António Preto, o "homem da mala", foi ilibado década e meia depois

Antigo deputado e dirigente do PSD estava acusado de fraude fiscal qualificada e falsificação de documentos.

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António Preto a entrar no tribunal esta terça-feira DR

O caso nasceu em 2002 e fez mossa no PSD: o então deputado e presidente da distrital de Lisboa António Preto fora acusado de receber 150 mil euros de dois empresários da construção civil, não só em envelopes, mas também em malas, para ser eleito presidente da distrital de Lisboa do seu partido. Na acesa disputa em que tinha como rival interno Rui Gomes da Silva, o dinheiro, dizia-se, teria servido para pagar as quotas em atraso aos militantes do partido que o elegeram para o cargo, que não podiam votar sem saldar estas dívidas.

Quase década e meia depois, este advogado que ficou, desde aí, conhecido por “homem da mala” foi, nesta terça-feira, ilibado em tribunal dos crimes de fraude fiscal qualificada e falsificação de documento.

Quanto às suspeitas de corrupção e tráfico de influências, essas já tinham sido deixadas cair pelo Ministério Público logo em 2005.

O juiz que anunciou nesta terça-feira a absolvição de António Preto no Campus da Justiça, em Lisboa, não leu nem o acórdão nem sequer um resumo deste, ao contrário do que é habitual no caso de sentenças muito extensas. Limitou-se a dizer, de forma algo vaga, que apesar de ter ficado provado tudo o que foi objecto das escutas feitas pela Polícia Judiciária – o que inclui o arguido ter dito, numa conversa telefónica, "Estou a ver o dinheiro, pá, como nunca vi na vida, meu Deus!" –, não tinha sido feita prova em julgamento dos crimes de fraude fiscal e de falsificação de documentos. O acórdão também não foi fornecido atempadamente aos jornalistas que o solicitaram.

“A prova foi insuficiente. E a passagem do tempo também diminuiu a responsabilidade relativamente aos factos”, observou o magistrado do tribunal criminal do Campus da Justiça. Já os dois empresários, Virgílio Sobral de Sousa e Jorge Silvério, foram condenados por fraude fiscal, cada um a três anos de pena de prisão suspensa: terão ficado com perto de meio milhão de euros que deviam ter entregue ao Estado a título de impostos, um ilícito no qual António Preto não teve qualquer participação.

No que às entregas de dinheiro em malas e envelopes diz respeito, o ex-deputado sempre alegou tratar-se do pagamento de honorários, uma vez que prestava serviços a várias firmas daqueles dois empresários. Numa entrevista ao semanário O Independente logo em 2003, explicou que precisava, de facto, daquele dinheiro para pagar a campanha para a distrital do seu bolso: “Tinha de andar por todo o distrito de Lisboa, em reuniões com pessoas, em contactos eleitorais, não tinha tempo para estar no meu escritório. Foi por isso que o dinheiro me foi entregue numa pasta, deixada no escritório, onde eu não estava.”

O caso da mala foi-se arrastando na justiça, até porque António Preto tentou invalidar as escutas e separar o seu processo de alegada fraude fiscal do dos empresários. Dizia a acusação que uma das firmas dos empresários tinha escapado com a sua ajuda ao pagamento de 37.500 euros de IRC, por o advogado ter recebido os 150 mil euros de honorários em dinheiro.

Por fim, o processo-crime ficou a aguardar o desenlace de uma acção de impugnação fiscal desencadeada por outro dos arguidos, sem o qual não poderia prosseguir.

Braço engessado

Pelo meio ainda se deu um episódio caricato: acusado de ter falsificado a assinatura da mulher na declaração de rendimentos, foi chamado à Judiciária para fazer uma perícia à caligrafia. Apareceu com o braço direito engessado do pulso até ao ombro, supostamente por causa de uma flebite (inflamação da parede de uma veia). O médico que lhe mandou engessar o braço, um cunhado seu do serviço de cirurgia vascular do Hospital de Santa Maria, acabou por ser censurado pela Ordem dos Médicos por má prática, por ter prescrito a António Preto um tratamento que nunca lhe resolveria o problema. Já a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde teve outra opinião e arquivou um processo disciplinar aberto contra o clínico. Foi da assinatura da mulher na declaração de rendimentos que partiu a acusação de falsificação de documento.

O processo judicial não o inibiu de ser eleito para a Assembleia da República, onde esteve entre 2002 e 2011, embora o facto de Manuela Ferreira Leite o ter convidado para as listas numa altura em que já era arguido tenha colocado a então líder do partido debaixo de uma chuva de críticas.  

Hoje com 60 anos e sem actividade política há cinco, António Preto, que ainda exerce como advogado, não quis prestar declarações após a sua absolvição – pedida, aliás, durante o julgamento pelo próprio Ministério Público. “Trata-se de uma decisão justa e há muito esperada”, limitou-se a dizer o seu representante legal neste caso, Carlos Pinto de Abreu. com Sónia Sapage

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