Morreu Toots Thielemans, o virtuoso da harmónica

O músico belga tinha 94 anos e foi pioneiro na utilização deste instrumento no jazz.

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Toots Thielemans em 2011, na inauguração da rua de Bruxelas que leva o seu nome NICOLAS MAETERLINCK/AFP
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Toots Thielemans ao vivo na Casa da Música, em 2005 PÚBLICO

O músico Toots Thielemans morreu esta segunda-feira aos 94 anos, noticiaram os jornais belgas. Segundo a sua agente Veerle Van de Poel, citada pelo jornal Libération, Toots Thielemans morreu “durante o sono”, um mês depois de ter sido hospitalizado devido a uma queda.

O músico e compositor belga, considerado “o rei da harmónica do jazz”, tinha posto fim à sua carreira em 2004. Como o crítico de jazz do PÚBLICO, Rodrigo Amado, escreveu a propósito de um dos seus regressos a Portugal, Toots Thielemans foi um verdadeiro pioneiro da utilização deste instrumento no jazz. Foi o seu virtuosismo que o levou a partilhar o palco com gigantes como Charlie Parker ou Oscar Peterson, passando por Bill Evans e Ella Fitzgerald.

“O jazz na Bélgica era ele”, escreve o jornal belga Le Soir, “e a sua harmónica simbolizava essa música”. Segundo uma descrição deste jornal, Toots Thielemans trazia o instrumento sempre consigo, no bolso interior do casaco, junto ao peito, e usava-o, constantemente, para se exprimir.

Nascido em 1922, na Bélgica, como Jean-Baptiste Frédéric Isidor Thielemans, mudou o seu nome artístico para Toots Thielemans porque o de baptismo não tinha swing suficiente, conta o Le Soir. Em 1947, apenas com 25 anos, vai aos Estados Unidos e três anos depois já está a fazer uma tournée com o sexteto do clarinetista norte-americano Benny Goodman, em que toca harmónica e guitarra. Em 1951, emigra para os Estados Unidos e toca com uma série de músicos, destacando os seus obituários as actuações com o saxofonista e compositor Charlie Parker, mas também com o pianista britânico George Shearing, tendo integrado o seu quinteto. É no final de 1962 que compõe a famosa Bluesette, em que mistura os seus outros dois “instrumentos” de eleição, a guitarra e o assobio. Dá-lhe fama internacional e torna-se um standard.

A sua harmónica – “a mais famosa do mundo”, como escreveu a Casa da Música, quando o belga esteve cá em 2008 – apareceu em anúncios de  televisão, no genérico da série Rua Sésamo e em filmes como O Cowboy da Meia-Noite (vencedor de três Óscares).

 

Como contou ao PÚBLICO em 2005, noutra das suas actuações em Portugal, os pais, modestos comerciantes de Bruxelas, não queriam que o filho fosse músico. Toots Thielemans ainda entrou para a universidade para ser professor de matemática, mas a harmónica levou-o a desistir. O primeiro destes instrumentos foi comprado depois de ver um filme em que um homem a toca antes de ser conduzido à cadeira eléctrica. Começou como um passatempo e continuou “a ser um passatempo”, a sua “paixão”. Em vez de estudar, ocupava o tempo a aprender a tocar, com a ajuda dos poucos exemplos que havia altura, nomeadamente Larry Adler, que vinha da clássica.

Foi durante a Segunda Guerra Mundial, com a ocupação alemã, que o jazz, como sublinhou, o descobriu, porque nunca é ao contrário. Há ainda a história de como conseguiu reproduzir em dez minutos uma melodia de Fats Waller numa guitarra, que é contada ao PÚBLICO para explicar como aprendeu guitarra ouvindo, repetidamente, discos do grande Django Reinhardt.

No final da guerra, o bebop irrompe nos Estados Unidos, “uma revolução no jazz, comparável à do Picasso na pintura”. Quis tornar-se “moderno”, bebopper, esqueceu a harmónica e foi tocar com Benny Goodman, até emigrar para os EUA. Como guitarrista no George Shearing Quintet, onde passou a maior parte da década de 50, conheceu os grandes do jazz. “Eram todos muito bons para mim”, disse na mesma entrevista. A maior recordação que tinha, no entanto, era a de ter tocado com Charlie Parker. “Não fui eu que lhe liguei a pedir para tocar com ele, foi ele que me chamou. O manager disse-lhe se ele queria aquele miúdo belga da harmónica, e acabei a tocar nos Charlie Parker All Stars, com Miles Davies, Milt Jackson…”

Na revisão da carreira que fez, Toots Thielemans destacou, seguidamente, a sua fase brasileira. “A evolução da música brasileira é muito paralela à do jazz. Bossa nova era bebop.” Foi sempre próximo dos melhores artistas da música popular brasileira, desde Elis Regina, com quem gravou o álbum Aquarela, a Caetano, Gilberto Gil ou Milton Nascimento.

Gravou por todo o lado, com Billy Joel, Nick Cave, Pat Metheny, Natalie Cole. Muitos dos seus discos foram registados com Bill Evans; de tudo o que fizeram juntos, segundo o Le Soir, Toots Thielemans gostava particularmente de Affinity.

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