista representada por Trump). Nessa contenda, está à vista de quase todos que estamos perante a vitória do americanismo. E tal opção vai ser concretizada e provocar uma desestruturação de muito do que é a atual arquitetura jurídico normativa, diplomática e política mundial. E tal, a acontecer, vai provocar provavelmente um efeito detonador e despertador de um aumento da proclamação patriótica e nacionalista em vários continentes, em especial no curto prazo, em países europeus. Talvez já em 2017, com consequências imprevisíveis no curto prazo, com potencial muito desestabilizador.

Esta mais do que provável vitória do americanismo, vai desestruturar e muito, o que Obama e Hillary e até alguns republicanos, fizeram nas últimas décadas pelo globalismo e em nome de uma ordem liberal mundial. Henry Kissinger, bem foi avisando que os EUA e a  Europa, o ocidente, têm estado a levar longe de mais, a unipolaridade ocidental e o poder normativo e militar, forçado pelos quatro cantos do mundo. Com resultados catastróficos em alguns domínios e até dentro de portas nos EUA e na Europa (caos no Médio Oriente, no Afeganistão, etc.). Kissinger, com a força da sua autoridade tem avisado. Que temos de regressar aos princípios de Vestefália. De entre outras coisas a um maior respeito pelos Estados e pelas suas soberanias. E que a obsessão por um mundo cada vez mais aberto é um mito que vai cada vez mais originar mais cadáveres políticos oriundos do politicamente correto ocidental.

O mundo, está cada vez mais farto dos EUA e dos europeus, mesmo muitas vezes precisando de ambos. O mesmo acontece com o essencial dos americanos, sobretudo eleitores típicos de Trump, fartos de um mundo que tem levado os EUA a gastar obsessivamente recursos (financeiros e humanos) em guerras, direitos humanos, ambiente, etc. Quando ao mesmo tempo, cada vez mais americanos vivem com dificuldades, até em relação a outros povos que são ajudados pelos EUA. Mesmo para nós europeus, é bom percebermos que são cada vez mais os americanos que acham que a Europa lhes sai cara de mais. E que se interrogam muito sobre se faz sentido os gastos com a  NATO, com o seu chapéu militar e tecnológico, para defender os europeus. Isto quando, para muitos americanos, os EUA devem é apostar mais no Pacífico. Aliás onde estão quase dois terços dos sete mil milhões de pessoas que o mundo tem.

A confirmar-se a vitória do americanismo em detrimento do globalismo, os europeus que se cuidem. Nada será igual. É só ter presente o que Trump prometeu. É por exemplo, ler e acompanhar o que alguns dos seus apoiantes têm dito nos últimos dias. Como a ex. governadora do Alasca, Sara Palin. Vêm aí tempos difíceis. Se Donald Trump, for coerente com o que prometeu em campanha, vêm aí uns EUA mais isolacionistas, protecionistas, paulatinamente virados para si próprios, em contraste com o modelo de hegemonia liberal vigente. Resta-nos esperar que isso não nos faça ter um mundo mais desequilibrado, mais carregado de incertezas. É também por isso que  Washington vai continuar a ser a capital mundial do risco. Do risco político, diplomático e militar. Será que se as coisas se temperarem, Donald Trump, pelo lado menos negativo, poderá vir a ser uma espécie de Ronald Reagan do século XXI? Surpreendendo-nos pela positiva em relação às expectativas, negativas, em si depositadas?

Em coerência. Apesar de ter posições de concordância com Henry Kissinger, continuo a dizer o que sempre disse. Donald Trump é um risco demasiado grande para muitos de nós. As minhas preocupações e divergências com o que propõe nas matérias da política de imigração e afins são abissais. Como humanista e cristão e conhecendo a história americana, considero um erro grave e até uma provocação um país que se construiu pela imigraçã, pôr em prática uma política de imigração, como Donald Trump tem defendido. Só por isso, se fosse americano, teria votado em Hillary Clinton. Um mal menor em relação a Trump. Nestas e noutras matérias.

 

 

Feliciano Barreiras Duarte

 

Presidente da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social

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