E se aqueles que os Óscares parecem ignorar boicotassem agora a cerimónia?

O realizador Spike Lee e a actriz Jada Pinkett Smith defendem um boicote aos Óscares, que consideram ser sempre muito brancos: pelo segundo ano consecutivo, nos 20 actores nomeados não há um único negro. Mas nem todos estão a favor. A actriz Whoopi Goldberg é a mais recente voz contra esta acção.

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Há dois anos que a Academia não nomeia um actor negro. Estes são os nomeados deste ano Reuters

Mal as nomeações para a cerimónia mais aguardada de Hollywood tinham sido anunciadas, nas redes sociais ganhava força a hashtag #OscarsSoWhite. Depois de no ano passado não ter havido um único actor negro nomeado aos Óscares, este ano aconteceu o mesmo e a polémica ganha força. O realizador Spike Lee e a actriz Jada Pinkett Smith são os rostos do descontentamento: não vão aos Óscares, não têm intenção de ver a entrega dos prémios e apelam a que outros façam o mesmo. Até George Clooney lhes dá razão. Têm a certeza de que a Academia está a andar dez anos para trás.

Ainda antes de gravar um vídeo nesta segunda-feira a apelar ao boicote, Jada Pinkett Smith, casada com o actor Will Smith há 20 anos, já demonstrara a sua indignação no Facebook, dois dias depois de terem sido reveladas as nomeações aos Óscares. “Nos Óscares… pessoas de cor são sempre bem-vindas para entregar prémios… e até para entreter, mas raramente somos reconhecidos pelos nossos feitos artísticos. Deviam as pessoas de cor abster-se de participar? As pessoas só nos podem tratar da forma que lhes permitimos”, escreveu então a actriz, que entrou na série de televisão Gotham.

Já nesta segunda-feira, dia de Martin Luther King nos Estados Unidos, Jada fez um vídeo a defender que aqueles que integram diferentes grupos que compõem a sociedade não devem implorar por reconhecimento. “Está na altura de as pessoas de cor reconhecerem o poder e influência que temos alcançado, de tal forma que já não precisamos de pedir para ser convidados seja para o que for”, diz a actriz no vídeo que soma mais de nove milhões de visualizações.

We must stand in our power!

We must stand in our power.

Publicado por Jada Pinkett Smith em Segunda-feira, 18 de Janeiro de 2016

Jada Pinkett Smith admite que a Academia tem o direito de convidar e reconhecer quem quiser, mas sugere que este é o momento para a comunidade negra se afastar dos prémios. “Implorar por reconhecimento, ou até pedir, diminui a dignidade e diminui o poder, e nós somos pessoas dignas e poderosas.” A actriz faz questão de lembrar que a apresentação da cerimónia mais esperada de Hollywood, que acontece a 28 de Fevereiro, estará a cargo do seu amigo Chris Rock. Pinkett Smith pede desculpas ao actor e humorista e deseja-lhe boa sorte.

Chris Rock tem-se mantido à parte da polémica, tendo partilhado apenas um vídeo na semana passada a promover a entrega das estatuetas com a legenda: “The #‎Oscars. The White BET Awards.” Chris Rock faz uma brincadeira, referindo-se ao Black Entertainment Television, um canal americano por cabo que tem como público-alvo a comunidade negra.

Mas Jada Pinkett Smith não está sozinha no protesto. Se o seu marido ainda não falou sobre o assunto — num ano em que a prestação de Will Smith em A Força da Verdade tem sido aclamada, esperava-se uma nomeação aos Óscares —, Spike Lee fez questão de também assumir uma posição. Ele que em Novembro passado recebeu até um Óscar honorário, atribuído pela Comissão de Governadores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, ao lado da actriz Gena Rowlands.

No Facebook, o realizador disse não apoiar o que tem acontecido. “Como é que é possível que pelo segundo ano consecutivo todos os 20 actores nomeados na categoria de representação sejam brancos? E nem vamos falar das outras áreas”, começa por escrever Spike Lee para anunciar que em Fevereiro não fará parte da assistência dos prémios. Nem ele, nem a sua família.

Spike Lee quis marcar o dia de Luther King alertando para a desigualdade racial no cinema, lembrando como “há demasiado tempo”, sempre que as nomeações são anunciadas, a imprensa o contacta para pedir uma reacção à falta de afro-americanos na lista. “E este ano, não foi diferente”, escreve, sugerindo que os jornalistas perguntem a todos os “brancos nomeados e responsáveis de estúdios como se sentem em relação a outra nomeação branca”. 

#OscarsSoWhite... Again.I Would Like To Thank President Cheryl Boone Isaacs And The Board Of Governors Of The Academy...

