Nem Mário Centeno acreditava

Quando foi apresentado o Orçamento para 2017 o Governo deu a mão à palmatória e veio reconhecer que a economia só deverá crescer 1,2% em 2016 e que o consumo privado só crescerá 2%.

De forma simplista, a teoria diz-nos que a construção de um Orçamento do Estado deveria obedecer, num primeiro passo, à definição de um cenário macroeconómico credível em que se estimasse o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e das suas componentes: consumo, investimento, gastos públicos, importações e exportações. 

Com base nesse cenário, deveriam ser depois estimadas as receitas, designadamente, as fiscais. Por exemplo, se a previsão aponta para um grande crescimento do consumo, é expectável que as receitas de IVA e dos restantes impostos sobre o consumo aumentem mais. Com a informação do valor das receitas que o Estado espera vir a cobrar e sabendo-se qual o valor do défice que se pretende atingir, define-se qual o tecto de despesa possível para que o valor do saldo orçamental seja aquele que se quer alcançar. 

Da teoria à prática vai, no entanto, uma grande diferença. E o que os sucessivos orçamentos nos têm mostrado, ou pelo menos nos deixam desconfiar, é que esta lógica tem sido totalmente subvertida. 

Parece que os ministros das Finanças definem primeiro qual a despesa que vão fazer e, sabendo qual o valor do défice a alcançar, calculam a receita que terão de cobrar para atingir esse mesmo défice. Depois, com base no valor da receita que disseram que iriam cobrar, constroem um cenário macroeconómico que justifique esse mesmo nível de receita.

O Orçamento do Estado para 2016 aparenta não ter fugido a esta regra. 

Quando foi apresentado o Orçamento que está em vigor, o Governo previa cobrar mais de 57 mil milhões de euros em receita, da qual mais de 40 mil milhões dizia respeito a receita fiscal. Na base desta estimativa estava a crença do Governo de que a economia iria crescer 1,8% e, por exemplo, o consumo das famílias iria aumentar 2,4%. Já na altura, o Conselho de Finanças Públicas, que entre outras funções avalia as previsões constantes no Orçamento, desconfiava do optimismo do ministro das Finanças Mário Centeno. Tal como a generalidade das instituições internacionais.

Quando foi apresentado o Orçamento para 2017 o Governo deu a mão à palmatória e veio reconhecer que a economia só deverá crescer 1,2% em 2016 e que o consumo privado só crescerá 2%. Faltava saber qual o efeito que estas alterações ao cenário macroeconómico teriam no nível da receita. Mas o Governo resolveu esconder essa informação e, de forma inédita, resolveu não integrar essa informação referente a 2016 na proposta de Orçamento ara 2017.

Pressionado pelo Parlamento acabou por apresentar essa informação no passado sábado. E os números mostram o que já se desconfiava. Houve optimismo a mais. E as receitas ressentiram-se. Só no IVA a diferença ultrapassa os 400 milhões de euros.

Mas o ministro das Finanças foi previdente. Tratou de cativar quase 1,6 mil milhões de euros em despesa para fazer face a qualquer imprevisto. Parte dessa despesa – mais de 400 milhões de euros – o ministro já disse aos serviços para a esquecerem, com as consequências que se conhecem na saúde e na educação. Mas o risco era tanto que Mário Centeno foi duplamente previdente e, decidiu avançar com um ‘perdão’ fiscal que lhe renderá mais algumas dezenas de milhões de euros em 2016. As consequências também são conhecidas e são as mesmas que resultaram de perdões dados no passado: um desincentivo ao cumprimento fiscal.

Com tantas cautelas parece mesmo que nem Mário Centeno acreditava no seu cenário macroeconómico.

 

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