Sensibilidade e bom senso

Punir o Reino Unido só irá legitimar a imagem da União Europeia veiculada pelos defensores da saída.

Um divórcio nunca é fácil. Especialmente quando há crianças. Pior ainda, só quando há adultos a comportarem-se como crianças. O eleitorado do Reino Unido tomou a sua decisão: quer deixar-nos. Não que tenhamos sido trocados por outrem, mas contundentemente devido às suas fraturas internas (sociais, intrapartidárias, regionais), e a reboque de mantras demagógicos e falsas expectativas.

Agora é tempo de olhar em frente. Sabemos que temos um dificílimo processo pela frente e que o Reino (des)Unido se encontra numa encruzilhada perigosa. Logo que foram conhecidos os resultados do referendo, os mercados prontamente reagiram para penalizar a decisão, ao mesmo tempo que um coro de líderes políticos manifestou a sua tristeza para com a decisão soberana dos britânicos.

Agora, será correto da nossa parte aproveitar a fragilidade institucional e política britânica e aplicar ainda mais pressão para que o Reino Unido formalize rapidamente o processo de saída? Não seria mais prudente deixar a poeira assentar e permitir a Londres estruturar a sua posição? Parece que não. O Parlamento Europeu aprovou no dia 28 uma resolução que pede ao Reino Unido a ativação imediata do Artigo 50.º do TFUE, que funciona como gatilho para o processo de saída da União Europeia.

É hoje sabido que muitos dos cidadãos que votaram pelo fim do relacionamento do Reino Unido com a UE o fizeram, precisamente, em nome de uma quimera chamada "autogoverno", na senda dos vendedores de utopias passadas. E, confrontada com esta realidade, qual a resposta de uma das instituições pilares da UE face ao resultado do referendo? A resposta do Parlamento Europeu foi a de instigar Londres a pôr o pé no acelerador, como se assim se estabelecesse um exemplo que fosse dissuasor para outros e se travasse o perigo de contágio a outros estados membro. E, mais ainda, fê-lo com uma resolução que só sublinha o ridículo da mesma. Pois esta mais não é, efetivamente, que uma resolução não vinculativa, em resposta a um referendo não vinculativo, tendo como destinatário um governo sem capitão ao leme, claramente assoberbado pelo desnorte.

O presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, justificou a necessidade de apressar o processo, a fim de se evitar que a UE mergulhe numa "incerteza prolongada". Mas a questão que aqui nos surge é: existirá sequer qualquer sinal de certeza quanto ao processo que o Parlamento Europeu incentivou a acelerar?

Há uma expressão idiomática alemã, muito popular, que sintetiza bem esta reação impulsiva ao "Brexit", que é: "Mais vale um fim terrível do que o terror sem fim." Esta expressão pressupõe que é melhor um choque rápido à indefinição de uma situação negativa. Quase como um apelo a uma amputação célere para evitar que a gangrena se espalhe. E sim, muitas vezes, quando confrontados com situações que nos levam ao limite, a realidade exige que sejamos rápidos e pragmáticos — sendo curioso verificar que esta é uma qualidade não raras vezes escassa na construção europeia. Contudo, não será menos verdade que, em circunstâncias delicadas como a que vivemos, os melhores conselheiros serão os valores da prudência e da serenidade.

Desta forma, punir o Reino Unido só irá legitimar a imagem da União Europeia veiculada pelos defensores da saída. E, paradoxalmente, a UE assumirá desta forma a imagem do "bicho-papão" sorvedor de soberanias no preciso momento em que muitos britânicos acordam para a sua pertença ao projeto europeu, revelado por uma impressionante vaga de arrependimento pela votação a 23 de junho. Esta punição é tudo quanto basta para, precisamente, espalhar a gangrena demagógica extremista pela Europa. Não seria a primeira vez que a aplicação da democracia, o mais perfeito dos sistemas imperfeitos, desagua num rotundo erro. E perante este erro, que é já reconhecido como tal pelos principais visados, impõem-se a prudência, a serenidade e também o pragmatismo de reconhecer que não pode haver aqui lugar à irrevogabilidade.

Deputada do PSD

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