O dia-a-dia numa escola em obras há seis anos

A escola Secundária João de Barros, em Corroios, Seixal, está reduzida a um terço do tamanho original e muitas aulas dos 1050 alunos decorrem em monoblocos provisórios desde 2010. É uma das 37 escolas do país onde o Governo decidiu suspender as obras, em 2011.

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Na escola secundária João de Barros, a esperança mistura-se com a resignação DR
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Na escola secundária João de Barros, a esperança mistura-se com a resignação DR
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Na escola secundária João de Barros, a esperança mistura-se com a resignação DR

Em Outubro de 2010, começaram as obras de modernização da escola secundária João de Barros, em Corroios: um pavilhão foi demolido, o campo de educação física e as árvores desapareceram, dois terços do espaço da escola ficaram vedados e muitas aulas passaram a acontecer em monoblocos, mais conhecidos por “contentores”. Deveria ser assim durante um ano e meio, de acordo com a entidade responsável pela obra, a Parque Escolar, mas em 2011, tudo parou e os cerca de mil alunos continuam em instalões provisórias mas cada vez mais definitivas. 

A presidente da associação de estudantes no anterior ano lectivo, Inês Santos, conta que tinha acabado de entrar para o 7º ano quando as obras começaram. Hoje, em 2016, já passou pelo 12º ano e continua a ver a escola em obras.

Ermelinda Caetano, funcionária da escola há 29 anos, faz uma pausa no trabalho de vigiar o espaço dos monoblocos e recorda a escola antiga: “Antes, era um espectáculo — havia espaço e um campo de jogos para os alunos poderem gastar energias. Agora assim não. Estão confinados aqui a este bocadinho.” E acrescenta: “Antes esta zona onde agora estão os contentores era tudo árvores. Minha rica escolinha. Às vezes vou à internet ver as árvores, os jardins e o lago da entrada que fizeram os alunos do 12º ano e que tinha peixes e tudo.

Passam dois alunos a correr e Ermelinda tem de “ralhar” com eles: o corredor que separa as duas filas de monoblocos é estreito e, por isso, não pode deixar que os alunos que não estão a ter aulas circulem por ali “porque isso distrai os que estão nas salas”. Quando chove, só os telheiros dos pavilhões que restam garantem um lugar seco, insuficiente para abrigar todos os alunos, uma vez que a cobertura dos monoblocos permite a passagem da chuva.

Peripécias em sala de aula

Para chegar à sala de aula é necessário passar por um mar de alunos que se comprimem e atropelam na tentativa de chegar ao seu destino. Mas, em alguns monoblocos que ficam no rés-do-chão, as dificuldades não ficam por aqui: “Temos de esperar 15 minutos antes de começar a aula para que todos os alunos da sala de cima se sentem porque é uma barulheira”, protesta João Gouveia, um dos alunos. E continua: “Quando alguém anda, o chão treme na sala toda: na aula de Educação Visual, é difícil desenhar sem estragar o trabalho quando a professora anda pela sala”. Andreia Lourenço, aluna de Humanidades, lamenta: “Quando olhamos para a janela, nos contentores, vemos grades, parece que estamos numa prisão. E lá fora, vemos tijolos, terra.”

O passar do tempo levanta problemas em estruturas pensadas para uma utilização de dois anos: os estores estão avariados, por exemplo. Rute Morais, encarregada de educação, reforça esta ideia: “A minha filha contou que uma vez caíram estores na cabeça de um colega dela quando ele estava a tentar fechá-los”. A impossibilidade de baixar os estores prejudica aulas e apresentações orais porque a claridade impede a visualização correcta dos trabalhos projectados. “A solução” — afirma Inês Santos — “é pôr sacos do lixo e fita adesiva nas janelas.”

“Houve uma vez que ficámos presos na sala porque a porta trancou e não abria por dentro”, sublinha Andreia Lourenço. “A professora ligou para a funcionária e teve que vir um senhor que precisou de martelar para nos tirar de lá.” 

A chuva é mais uma dificuldade a enfrentar porque os monoblocos permitem, por vezes, a entrada de água: “Um dia chegámos a uma sala e praticamente em metade dela não se podia estar porque caíam pingas grossas em cima das carteiras”, conta Rosa Figueiredo, professora de Geografia na escola há 29 anos. “Ainda por cima a turma era grande. Para haver aula trouxemos as cadeiras todas para o lado oposto.” Catarina Rodrigues, aluna de Ciências e Tecnologias, viu chover em cima de um projector.

É preciso ir buscar computadores para as salas mas às vezes estão requisitados ou funcionam mal: Os projectores também podem ser problemáticos: “Às vezes começam a cheirar a queimado e a dizer que vão encerrar porque estão sobreaquecidos e nós a usá-los, com medo”, desabafa Inês Santos.

