Se os chineses estão em todo o lado, os alunos querem falar a língua deles

Projecto-piloto para ensinar mandarim no secundário arrancou neste ano lectivo e envolve 274 estudantes de 12 escolas. Eles andam curiosos com a língua. Será que o chinês pode passar a perna ao inglês?

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Marco Duarte
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No 9.º ano, Beatriz Melo ia a pé para a escola. Demorava dois minutos de casa à secundária de Albergaria-a-Velha. Agora, no 10.º ano, demora mais tempo. “Moro em Albergaria, mas vim para esta escola por causa do mandarim”, revela no final da aula. Beatriz, de 16 anos, avisou que tinha uma história para contar. Para aprender mandarim, inscreveu-se na secundária Soares de Basto, em Oliveira de Azeméis, e as viagens entre casa e escola são feitas de autocarro e duram 40 minutos. Está no 10.º ano de Ciências, ainda não sabe se quer ser engenheira ou arquitecta e não se arrepende da opção que tomou com a aprovação dos pais preocupados com um futuro não muito distante.

Beatriz está na primeira fila da aula de mandarim das 15h de quinta-feira. A professora chinesa Mo Guo tem tudo preparado. Vai ensinar frases importantes para quem fizer compras nas lojas chinesas e falar da unidade monetária da China. “Pensei que ia ser mais difícil, mas não é assim tão complicado. É mais a pronúncia, os dês e os tês, os pês e os bês”, refere Beatriz. Nada que não ultrapasse com estudo. “Ouvi muitos comentários do género 'será que vais conseguir?', 'não vais ficar farta daquilo?'”. Beatriz foca-se no que quer e vai em frente. “Nunca fui boa aluna a inglês e o mandarim vai subir a minha média”.

O ensino do mandarim no primeiro ano do secundário, como disciplina opcional, é uma novidade na secundária Oliveira de Basto, em Oliveira de Azeméis, e em mais 11 escolas do país – há iniciativas semelhantes no ensino privado. Este projecto-piloto arrancou no início do ano lectivo. São João da Madeira, concelho vizinho de Oliveira de Azeméis, foi pioneiro há alguns anos, começando no 1.º ciclo, estendendo ao 2.º e abrangendo agora o secundário. O Ministério da Educação quer avaliar este projecto, planeado pelo anterior ministro Nuno Crato, até ao final do primeiro trimestre deste ano. E não é apenas em Portugal que o mandarim entra nos horários dos alunos. Rússia, África do Sul e Arménia são alguns dos países que têm programas de língua chinesa nos sistemas educativos.

Mo Guo sabe como prender a atenção da turma de 19 alunos de várias turmas do 10.º ano. Trouxe uma série de manga que via quando era mais pequena para mostrar o que dizer quando se vai às compras. Mo Guo explica a história em português, durante a exibição do filme no quadro. O pai convida um amigo para jantar, a mãe começa a cozinhar e vê que não tem vegetais, nem carne de porco, nem óleo de soja, e o filho vai pela primeira vez às compras. A história é engraçada: a mãe faz a lista porque os “caracteres do filho parecem bichos”, o filho vai a uma peixaria e não encontra o que procura e volta para casa sem nada.

Tudo isto para a pergunta que se segue. “Quando fazemos compras, quais as frases que temos de saber?”. Os alunos apresentam várias sugestões. Mo Go vai ensinar duas. "Vocês têm? Quanto custa?" Pronuncia, os alunos repetem, mostra como se escreve, os alunos escrevem no caderno. Verifica e relembra algumas regras para o jogo que fará na aula, depois de rever como se diz e escreve "mochila", "porta-lápis" e "lápis". “Os chineses não conjugam os verbos. Há diferenças entre ter e ser quando se faz negação”. Com um aluno no quadro, Mo Guo diz uma frase em chinês que é preciso construir com os caracteres e as imagens que mudam de sítio. O jogo entusiasma a turma que tem oportunidade de traduzir frases.

Alexandre Tábuas coloca frequentemente o dedo no ar para responder a perguntas ou traduzir. É difícil falar chinês? Alexandre corrige. “Não é chinês, é mandarim”, responde-nos. Qual a diferença? “Chinês é uma pessoa que vive na China, mandarim é a língua”. Foi a professora que disse? “Li num livro e é o que é”. OK. Alexandre tem 16 anos, anda no 10.º ano de Ciências e Tecnologias. Quer ser engenheiro, mas ainda não decidiu de que área. Acredita que saber mandarim é um grande trunfo. “É importante é, cada vez mais, umas das línguas mais faladas do mundo”. Há outra razão para estar na aula. “Sou péssimo a inglês e achei curiosidade ao mandarim”, confessa.  

Clube para chegar a mais alunos
Mo Guo vai ensinar como se diz e escreve dinheiro. Os caracteres escrevem-se de cima para baixo e da esquerda para a direita, convém não esquecer. Yuan é a unidade monetária da China e a professora trouxe notas verdadeiras para mostrar aos alunos. Passam de mão em mão e segue-se mais um jogo. Mo Guo trouxe réplicas das notas chinesas que distribui por vários grupos. Diz um montante em chinês e os alunos têm de juntar as notas que perfaçam esse valor. Há perguntas. "Como se diz euro?" "Como se faz o câmbio?" Essa matéria ficará para próximas aulas.