Publicado por Spike Lee em Segunda-feira, 18 de Janeiro de 2016

“Daquilo que vejo, os prémios da Academia não é onde a ‘verdadeira’ batalha acontece”, continua, acusando os responsáveis dos grandes estúdios e canais de televisão por esta realidade tão caucasiana – a Academia é composta por 6028 membros e, segundo um artigo publicado em Dezembro de 2013 pelo Los Angeles Times, a grande maioria (93%) são brancos e só 2% são negros. “Como disse no meu discurso de aceitação do Óscar honorário, é mais fácil para um afro-americano ser Presidente dos Estados Unidos do que ser presidente de um estúdio de Hollywood.” Spike Lee afirma ainda que a indústria da música está muito à frente da do cinema, um exemplo que deveria ser seguido.

Mas nem todos acham que a resposta para a mudança está num boicote. A actriz Whoopi Goldberg, apresentadora dos Óscares por quatro vezes, criticou terça-feira a acção, afirmando que não aparecer nem ver a gala seria “uma chapada na cara de Chris Rock”. “Chris Rock é o apresentador dos prémios da Academia e boicotá-lo parece-me tão mau como tudo o que as pessoas dizem”, disse a actriz no programa que apresenta The View.

“O problema não é que as pessoas nomeadas sejam demasiado brancas. Ninguém vê um filme e diz: ‘Oh, é muito branco’”, continuou Goldberg, defendendo que os pequenos estúdios que fazem filmes em que a diversidade racial está representada não têm apoio e, por consequência, as suas produções não chegam ao público. É por isso que defende que esta discussão devia acontecer todo o ano e não apenas nesta época de prémios. “Para mim, ter esta conversa todos os anos, irrita-me.” 

Também Janet Hubert, mais conhecida como a tia Viv de O Príncipe de Bel-Air (1990s), criticou a acção, dirigindo duras críticas a Jada Pinkett Smith. A actriz insinuou que Smith apenas se chateou com o facto de o seu marido não ter sido nomeado.

Cheryl Boone Isaacs – a primeira negra à frente da Academia – admitiu, no entanto, que é preciso de facto uma maior diversidade racial na instituição, garantindo que será feita uma revisão nos membros votantes para os Óscares para que novas pessoas possam ser incluídas.

Nesta segunda-feira, também Idris Elba disse ser urgente a mudança na indústria. O actor, que no ano passado se destacou no primeiro filme produzido pela Netflix, Beast of No Nation, falou no Parlamento britânico, e defendeu que é necessário que exista uma maior representatividade de mulheres, pessoas deficientes e pessoas de outras raças. Se para muitos os Estados Unidos representam o sonho americano, Idris Elba, londrino, lembra que há “uma grande distância entre o sonho e a realidade”.

Mas têm aparecido cada vez mais pessoas a comentarem a polémica. O actor inglês David Oyelowo, que em 2014 deu vida a Martin Luther King no filme Selma, disse na gala dos prémios King Legacy, de homenagem àqueles que contribuem para as minorias, que a “Academia tem um problema”. O actor apresentava a presidente Cheryl Boone Isaacs, e não deixou escapar a crítica. “Esta instituição não reflecte a sua presidente”, disse Oyelowo, admitindo ser membro da Academia. “Também não me reflecte. Não reflecte esta nação.”

Para Will Packer, produtor do biopic sobre os rappers NWA Straight Outta Compton, fenómeno do Verão norte-americano sem estreia em sala em Portugal, “é uma vergonha dizer que os pontos altos do cinema só foram conseguidos por pessoas brancas”. “Temos de fazer melhor”, escreveu também no Facebook, dirigindo-se aos “colegas da Academia” e defendendo que esta desigualdade é injusta para todos os artistas de cor que deram o melhor de si em projectos ao longo de 2015.

A mais recente crítica vem de George Clooney, para quem a Academia fazia um melhor trabalho há dez anos. O actor não tem dúvidas de que a indústria está a regredir, considerando que o problema não se resume aos membros da Academia. “Não é um problema de quem escolhe, mas sim de quantas opções existem para as minorias no cinema, particularmente em filmes de qualidade”, defende Clooney. “Acho maravilhoso o facto de estarmos numa indústria onde nos anos 1930, a maioria das nossas líderes eram mulheres. E agora uma mulher com mais de 40 anos tem uma grande dificuldade em ser protagonista de um filme”, continua o actor, lembrando as tomadas de posição de actrizes como Jennifer Lawrence e Patricia Arquette, que alertam para o que se passa em Hollywood.

George Clooney não tem dúvidas de que a comunidade negra tem razão em queixar-se da falta de representatividade na indústria. “Acho que é absolutamente verdade”, diz, recordando o ano de 2004, quando Don Cheadle e Morgan Freeman foram nomeados. “E, de repente, estamos a mover-nos na direcção errada. Houve nomeações deixadas de fora da mesa.” E são elas, enunciadas por Clooney, já mencionadas acima: “Creed: O Legado de Rocky podia ter tido nomeações; A Força da Verdade podia ter valido a Will Smith uma nomeação; Idris Elba podia ter sido nomeado por Beast of No Nation; e Straight Outta Compton podia ter sido nomeado”.

“Já agora, estamos a falar sobre afro-americanos. Para os hispânicos, é ainda pior. Temos de ser melhores nisto. Costumávamos ser melhores”, defende Clooney.

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