Oliveira Martins a favor de maior controlo da riqueza dos políticos

Ex-presidente do Tribunal de Contas defendeu que é possível consagrar na lei o crime de enriquecimento injustificado

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O ex-ministro assume que a criminalização do enriquecimento injustificado é possível desde que seja circunscrita aos responsáveis políticos Miguel Manso

O antigo presidente do Tribunal de Contas (TC), Guilherme d’Oliveira Martins, defendeu hoje que a criação do crime de enriquecimento injustificado limitado aos responsáveis políticos – e não ao universo de todos os cidadãos – pode ser a forma de contornar os chumbos do Tribunal Constitucional à proposta.

Guilherme de Oliveira Martins foi ouvido esta tarde pelos deputados da comissão para o Reforço da Transparência, que tem em análise propostas para a criminalização do enriquecimento injustificado e sobre a aplicação de regras mais apertadas às incompatibilidades dos parlamentares, designadamente aos que acumulam o mandato com funções em sociedades de advogados. O antigo presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção (entre 2008 e 2015) considerou que a criminalização do enriquecimento injustificado é possível desde que seja circunscrita aos responsáveis políticos porque “têm dinheiros públicos”. Nesta situação já não se verifica a inversão do ónus da prova ou a violação da presunção da inocência, os dois argumentos apresentados pelo Tribunal Constitucional para vetar os decretos que apreciou, em 2012 e 2015, e que generalizavam o crime a todos os cidadãos. “Não é para todos os cidadãos. Seria bom, ideal, mas não é possível porque viola princípios constitucionais do direito. A grande questão aqui é de vontade política”, afirmou. A posição foi saudada por Jorge Lacão, do PS, que tem uma proposta que vai no sentido restritivo da sua aplicação.

Na sua intervenção, Guilherme d’Oliveira Martins defendeu que a “transparência é apanágio do serviço público” e que “não é olhar pelo buraco da fechadura”. O actual administrador da Fundação Gulbenkian sustentou que “não pode haver dúvidas” sobre os responsáveis políticos. “Exactamente por serem responsáveis políticos”, justificou, recordando um “exemplo anedótico” de uma discussão sobre a caça à raposa na Câmara dos Comuns e em que todos tinham conflitos de interesses, uns porque “a mulher tinha um casaco de peles, outros porque tinham participado”. O antigo ministro socialista das Finanças referiu que esta situação tem “uma confusão entre um conflito de interesses e um conflito de causas” e que na Câmara dos Comuns se decidiu que “na dúvida, se é de interesses ou causas, faz-se a declaração”.

Recomendando “bom senso” aos deputados quando legislarem sobre o lobbying”, Guilherme d’ Oliveira Martins disse ainda não ser “muito partidário a um regime muito fechado de incompatibilidades” por levar “sempre ao risco técnico da fraude”. Relativamente à corrupção, o ex-presidente do TC alertou para o fenómeno como “um risco que ameaça as sociedades, a coesão” e que “tem de ser considerada com um especial cuidado”, tendo em conta a sua natureza. “Começa no favor –corrupção para acto lícito, que é aceite socialmente –, acaba no crime. Nunca sabemos em que momento é que passamos do mero favor ao crime”, afirmou, deixando um aviso: “Nenhum de nós é invulnerável ao risco da corrupção. O poder atrai os corrompidos e corrompe quem atrai.”

Com mais de uma dezena de projectos, a comissão para o Reforço da Transparência em Funções Públicas foi criada em Abril deste ano e está na fase das audições. Esta quarta-feira será ouvido o jurista Magalhães e Silva. 

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