A glória de Gena Rowlands

Gena Rowlands é inseparável da história do cinema independente americano e do seu casamento com John Cassavetes. Por duas vezes nomeada para o Óscar de melhor actriz, acaba de receber um prémio honorário de carreira.

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A actriz ao receber o Óscar honorário

Pode parecer parca compensação para uma das maiores actrizes americanas vivas, alguém que o dramaturgo Tennessee Williams lamentou nunca ter podido ver a interpretar Blanche Dubois no seu Eléctrico Chamado Desejo (“ela teria tornado todas as outras inúteis”, disse em 1982). Mas Gena Rowlands (n. 1930) ganhou finalmente um Óscar honorário, atribuído pela Comissão de Governadores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood pelo conjunto da sua carreira. O prémio recompensa “distinções extraordinárias durante uma carreira ou contribuições excepcionais ao estado das artes e ciências cinematográficas” e pode ser entregue anualmente a mais de um artista escolhido pela Comissão.

Este ano, Gena Rowlands foi contemplada ao lado do realizador Spike Lee, numa cerimónia privada que teve lugar no passado sábado. No ano passado haviam sido galardoados a actriz Maureen O'Hara (recém-falecida), o realizador Hayao Miyazaki e o argumentista Jean-Claude Carrière. Entre os homenageados anteriores contam-se os actores Angela Lansbury e Steve Martin, os realizadores Andrzej Wajda e Elia Kazan, o coreógrafo Michael Kidd ou os animadores Chuck Jones e Walt Disney.

Não é surpreendente que tenha sido necessário um prémio honorário para recompensar a actriz, por duas vezes nomeada para o Óscar de melhor actriz em filmes onde foi dirigida pelo marido, John Cassavetes (1929-1989) – em 1975 por Uma Mulher sob Influência (perdeu para Ellen Burstyn em Alice Já Não Mora Aqui de Martin Scorsese), e em 1981 por Gloria (perdeu para Sissy Spacek em A Filha do Mineiro de Michael Apted).

Cassavetes, reconhecido como um dos maiores e mais injustamente esquecidos cineastas americanos do século XX, nunca venceu um Óscar, nem mesmo honorário. O seu cinema brutalmente honesto e directo era financiado pelos proveitos obtidos pelos papéis que ia aceitando em produções de estúdio como Doze Indomáveis Patifes de Robert Aldrich ou A Semente do Diabo de Roman Polanski. E é ainda hoje reconhecido como o “pai” do cinema independente americano, o homem que primeiro mostrou ser possível filmar regularmente e mostrar regularmente ficções que escapavam ao caderno de encargos dos grandes estúdios.

Muito embora tenha tido uma carreira bastante regular – nos palcos da Broadway e sobretudo na televisão, onde chegou a ganhar três Emmys - Gena Rowlands está indelevelmente ligada ao cinema de Cassavetes, embora nunca tivesse verdadeiramente tido a ambição de ser actriz de cinema. Da sua colaboração saíram os três retratos de mulher que ainda hoje são considerados das maiores interpretações femininas do cinema americano: Uma Mulher sob Influência (1974), Noite de Estreia (1977) e Gloria (1980).

Embora a actriz tenha ao todo participado em dez filmes do marido – entre os quais Rostos (1968), Tempo de Amar (1971) e a última realização, Amantes (1984) – é desses três filmes que nos lembramos quando falamos de Gena Rowlands, mesmo que o seu percurso inclua também obras de Woody Allen (Uma Outra Mulher), Jim Jarmusch (Noite na Terra) ou Terence Davies (A Bíblia de Neon). Aos 85 anos de idade, Rowlands considerar-se reformada – muito embora não ponha de parte a possibilidade de aceitar um filme que a desafie, como aconteceu em 2014 com a comédia independente de Arthur Allan Seidelman Six Dance Lessons in Six Weeks.

Uma Mulher sob Influência (1974)

Primeira das duas nomeações de Gena Rowlands para o Óscar, no papel de uma dona de casa com problemas psicológicos, contracenando com Peter Falk como o marido que não sabe o que há-de fazer. É considerado ainda hoje um dos grandes clássicos americanos dos anos 1970, e foi um dos poucos filmes de Cassavetes a ter uma carreira consequente nas salas.

Noite de Estreia (1977)

No papel de uma actriz alcoólica pelo meio do caos de uma temporada de ensaios em direcção à estreia nova-iorquina, de novo sob a direcção de John Cassavetes, Gena Rowlands venceu o prémio de melhor actriz no Festival de Berlim. Mas o filme foi completamente ignorado nos EUA à altura da estreia, para apenas ser redescoberto após a morte de Cassavetes.

Gloria (1980)

Gloria é provavelmente a mais acessível das colaborações do casal Rowlands/Cassavetes, e aquela que mais ressoou com o grande público. A história de uma “mulher de gangster” que decide proteger um miúdo procurado pelo gangue como uma potencial testemunha comprometedora venceu o Leão de Ouro em Veneza e valeu à actriz a sua segunda nomeação para o Óscar. Inicialmente, Cassavetes, que escrevera o argumento, não deveria realizar o filme; foi a mulher que, depois de ser contratada, o sugeriu à produção.

Uma Outra Mulher (1988)

Num dos melhores e menos recordados filmes de Woody Allen na década de 1980, Gena Rowlands interpreta uma professora de filosofia que aluga um apartamento para trabalhar num novo livro. Mas as paredes não são insonorizadas e pode ouvir as consultas da psiquiatra vizinha, deixando-se afectar pelas experiências dos clientes. Num elenco de absoluto luxo, Rowlands contracenava com Mia Farrow, Blythe Danner, Gene Hackman ou Ian Holm.

O Diário da Nossa Paixão (2004)

Por incrível que possa parecer ver Gena Rowlands numa adaptação de um best-seller do escritor Nicholas Sparks, a verdade é que o seu papel secundário neste grande sucesso comercial interpretado por Rachel McAdams e Ryan Gosling revelou a actriz a toda uma geração de espectadores que não a conhecia. Em parte, o papel explica-se pela presença atrás da câmara do filho, Nick Cassavetes, que já a dirigira anteriormente em Soltem as Estrelas e A Mulher das Nossas Vidas.

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