Universidades do Sul formam consórcio para promover os povos do Mediterrâneo

O património, água e energia formam a base da criação de uma plataforma de estudos, que junta três universidades do sul - Faro, Évora e Nova, de Lisboa. Ao consórcio juntaram-se mais oito instituições universitárias de Marrocos e Tunísia.

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António Branco, da Ualg, lembrou que às “universidades compete ter uma visão diferenciada do poder político e dar, também, uma resposta diferenciada” ao conjunto de questões e desafios que se colocam à sociedade Joana Bourgard

Com sede no campo arqueológico de Mértola, foi criada, por três universidades do Sul, a plataforma Estudos Mediterrânicos, com três áreas de trabalho: património, recursos hídricos e energia. O objectivo do consórcio universitário é lançar, pela via do conhecimento, pontes de aproximação às comunidades de ambas as margens do Mediterrâneo. “Somos todos os mesmos”, recordou, a este propósito, a reitora da Universidade de Évora, Ana Costa Freitas, ao lado dos colegas António Rendas, da Universidade Nova de Lisboa, e António Branco, da Universidade do Algarve, Ualg.

O director do Campo Arqueológico de Mértola, Cláudio Torres, por seu lado, destacou o número crescente de jovens que se dirigem à vila alentejana para estudar o islão. “Não há no Norte de África um único museu de arte islâmica”, justificou. O que havia na Líbia, em Trípoli, recordou, era um grande edifício constituído essencialmente por peças de arte romana. No espaço dedicado à arte islâmica, limita-se a mostrar o “VW verde do Khadafi”, ironizou. Assim, a investigação levada a cabo no Sul da Península Ibérica, ao longo de 30 anos, desperta a “natural curiosidade de quem se interessa pelo mundo do islão”. Os últimos atentados e mortes em Paris obrigaram a repensar todo o contexto cultural.

António Rendas destacou o empenho das três universidades do Sul em promover uma nova forma de olhar a investigação. “No fundo, queremos fazer melhor em conjunto do que fazemos individualmente. “Eu sei que, em Portugal, se diz muito isto, mas nós queremos mesmo fazê-lo”, sublinhou. A plataforma Estudos Mediterrânicos conta já com a colaboração de cinco universidades marroquinas e três da Tunísia. O antigo reitor da Universidade do Algarve João Guerreiro — um dos académicos do grupo de trabalho — destacou que o “elo mais fraco é a Argélia, com o qual prosseguem conversações, mas ainda não está definido qual o parceiro”.

No papel da intervenção pública que caberá ao consórcio, António Branco lembrou que às “universidades compete ter uma visão diferenciada do poder político e dar também uma resposta diferenciada” ao conjunto de questões e desafios que se colocam à sociedade. Por seu lado, António Rendas acrescentou a importância do conhecimento na promoção da paz. “Pessoas mais cultas, com mais conhecimento, são pessoas que seguramente vão ter caminhos de conciliação e de entendimento que não têm na situação actual da Europa.”

A mobilidade de estudantes, professores e técnicos é uma das propostas desta plataforma, que pretende funcionar como uma jangada a ligar povos e culturas. “Temos muito mais coisas a unir-nos do que a separar-nos”, salientou a reitora da Universidade de Évora, destacando a importância e necessidade de aprofundar o processo de paz. Cláudio Torres vai mais longe: “Hoje há condições excepcionais para abrir uma investigação e colaboração interessante com o Norte de África. Talvez possa ser esse o nosso [do campo arqueológico de Mértola] contributo para a plataforma”, enfatizou.

O olhar fora de Lisboa
Em relação às expectativas sobre o novo ministério para a Ciência e Ensino Superior, liderado por Manuel Heitor, António Branco criticou o facto de o país ser “muitas das vezes visto, pensado e planificado a partir da capital e, como é natural, o ponto de vista de onde se olha, determina aquilo que se vê”. Uma situação que cria dificuldades acrescidas à Ualg, por ser aquela que se encontra mais a sul. “Espero que um governante tenha a capacidade para olhar para o país a partir de outros pontos de vista, e, se olhar a partir de outro ponto de vista, é capaz de ver uma realidade diferente [na rede de ensino superior]”, disse.

O reitor da Universidade de Évora subscreveu: “Esta é a questão que mais me preocupa, porque isto é o que não houve no Governo anterior, nem sequer durante o tempo do professor Mariano Gago [ministro da Ciência e Ensino Superior, no Governo de António Guterres].”

Ainda sobre o ministro recém-empossado António Rendas manifestou uma atitude de reserva: “Nunca dou cheques em branco.” No entanto, acrescentou que tem “grandes expectativas” em relação à maneira como o ensino superior e a ciência vão avançar, porque o novo governante reúne três qualidades que considera essenciais: “Pessoa séria, sabe ouvir e sabe decidir.”

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