Primark ultrapassou a Zara e já é a “número um” em Portugal

Breege O’Donoghue, directora para os novos mercados e desenvolvimento da cadeia de vestuário, garante que é graças aos grandes volumes de produção e à eficiência na produção que Primark consegue vender roupa tão barata.

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Breege O’Donoghue, membro do conselho de administração da Primark, ao lado de Stephen Mullen, director na Península Ibérica Miguel Manso

Como é que uma T-shirt pode custar 2,50 euros? Breege O’Donoghue, membro do conselho de administração da Primark, diz que é o modelo de negócio, de grandes volumes e margens baixas, que permite “devolver valor” aos clientes. Em entrevista, concedida nos escritórios da nova loja no Almada Fórum, e ao lado de Stephen Mullen, director na Península Ibérica, garante que a empresa tem um apertado sistema de auditoria nas fábricas onde a roupa é produzida e que nada é feito à “custa dos trabalhadores”. Ao mesmo tempo, a moda rápida e barata está a ganhar peso no mercado. Em 2015, a quota da empresa (que pertence ao grupo Associated Bristish Foods, dono do chá Twinings) superou em valor e em volume as vendas da Zara em Portugal, segundo a consultora Kantar Worldpannel. Ocupa, assim, a primeira posição no mercado, fortemente disputado por marcas como a H&M e a Mango. Com nove lojas no país, a Primark quer ter uma décima em Faro. 

A crise económica dos últimos anos ajudou a Primark a aumentar vendas e ganhar mais clientes?
Não. A Primark vende bem nos bons e nos maus tempos. Porque acreditamos que temos um nicho especial no mercado. É a nossa experiência não só em Portugal, como noutros países.

E qual é o vosso nicho, clientes com menos capacidade financeira?
O nosso alvo é a família. Vendemos roupa de mulher, de homem, de criança, artigos para a casa, cosméticos, com um interesse mais particular, talvez, no grupo dos 15 a 35 anos. Mas vendemos bem, com ou sem crise.

Em Espanha, as vendas cresceram 20% o ano passado. E em Portugal?
Temos um bom negócio em Espanha, com novas lojas, e os clientes seguem-nos dia após dia. Temos agora 41 lojas e, na Península Ibérica, temos 50. Em Portugal, o ano foi bom. Com oito lojas, nove com a do Almada Fórum, localizadas em sítios estratégicos, vemos que os clientes regressam. Somos o número um do mercado em valor e em volume, de acordo com a Kantar.

Ultrapassaram a Zara?
Em Espanha, somos o número um em volume. Em Portugal, o número um em valor e em volume.

Mas a Zara está há anos no mercado, com centenas de lojas. Como conseguiram superar a Inditex? Foram os preços baixos?
Tem que ver com a boa relação entre qualidade e preço. O blazer que tenho vestido custou 26 euros, está muito bem acabado e já o usei muitas vezes. Penso que tem que ver como facto de darmos ao cliente um bom produto por um bom preço. Somos um negócio de grandes volumes e este é um dos motivos pelos quais podemos ter estes preços. No ano passado vendemos 405 milhões de pares de meias e mais de 260 milhões de T-shirts. Não gastamos dinheiro em patrocínios, fazemos publicidade apenas quando temos abertura de lojas, temos um sistema eficiente de apoio às lojas, uma boa cadeia de abastecimento e [relações de] longevidade com os nossos 700 fornecedores, pagamos a tempo, compramos em volume e com o maior tempo de antecedência possível para dar tempo aos fornecedores de planearem a produção. Compramos o tecido o mais perto possível da fábrica e temos uma margem mais pequena do que a nossa concorrência.

Abdicam da margem para oferecer preço.
Sim e não gastamos dinheiro em publicidade. Damos o dinheiro de volta ao consumidor. Temos um projecto na Índia com milhares de mulheres produtoras de algodão com quem temos estado a trabalhar para que usem menos fertilizante, consigam maior eficiência e produzam mais por metro quadrado. É este tipo de trabalho que temos feito com os nossos fornecedores. No Bangladesh também trabalhamos com muitas mulheres e é assim que conseguimos dar ao nosso cliente aquele valor.

É assim que conseguem vender uma T-shirt por 2,50 euros?
Temos muitos outros preços também. Compramos grandes volumes e agendamos a produção, por vezes, com 12 meses de antecedência.

Isso significa que os clientes compram quase sempre mais do que uma peça?
Depende do cliente, os nossos números podem ou não mostrar que compram apenas uma ou várias.