Dinheiro é tema que interessa a Beatriz Vilhena. Tem 15 anos, está no 10.º ano e quer ser economista. “No ramo da economia é muito importante saber mandarim porque os chineses estão em todo o lado e os negócios da China estão sempre a crescer”, diz, muito decidida. No primeiro teste tirou 19, no segundo 19,1, e gostava que o mandarim fosse ensinado até ao 12.º ano. “É fácil escrever os caracteres, é juntar os traços e já está”.

A aula termina com uma canção chinesa que fala numa triste despedida. Afinam-se as vozes, pede-se à professora para colocar a letra no quadro e segue-se a cantoria. Repetem-se as partes mais complicadas com e sem música. André Almeida tem curiosidade na língua e, por isso, fez um curso de Verão. “Adorei, é muito rápido aprender. O mais fácil é a pronúncia, a escrita é mais ‘complicadito’”, comenta. André tem 15 anos, está no 10.º ano de Ciências e anda a pensar seguir medicina.

Mo Guo tem estratégias para mostrar aos alunos de 15 e 16 anos que aprender mandarim não é complicado. “Não é como dizem aqui, quando não percebem dizem ‘ah, isso é chinês’”, ri-se. Faz jogos, usa músicas, escolheu uma canção para as meninas da turma da aula das 16h35 de quinta-feira, mostra filmes, para que o interesse se mantenha num nível elevado. “É muito importante manter a curiosidade de aprender, o chinês não é nada difícil”, garante. No início do ano lectivo, contextualizou a China e a cultura do país antes de passar à matéria propriamente dita. Com 200 caracteres domina-se razoavelmente a língua e os alunos desta turma já sabem 20 e até ao fim do ano aprenderão mais 30.

A direcção da decundária Soares de Basto já se habituou aos pedidos de alunos do 11.º e 12.º anos que querem assistir às aulas da professora Mo Guo. Nem sempre é possível, mas quando é abre-se a porta. A procura não passa despercebida e a possibilidade de abrir um clube de mandarim, para os alunos que não estão inscritos nas aulas e têm interesse em aprender chinês, é uma hipótese em análise. “Oliveira de Azeméis é um concelho bastante industrializado, há muitas empresas que trabalham com a China e seria uma mais-valia termos o ensino de mandarim”, refere Maria José Cálix, directora da Soares de Basto.

A escola aderiu ao projecto-piloto do ensino de mandarim como língua estrangeira na primeira fase. Antes do envio da papelada, foi feita uma reunião com os alunos que manifestaram interesse, pais e encarregados de educação. Os papéis seguiram para o ministério com 20 alunos e o projecto arrancaria na secundária oliveirense com 30 de todas as turmas do 10.º ano que, desta forma, têm mais quatro horas semanais no horário – e que podem escolher se querem ou não que essa disciplina tenha peso na média.

Cecília Oliveira, adjunta da directora, considera que foi boa ideia incluir o mandarim numa escola que se orgulha de apostar em vários projectos. “Foi uma boa aposta pelos resultados, pela motivação. São alunos que estão ali porque gostam de aprender o mandarim”. A média de 18 valores no primeiro período também enche o peito da direcção da escola.  

274 alunos, 12 escolas, 11 professores
O projecto-piloto do ensino de mandarim como língua estrangeira no 10.º ano foi desenhado pela anterior equipa de Nuno Crato. No início deste ano lectivo, a ideia arrancou em 12 escolas do país e, neste momento, 274 alunos aprendem esta língua no primeiro ano do secundário.

O material é gratuito: o manual, o caderno de actividades, o dicionário de chinês. O Ministério da Educação (ME), agora liderado por Tiago Brandão Rodrigues, manterá o que estava planeado, ou seja, o ensino de mandarim continuará no 11.º ano no próximo ano lectivo. Poderá, no entanto, haver reajustes. “Eventuais ampliações, adaptações e melhorias deste projecto, tendo em conta a sua inserção numa estratégia de formação dos alunos em línguas estrangeiras e da sua execução corrente e futura, serão avaliadas dentro dos prazos previstos”, adianta o ME. No prazo previsto, leia-se até ao fim do primeiro trimestre deste ano.

Neste momento, o ensino de mandarim envolve 11 professores. A formação dos docentes chineses na área das ciências da educação em instituições de ensino superior nacionais está, aliás, contemplada no projecto. Além da Escola Secundária Soares de Basto, mais 11 escolas estão envolvidas nesta iniciativa. São elas, as secundárias: Oliveira Júnior em São João da Madeira; D. Duarte em Coimbra; José Estêvão em Aveiro; Dra. Laura Ayres em Loulé; Eng. Acácio Calazans Duarte na Marinha Grande; D. Sancho II em Elvas; Augusto Gomes em Matosinhos; secundária Carlos Amarante em Braga; secundária D. Pedro V em Lisboa; Escola Básica e Secundária Reynaldo dos Santos em Vila Franca de Xira e Escola Básica e Secundária Anselmo de Andrade em Almada.

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