O director do agrupamento de escolas João de Barros, António Carvalho, justifica estas situações com a utilização intensiva dos monoblocos que “são pensados para situações transitórias. Esta prolonga-se há demasiado tempo”. E acrescenta: “No mínimo, a cada 90 minutos estão a entrar e a sair do mesmo espaço 30 pessoas, durante oito horas por dia. Cria-se desgaste e as condições já não são as melhores”. António Carvalho refere que é necessário gerir o orçamento e que dificuldades como falta de material acontecem na maioria das escolas do país. Ainda assim, elogia a Parque Escolar que, segundo diz, toma as medidas necessárias para que sejam realizadas reparações em tempo útil.

 

Ginástica fora da escola

As aulas de Educação Física decorrem fora do espaço da escola. Os alunos percorrem cerca de 200 metros, atravessando a estrada e a linha do metro, o que preocupa alguns encarregados de educação. Chegam ao Indoor Fun, um espaço pensado para a prática de futebol, cujo arrendamento é garantido pela Parque Escolar.

“Quando temos uma aula de Educação Física e outra a seguir na escola, só temos 15 minutos para estar prontos para essa aula. Chegamos e já está a tocar para a entrada, não temos tempo para fazer nada”, enfatiza João Gouveia.

Joana Afonso encontra uma vantagem nesta solução: “No Indoor há dois campos cobertos, pode sempre haver aula, mesmo quando chove”. Mas, por outro lado, aponta desvantagens: “Para irmos para lá ainda andamos um bocado e para o porteiro pode trazer problemas porque um aluno mais novo para sair da escola pode mentir e dizer que vai ter Educação Física. São imensas turmas, é difícil controlar”.

As aulas ficam prejudicadas porque os campos não estão preparados para modalidades como atletismo, basquetebol ou andebol, ao contrário do que acontecia antes das obras. “Agora não há pista para o atletismo: o que se faz é colocar pinos [para marcar um percurso no campo retangular]. Não há como substituir a caixa de areia [para o salto em comprimento]. Não conseguimos driblar e os cestos não são próprios para basquetebol porque caem facilmente”, reforça Joana Afonso.

“Na escola de onde eu vim [EB 2/3 de Vale de Milhaços]” — conta Andreia Lourenço — “não havia aulas no dia do corta-mato escolar. Aqui é fora da escola e há aulas normais. Os alunos que querem correr perdem as aulas e os que gostavam de assistir não podem”.

 

Projecto de intervenção

A escola era um projeto-tipo dos anos 80 que crescia em função das necessidades. “A Parque Escolar pretende criar um projeto de autor para juntar todos os pavilhões, hoje separados, e criar uma escola que seja um edifício único”, esclarece António Carvalho. “Mas as obras pararam e para retomar foi necessário negociar com o atelier responsável pelo projecto.”

As negociações estão concluídas. O próximo passo é o concurso público internacional para escolher a entidade que irá concluir as obras. Foi publicado em Diário da República no dia 1 de Abril. Até dia 16 de Maio as entidades interessadas apresentaram as suas propostas. Agora resta aguardar que a Parque Escolar divulge o resultado do concurso.

Será necessário acabar a primeira fase (construir estruturas de suporte como a secretaria, o refeitório, etc.) e realizar a segunda fase (a intervenção nas salas de aula). “Algumas das coisas que já estão feitas não estão nas melhores condições”, admite António Carvalho. “Mas no caderno de encargos já está previsto que a empresa a quem for adjudicada a obra tem que fazer esse levantamento e repor o que não está em condições, e depois continua a obra”, assegura.

“Em relação à educação física, o que vamos ter é um espaço coberto, mas que não é um pavilhão”. É um espaço que tem cobertura (telhado) mas onde não existem paredes laterais. “Desde o início do projeto que estava previsto ser assim.”

Mas muitos alunos e encarregados de educação não estão a par do projecto nem têm uma ideia clara de como a escola deverá ficar. A sua preocupação maior é a forma como a escola funciona actualmente. Procuram divulgá-la através da página de Facebook “JB em Obras”. Luís Lourenço, um dos encarregados de educação, vai mais longe: “Já nem me lembro de como era a escola antiga, não sei se faltava alguma coisa ou se estava bem. Mas lembro-me que a escola não tinha um pavilhão para educação física. Nessa parte as obras não trazem melhorias”.

“Eu penso que a melhor solução na altura [em que começaram as obras] teria sido fazer pequenos restauros em vez de deitar um pavilhão abaixo”, comenta Joana Afonso. Rute Morais acrescenta: “O que acontece nesta escola é um desperdício de dinheiro. Estragaram algumas coisas que estavam boas e se podiam manter”.

Na escola secundária João de Barros, a esperança mistura-se com a resignação de quem espera há cinco anos pelo avanço das obras. Ermelinda Caetano confessa que, apesar dos seus 63 anos, “gostava de ver a escola pronta antes de ir embora”. Já Inês Santos considera que a escola se adaptou ao que passou a ter: “acho que a sensação que tivemos quando mudámos da escola normal para os contentores, vai ser a que vamos ter quando sairmos daqui para a ‘escola boa’”. E ironiza: “Quem anda nesta escola adquire outras competências. Qualquer um de nós é técnico de informática quando os projectores ou os computadores não funcionam. É a lei do ‘desenrasca’”. Texto editado por Ana Fernandes 

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