Sendo assim, a estratégia é abrir cada vez mais lojas para garantir grandes volumes de vendas?
Abrimos em Almada [na semana passada], depois abriremos em Leipzig, na Alemanha, em Arese, perto de Milão. Em Maio, vamos inaugurar duas na Holanda. Temos um pipeline razoável. Abrimos duas lojas nos Estados Unidos e temos mais sete planeadas para este ano e o próximo.

Portugal e Espanha são dois mercados importantes para a Primark? Quanto é que Portugal representa no negócio?
A região da Península Ibérica é muito importante. As pessoas são muito importantes para nós. Temos 800 pessoas em Portugal, toda a equipa de gestão é portuguesa e muitos foram promovidos. Dois dos nossos gestores seniores foram promovidos dentro do grupo. Na loja mais recente em Almada temos 203 trabalhadores, 47 dos quais vieram de outras lojas e foram substituídos. Mais de cem pessoas regressaram ao mercado de trabalho e recebemos mais de três mil candidaturas.

Só para a nova loja?
Sim.

Por que motivo a gestão é centralizada em Madrid?
A equipa de direcção para a Península Ibérica está sediada em Madrid e dá apoio a Portugal e a Espanha.

Mas tem que ver com o número de lojas ainda reduzido em Portugal?
Sim. Tal como na Alemanha temos um grupo para o Norte da Europa.

Têm planos para novas lojas?
Temos planos para uma nova em Faro e é só o que podemos dizer.

Voltando à questão dos preços baixos. Os vossos clientes questionam-vos directamente sobre como conseguem ter roupa tão barata?
Alguns clientes sim. Mas eu posso usar a minha roupa com muito orgulho. E não, não foi feita às custas dos trabalhadores das fábricas. Para nos poderem fornecer, as empresas passam por um processo muito exigente que dura seis meses. Temos auditorias, em 2015 fizemos 2412 auditorias nas fábricas, temos 65 pessoas no terreno, a trabalhar nos países fornecedores e em breve serão 83. São os olhos e os ouvidos da Primark. Se por exemplo um fornecedor não cumprir o nosso código, trabalhamos com ele para que melhore, no entanto, e a título de exemplo, deixámos de recorrer ao nosso terceiro maior fornecedor no Bangladesh em 2015 porque contratou sem o nosso conhecimento e consentimento. Temos regras e regulamentos. E 98% das fábricas são partilhadas por outras grandes marcas de vestuário. Sim, as coisas podem correr mal. E quando isso acontece é uma questão sobre como se lida com o assunto.  Trabalhamos com países em desenvolvimento e indirectamente 700 mil pessoas têm emprego graças à nossa produção. Acreditamos que há ainda um elevado número de pessoas que beneficiam indirectamente com a operação.

Qual é o salário médio dos trabalhadores?
Está relacionado com cada país. Nas auditorias, verificamos se os salários são pagos, se as horas de trabalho são contabilizadas, se estão a ser cumpridas todas as condições de segurança laboral, se os trabalhadores têm a idade legal. Estas fiscalizações dão-nos a segurança de que a nossa roupa não é feita às custas de ninguém na cadeia de abastecimento.

A situação dos refugiados na Turquia é um desafio para a Primark?
Duplicámos as acções de fiscalização porque é um novo desafio não só para nós, como para os nossos concorrentes. Queremos garantir que o fornecedor cumpra o código de conduta. Estive na China o ano passado e visitei cinco fábricas e todos os executivos seniores visitam unidades com regularidade para apoiar quem está no terreno.

Já recorreram a fábricas portuguesas?
Sim. E continuamos a produzir em Portugal toalhas, meias, T-shirts de crianças. Temos muitas fábricas na Europa.
Quando abre uma nova loja, há uma multidão à porta que espera desde cedo para poder entrar. É assim em todos os países?
Depende de país para país, mas geralmente temos sempre uma pequena multidão. As pessoas esperam uma hora ou uma hora e meia em pé, mas parecem estar bastante felizes. (...) Queremos fazer negócio de forma local e isso é muito importante para nós. Cada um dos gerentes de lojas em Portugal é português.

Os consumidores portugueses são muito diferentes de outros?
Varia muito. As diferenças que há entre países podem ser de preferências de cor, tamanho ou de estações. Nas Canárias, vendemos fatos de banho durante quase todo o ano, o que não acontece em Glasgow. Não fazemos as saias mais compridas porque os holandeses são mais altos. Na Holanda, vendemos milhares e milhares de mochilas por causa das bicicletas.

Com que frequência têm produtos novos nas lojas?
Todos os dias há produtos novos. [A cada semana chegam às lojas 150 a 250 novas unidades, desde uma T-shirt com uma nova cor ou novos modelos.] Isso é muito importante para nós porque temos um número elevado de clientes que regressa à loja com muita frequência. Compram um ou dois artigos e regressam.

Nova loja Primark abre em Almada

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