Capitão habituado ao sacrifício e treinador com espírito de missão

Morreu nesta quinta-feira Fernando Mendes, que foi campeão como jogador e treinador do Sporting e esteve na única conquista europeia dos “leões”.

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Fernando Mendes foi treinador principal do Sporting por três vezes Dulce Fernandes
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Fernando Mendes a festejar a conquista da Taça das Taças Sporting CP
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A equipa do Sporting que venceu a Taça das Taças em 1964 Sporting CP

Fernando Mendes estava habituado ao sacrifício. Naquela altura ainda não eram permitidas substituições no futebol e Fernando Mendes, um líder natural, dava o exemplo porque não queria que a sua equipa ficasse a jogar com dez. Jogou com o nariz partido numa ocaisão, andou 70 minutos de braço ao peito noutra. Mas não havia resiliência que superasse um joelho desfeito e foi o que lhe aconteceu a 25 de Abril de 1965, um dia de glória para o futebol português e o dia em que, na prática, a sua carreira como futebolista chegou ao fim. Tinha 27 anos. Mas a sua vida desportiva estava longe de acabar.

Morreu nesta quinta-feira em Lisboa, no hospital Pulido Valente, aos 78 anos, vítima de doença prolongada, um dos maiores símbolos do Sporting, o capitão daquela equipa que conquistou em 1964 a Taça das Taças, o único troféu europeu do futebol “leonino”, e um dos poucos que foi campeão pela formação de Alvalade como jogador e como treinador. “Era um óptimo colega e um excelente capitão. Era o que se entregava mais à luta. E fica imortalizado na história do Sporting. Aquele gesto de levantar a Taça foi um enorme abraço de amor a todos os sportinguistas”, disse ao PÚBLICO um emocionado Manuel Pedro Gomes, colega de Fernando Mendes na equipa que triunfou sobre o MTK de Budapeste, na final da Taça das Taças de 1964.

Fernando Mamede Mendes foi muita coisa no Sporting. Médio ofensivo talentoso, treinador para as emergências, formador de jovens, director-desportivo, um símbolo. Um “diamante eterno”, foi como o descreveu Bruno de Carvalho em comunicado. E uma enorme presença humana, como recorda Hilário da Conceição, antigo defesa-esquerdo moçambicano dos “leões”, que partilhou parte da sua vida desportiva com Fernando Mendes. “Eu nunca tinha saído de Moçambique e, quando cheguei a Portugal em 1958, a primeira pessoa que eu conheci foi o Fernando Mendes, foi como um irmão mais velho. Aprendi muito com ele. E ia todas as semanas a casa dele comer um cozido à portuguesa. Perdi um grande amigo. Era uma pessoa extraordinária, simples e comunicativo”, conta Hilário.

Nasceu em Torroselo, uma aldeia em Seia, a 15 de Junho de 1937, e, aos dez anos, acompanhou a família na mudança para Lisboa. Nas equipas da escola, já se destacava e um dia, com os colegas, foi inscrever-se na secção do futebol do Benfica, mas nunca chegou a ir a qualquer treino porque o irmão António, também jogador, o puxou para o Sporting. Tinha 20 anos quando, em 1956-57, se estreou na primeira equipa dos “leões”, uma equipa que ainda tinha dois dos “Cinco Violinos”, Vasques e Travassos. Nesse ano, faria apenas um jogo, frente ao Atlético, na época seguinte, esse número subiu para cinco (e o Sporting foi campeão, o primeiro de três títulos com Mendes: os outros seriam em 1962 e 1966) e, em 1958-59, já era titular indiscutível. Cedo assumiu o estatuto de capitão de equipa (aos 22 anos) e foi nessa condição que cumpriu uma das mais memoráveis épocas da história “leonina”. Foi totalista na campanha da Taça das Taças em 1963-64, que incluiu a goleada por 16-1 aos cipriotas do Apoel Nicósia e a incrível reviravolta na eliminatória com o Manchester United, recuperando com um triunfo por 5-0 de um desaire em Old Trafford por 4-1. E foi ele que levantou a Taça após a finalíssima de Antuérpia com o “cantinho do Morais”.

Depois da conquista europeia, Fernando Mendes viveu o pior momento da sua vida desportiva que coincidiu com um momento histórico para o futebol português. Em Bratislava, a 25 de Abril de 1965, a selecção portuguesa defrontava a poderosa Checoslováquia no apuramento para o Mundial de 1966. Mendes era titular nesse jogo mas ficou pouco tempo em campo. Um choque com o checo Kavasnak provocou-lhe uma fractura do joelho e tirou-o do jogo aos 3’ e do Mundial do ano seguinte, cuja presença a selecção iria conquistar nesse jogo, com menos um jogador e com um golo de Eusébio.

Mendes, 21 vezes internacional, foi na comitiva portuguesa para Inglaterra, inscrito como responsável pelo economato, e viu de perto a brilhante campanha dos “Magriços” até ao terceiro lugar no Mundial. A sua carreira é que não voltaria a ser a mesma e, depois de aparições esporádicas e dolorosas durante quatro anos, retirou-se como jogador no Atlético, em 1969. Acabaria por regressar ao Sporting em 1977 para treinar os juniores, cargo que acumulou com o de técnico da equipa principal em 1979-80 a partir da décima jornada, em substituição de Rodrigues Dias.

Mendes acabaria por conduzir a equipa ao título (o único que conquistou como técnico dos seniores “leoninos”), mas não ficaria para a época seguinte. Ainda voltaria a ocupar o lugar em mais duas situações de emergência, em 1995-96, substituindo Carlos Queiroz, e em 2000-01, ocupando a vaga de Augusto Inácio. Este era o espírito de missão de Fernando Mendes, capitão, líder inspirador e sempre disponível.

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