Os Estados Unidos ainda são os líderes do mundo livre?

Sob a liderança do Presidente Trump não podemos presumir que os Estados Unidos ainda sejam os líderes do mundo livre, ou líderes de coisa alguma.

Para os Estados Unidos e para a Europa, chegou o momento de avaliar a situação: o Ocidente está a chegar ao fim da linha. Os Estados Unidos da América acabaram de eleger um homem para Presidente que não só se gaba de apalpar mulheres e engana os seus parceiros de negócios mas que também expressa abertamente o seu desagrado pelos aliados tradicionais dos norte-americanos e, acima de todos, pelos europeus.

Não acreditem em mim. Ouçam o que ele tem dito ao longo de muitos anos. Em 2000, no seu livro escrito por um escritor-fantasma, The America We Deserve (A América que merecemos, não traduzido para português), Donald Trump escreveu que “Os Estados Unidos não têm qualquer interesse vital em escolher entre facções em conflitos que foram iniciados há séculos. (…) Os conflitos deles não valem vidas norte-americanas. Sair da Europa iria poupar milhões de dólares por ano a este país. O custo de colocar tropas da NATO na Europa é pesado. E claramente que estes fundos podem ser aplicados de melhores formas.”

Repetiu estas opiniões vezes sem conta durante a campanha eleitoral, mesmo tendo mudado de ideias sobre quase tudo o resto. Sobre o aborto consegue estar de ambos os lados da barricada, dependendo da sua audiência. Apoiou a Guerra do Iraque para depois se opor. Mas em relação à NATO – e à Rússia – Donald Trump não hesita. Em Março, descreveu a NATO como “obsoleta.” No seu primeiro discurso sobre política externa, declarou “Os Estados Unidos estão em primeiro lugar,” usando um famoso slogan isolacionista dos anos 40. Pediu ao Japão e à Coreia do Sul para desenvolverem armas nucleares.

Ao mesmo tempo, elogiou consistentemente ditadores mundiais, tendo Vladimir Putin sido o mais evidente. Em 2014, louvou a invasão russa à Ucrânia. Desde então, tem falado com admiração da sua “força”, crueldade e mesmo inclinação para assassinar jornalistas. Donald Trump não refere o declínio económico russo ou o seu feroz autoritarismo, talvez porque não tenha conhecimento ou talvez porque não se importe. A sua campanha recebeu apoio aberto da Rússia, na forma de ataques piratas e de fugas de informação, e telefonou publicamente aos serviços de segurança russos para que encontrassem mais e-mails de Hillary Clinton.

Desde o início da sua carreira que Donald Trump se tem rodeado de pessoas ligadas a Vladimir Putin, à Gazprom e a oligarcas russos. Newt Gingrich, o homem que pode vir a ser secretário de Estado e que é certamente um dos seus principais consultores, descreveu recentemente a Estónia como um país “nos subúrbios de São Petersburgo” e, como tal, não vale a pena defendê-lo. Diga o que disser Donald Trump amanhã ou depois de amanhã, a doutrina de dissuasão foi oficialmente abandonada: não pode ser defendida por um homem que não acredita nela.

Há poucas semanas, falei num evento em que participaram comandantes de forças terrestres de toda a Europa. Continuavam empenhados, de forma implacável, na sua missão, que todos entendiam ter duas componentes: proteger a Europa do terrorismo e proteger a Europa da Rússia. O encontro foi conduzido, como é normal no contexto da NATO, por generais norte-americanos. Hoje já não podemos presumir que os avanços militares russos, ou avanços bélicos híbridos, em direcção à Ucrânia ou a estados bálticos, sejam parados por uma aliança de países em sintonia.

Sob a liderança do Presidente Trump não podemos presumir que os Estados Unidos ainda sejam os líderes do mundo livre, ou líderes de coisa alguma. O proteccionismo, e não o mercado livre, venceu estas eleições e isso também terá as suas consequências. É de esperar que os Tratados Transatlântico e Trans-Pacífico não sejam aprovados. Temos de assumir que o Acordo de Comércio Livre da América do Norte será desmantelado. O comércio livre tinha diversas consequências mas uma das vantagens é que ligava países de forma política e económica. Serão erguidos muros, metafóricos e físicos, em todo o mundo, entre os países do Ocidente e contra os outros.

Nada disto vai acontecer rapidamente. Vai demorar tempo – anos e anos – para que as consequências desta futura transformação do sistema político internacional se desenrolem. A queda inicial das bolsas de valores já se reverteu, tal como aconteceu após o voto do "Brexit" no Reino Unido. Os tratados levam anos a serem desfeitos e para que ocorra uma mudança deste tipo em termos de políticas será precisa uma geração. Mas a mudança vai ocorrer, tal como os populistas têm afirmado em tantos países. Durante os próximos dias e meses, os norte-americanos estarão focados nas consequências que estas eleições vão trazer para o seu país, especialmente tendo em conta que o Partido Republicano, liderado por Donald Trump, está agora no comando da Câmara e do Senado, e irá dominar o Supremo Tribunal. Mas é importante que também haja lucidez sobre as consequências para o resto do mundo.

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

Traduzido por Francisco Ferreira

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