"A minha geração sentia que um projecto de esquerda está condenado à partida a falhar"

DocLisboa apresenta os filmes do projecto The Young Man Was, onde Naeem Mohaiemen explora a dimensão humana das utopias revolucionárias radicais.

Foto
Naeem Mohaiemen começou há dez anos o projecto The Young Man Was Guilherme Marques

“Onde é que uma pessoa vai buscar motivação para se juntar a um movimento? Onde é que se encontra essa motivação quando a possibilidade de êxito é muito fraca? O que é que motivava as pessoas a juntarem-se a estes movimentos nos anos 1970?”

Foi a estas perguntas, entre outras, que Naeem Mohaiemen quis responder quando, faz agora dez anos, encetou o projecto a que chamou The Young Man Was. Artista multi-disciplinar natural do Bangladesh mas trabalhando a partir de Nova Iorque, vencedor de uma bolsa Guggenheim em 2014, Mohaiemen tem explorado a dimensão humana, pessoal, das utopias revolucionárias radicais da década de 1970; o projecto tem vindo a ganhar forma ao longo de uma série de instalações, exposições, textos e filmes mostrados um pouco por todo o mundo, incluindo passagens pelo Kunsthalle de Basileia ou pela Bienal de Veneza. “O meu trabalho é mais reconhecido no contexto das galerias,” explica Mohaiemen ao PÚBLICO, ainda sob os efeitos do jet-lag, num dos foyers da Culturgest. “E a minha presença nos festivais de cinema acontece porque eu vou atrás deles, mas é outro mundo com mecanismos próprios...”

É no âmbito desse “outro” mundo que o artista está entre nós. Os três filmes já realizados no âmbito de The Young Man Was fazem parte da selecção do DocLisboa – os dois primeiros, United Red Army (2012) e Afsan's Long Day (2014) na retrospectiva Terrorismo, Representação; o terceiro, Last Man in Dhaka Central, em estreia mundial a concurso na selecção oficial. Trata-se, para Mohaiemen, de explorar “os erros e as esperanças utópicas que levavam as pessoas a juntar-se a estes movimentos”, criar paralelos entre as próprias convulsões da história do Bangladesh na década de 1970 e os radicalismos violentos que levaram à criação do Exército Vermelho Unido japonês, das Brigadas Vermelhas italianas ou do grupo Baader-Meinhof na Alemanha.

“Sinto que a minha geração cresceu num momento em que as possibilidades do activismo se iam progressivamente reduzindo,” explica o realizador. “Ainda nos investimos em algumas acções, como os protestos contra as duas guerras do Golfo, a Primavera Árabe, ou o movimento Occupy Wall Street. Mas sentia já então que a minha geração habitava um tempo onde um projecto de esquerda, ou mesmo um projecto utópico, está condenado à partida a falhar. E os anos 1970 foram um dos últimos períodos em que os jovens ainda acreditavam num certo tipo de causas.”

The Young Man Was desenvolve-se como um percurso por momentos-chave da década; cada filme é independente dos restantes, mas ganha em ser visto conjuntamente. United Red Army acompanha o sequestro de um avião de passageiros japonês pelo Exército Vermelho Unido em 1977, e a sua escala no Bangladesh para negociar com as autoridades as exigências dos sequestradores, recorrendo às gravações audio das conversas entre o avião e o negociador militar bangladeshi. Afsan's Long Day utiliza o diário do jornalista e historiador bangladeshi Afsan Chowdhury e a sua prisão em 1971 para meditar sobre o modo como muitos dos intervenientes nestes movimentos, de ambos os lados, foram reduzidos a caricaturas e arquétipos. Finalmente, Last Man in Dhaka Central relata a prisão e tortura em 1975 do jornalista e activista holandês Peter Custers, acusado de conspirar para derrubar o regime bangladeshi; é também o único dos filmes onde há uma entrevista filmada de raiz com o sujeito (rodada ainda antes da morte de Custers, em Setembro último, aos 66 anos de idade).

Os três filmes são claramente obra do mesmo autor, embora sejam formalmente diferentes entre si. “Estou muito investido em contar as histórias de maneiras diferentes,” explica Mohaiemen. “Em United Red Army tirei a imagem e usei apenas a pista sonora, para deixar os espectadores às escuras e ir construindo a história aos poucos. Gosto disso, porque quando as pessoas se sentem um pouco perdidas isso abre novas possibilidades de leitura do filme. Mas uma vez isso feito, não quis repetir o dispositivo. Em Afsan's Long Day uso uma narração em capítulos que funciona em circuito fechado. E em Last Man in Dhaka Central há duas narrativas em direcções diferentes – as imagens de arquivo de época e a entrevista que fiz com o Peter, montada de modo a que o final esteja no princípio do filme e vá andando para trás até terminar no início da conversa.”

Há, segundo o artista, uma razão especial para estes formatos diferentes. “A estrutura formal torna-se um modo de assinalar o modo como olhamos hoje para este período,” afirma Mohaiemen. “Vivemos num tempo em que existe uma diminuição das possibilidades revolucionárias, utópicas, transformativas, e estamos a olhar para uma altura em que essas possibilidades ainda existiam. Mas já não temos a possibilidade de habitar hoje esse momento. Estamos sempre a olhar para este período a partir de um tempo mais cínico e com o conhecimento do modo como a história se desenrolou. Mas, em 1973, as coisas podiam ter acontecido de outra maneira, e não me parece correcto julgar estas pessoas por não saberem o que o futuro lhes ia trazer.”

Daí que Mohaiemen crie uma história dos “vencidos” da história ou, nas suas palavras, uma “história de perda”: “Há uma sensação de perda que atravessa toda a história da esquerda global. Aqueles que morreram jovens nesses tempos terríveis ficaram parados no tempo, enquanto alguém como o Joschka Fischer [veterano político alemão do partido Os Verdes] se torna no exemplo do que acontece quando um radical vive o tempo suficiente para ter de entrar na política e assumir a necessidade do compromisso.”

Certo é que Naeem Mohaiemen ainda não “fechou” The Young Man Was, que já foi mais longe do que originalmente pensara. “No início achei que só iria fazer dois filmes mas já estou a pesquisar a parte 4, há mais possíveis instalações e pelo menos mais três histórias que quero contar. Mas até posso acabar antes de chegar lá, se chegar a um ponto em que sinta que o caminho já foi suficientemente aberto para outros poderem pegar no testemunho.”

As partes 1 e 2 de The Young Man Was, United Red Army e Afsan's Long Day, são exibidas conjuntamente, hoje às 22h15 no cinema Ideal e quinta 29 às 19h30 na Culturgest. A parte 3, Last Man in Dhaka Central, é exibida em estreia mundial amanhã às 21h45 na Culturgest e sexta 30 às 22h15 no Ideal

 

 

 

Sugerir correcção
Comentar