O "frentismo de extrema-esquerda" e as "hesitações" face ao "novo tempo"

O debate entre Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém revelou as duas faces da moeda socialista. O ex-reitor lembrou que a antiga presidente do PS não subscreveu o pedido de fiscalização da constitucionalidade do primeiro Orçamento de Passos Coelho. E esta tentou colar o adversário à extrema-esquerda.

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Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa: um debate que divide o PS Daniel Rocha

Se a primeira volta das presidenciais são as "primárias da esquerda", como disse António Costa, o debate deste sábado na TVI entre os dois principais candidatos da área do PS fez lembrar a disputa entre António José Seguro e o actual líder do PS: um mais ao centro, outro mais à esquerda. Com um flashback a 2012, quando a liderança de Seguro se pôs à margem do pedido de fiscalização da constitucionalidade do primeiro orçamento de Passos Coelho em tempos da troika, que foi subscrito por apoiantes de Costa e deputados do BE.

Maria de Belém abriu o debate ao ataque. “Avancei porque muitos socialistas achavam que Sampaio da Nóvoa não cobria o centro esquerda que luta pelas liberdades e pelo Estado social. Sampaio da Nóvoa representa um frentismo de esquerda mas que acabou diminuído porque há outras candidaturas dessa área”, disse, referindo-se a Marisa Matias (BE) e Edgar Silva (PCP).

O ex-reitor da Universidade de Lisboa rebateu entre sorrisos: “Curiosa caracterização. A minha candidatura causa um certo incómodo porque vem da área da cidadania e tem uma marca muito forte”, disse, sublinhando a sua importância da independência porque “a política precisa de renovação”. E referindo-se a um dos seus principais apoiantes, afirmou: “Calcula-se o extremismo de Ramalho Eanes”.

Estavam traçados os três tópicos do debate: a militância versus independência, os apoiantes de um lado e outro e o posicionamento ideológico. Maria de Belém ironizou com a evocação: “Apesar de falar de renovação, está sempre a referir-se aos três ex-Presidentes da República [Eanes, Sampaio e Soares], dois dos quais do militantes do meu partido”. Assumindo “com orgulho” ser militante, tentou virar esse facto a seu favor, alegando que por ser de um partido desempenhou cargos que lhe deram “a experiência, maturidade e conhecimento das instituições que são precisas a um Presidente neste tempo”.

Era a deixa para Sampaio da Nóvoa repetir um dos seus slogans: “Esta é uma candidatura que previu este tempo novo, que falou da necessidade de novas políticas de alianças há oito meses, que explicou que era preciso abrir a democracia”. E passou ao contra-ataque ao dizer que a candidatura da adversária “surge das divisões internas no PS e que manifestou sempre um grande incómodo com este tempo novo”, classificando-a de “hesitante”.

Belém indignou-se: “É interessante que fale de incómodo com o actual Governo quando Almeida Santos, Manuel Alegre e Vera Jardim, que são meus apoiantes da 1ª hora, apoiaram António Costa” nas primárias do PS. E devolveu a bola questionando que tempo novo é esse a que se referia o adversário, alegando: “O futuro é que nos diz se o tempo era novo ou não”.

Antes de responder falando da “cultura de diálogo com todos”, Sampaio da Nóvoa recuou a 2012 para lembrar que Maria de Belém podia ter pedido a fiscalização da constitucionalidade do primeiro orçamento da era da troika – que veio a ser aceite em parte pelo Tribunal Constitucional -  e não o fez.

“A Constituição é a causa central que tem de ser defendida em todas as circunstâncias”, frisou o ex-reitor. Maria de Belém alegou que o pedido foi entregue, mas não conseguiu justificar por que não o subscreveu. Nóvoa feriu mais fundo: “Deixou a responsabilidade para outros, não é isso que se espera de um Presidente da República”.

Sem resposta clara de ambos ficou a pergunta de Judite de Sousa sobre as circunstâncias em que os candidatos admitiam intervir para evitar uma crise política. Mas foi na resposta que Nóvoa defendeu que “um Presidente da República tem de estar comprometido com um governo de maioria parlamentar, seja ela qual for”. E Maria de Belém se assumiu como defensora da estabilidade e da não-interferência.

Foi o tempo das convergências, das causas comuns a ambos: a pobreza infantil, a economia social, a diplomacia científica elencadas por Belém, a que Nóvoa acrescentou a qualificação e as liberdades. E ambos reconheceram ser mais o que os une do que aquilo que os separa. Pelo menos nas palavras.

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