A Uber e os táxis

É sempre possível arranjar exemplos particulares onde a diferença de preço pode ser significativa a favor de um carro Uber X, mas no cômputo geral desengane-se quem advoga que a tarifa Uber X é mais barata que a tarifa dos táxis.

No dia 8 de Setembro assistimos a uma enorme manifestação de taxistas numa contestação à operação da Uber em Portugal. Já ouvimos várias vezes a Uber dizer que é apenas uma plataforma electrónica que liga passageiros a motoristas e é relevante tentarmos perceber o porquê desta empresa não usar táxis devidamente licenciados, nomeadamente no seu serviço Uber X, para entregar o serviço que angaria.

Ninguém tem dúvidas de que a actividade da Uber seria absolutamente legal nessa situação, competindo com outras apps que funcionam de forma idêntica, como o MEO Táxi ou a 99 Táxis, mas que entregam o serviço a táxis devidamente licenciados pelos municípios. Repare-se que a requisição e adjudicação em tempo-real de um transporte em carro é exactamente o que caracteriza a actividade dos táxis, requerendo uma infra-estrutura que facilite tal actividade, nomeadamente com um conjunto de praças de táxi distribuídas pelas cidades de forma a poderem satisfazer tais pedidos eficientemente. No Porto, onde vivo, e como os carros Uber X não têm tais praças, vejo-os muitas vezes parados em segunda fila enquanto esperam pelo próximo serviço, numa ilegalidade óbvia e inevitável numa operação de transporte de passageiros que não se articulou previamente com as entidades que regulam e organizam a rede rodoviária urbana. 

É relevante tentarmos perceber o porquê de a Uber não usar táxis devidamente licenciados pelos municípios, nomeadamente no seu serviço Uber X. Repare-se que não é pela questão da qualidade dos carros, pois entre os mais de 12.000 táxis existentes em Portugal existem inúmeros carros que circulam rigorosamente impecáveis diariamente. Também não é pela educação dos motoristas, pois existem igualmente inúmeros motoristas de táxi que são cordiais com os seus clientes, falam várias línguas e executam o seu trabalho com profissionalismo e eficiência. O argumento da Uber de que traz alternativas para o transporte urbano em Portugal é particularmente estranho num contexto em que há 10.000 empresas diferentes a prestar tal serviço, muitas delas com carteiras de clientes fiéis, que preferem chamar um táxi específico ao invés de pedir um táxi para uma central de táxis. 

Na minha opinião, existem duas razões principais para o facto de a Uber não usar táxis para executar o serviço que angaria com a sua app: uma técnica e uma comercial. A razão técnica prende-se com o facto de ter que cobrar o valor indicado no taxímetro se operar com táxis. Fazer o seu próprio taxímetro na app, com base no relógio e GPS dos smartphones, é tecnicamente muito mais simples do que ler o valor do taxímetro. Torna a experiência do passageiro mais confortável e o fim da viagem bem mais expedito, comparativamente com as outras apps que operam com táxis e que esperam pela introdução pelo motorista do valor do taxímetro. Com o seu próprio taxímetro feito na app, a Uber pode flexibilizar as tarifas como bem entende, variando os valores em função da oferta e da procura. É uma vantagem importante comparativamente com as apps que operam com táxis, mas que torna incompatível a utilização de táxis sujeitos à tarifação de um taxímetro por parte da Uber. Sobre os valores cobrados pela Uber, e que se baseiam nos mesmos princípios dos taxímetros dos táxis, com uma componente de distância e uma componente temporal, temos ouvido diversas vezes que o valor de um carro Uber X será alegadamente inferior ao cobrado por um táxi. O valor da tarifa inicial, do quilómetro e do minuto são totalmente diferentes num Uber X e num táxi, tornando difícil uma comparação objectiva, que só é possível usando viagens concretas, com trajectos e durações concretas. Sendo eu co-fundador da empresa Geolink, que faz a expedição electrónica de algumas das maiores centrais de táxi em Portugal, foi-me relativamente fácil pedir uma análise objectiva que permitisse uma comparação clara de ambas as tarifas. Para isso a Geolink utilizou um ano inteiro dos trajectos dos 442 táxis da Raditáxis do Porto, a central mais antiga do país, que totalizaram mais de um milhão de serviços. Estes trajectos têm informação temporal e espacial, permitindo ainda determinar a tarifa usada na viagem, nomeadamente na parte urbana e suburbana de tal viagem. O resultado para um ano inteiro de serviços deu uma diferença de apenas 5% menos na tarifa aplicada pela Uber, usando sempre o seu valor base mais barato e que pode variar em função da oferta e da procura. Mais relevante nesta comparação é ainda o facto de usarmos a mobilidade dos táxis nos trajectos analisados e que será necessariamente diferente da mobilidade dos carros Uber X, uma vez que estes não podem circular nas faixas BUS. Esta diferença de mobilidade, para além de tornar menos eficiente o transporte num Uber X comparativamente com um táxi, também teria implicações na componente temporal da tarifa aplicada pela Uber (0,10 EUR por minuto), que provavelmente anulariam a diferença positiva para os carros Uber X no total de viagens executadas pelos táxis da Raditáxis do Porto. É claro que é sempre possível arranjar exemplos particulares onde a diferença de preço pode ser significativa a favor de um carro Uber X, mas no cômputo geral desengane-se quem advoga que a tarifa Uber X é mais barata que a tarifa dos táxis.

A razão comercial para o facto de a Uber não usar táxis para executar o serviço que a sua app angaria prende-se, na minha opinião, com o facto ser muito difícil convencer os taxistas a aceitarem pagar a comissão de 20% que é cobrada em cada serviço. As apps que angariam serviço e o despacham através de táxis, como o MEO Táxi ou a 99 Táxis, cobram menos de metade da comissão da Uber. Ao recorrer a carros que não teriam acesso a fazer serviço de táxi de outra forma, é natural que seja mais fácil tornar aceitável uma comissão de 20%. E ao ser a única empresa a aventurar-se na ilegalidade de atribuir serviço de táxi a carros que não estão licenciados para o serviço de táxi, a Uber consegue uma visibilidade extraordinária gerada pela contestação e polémica sobre a sua operação. 

Note-se que o transporte rodoviário acontece numa infra-estrutura pública de estradas, pagas com os impostos de todos nós. Se a Uber construísse a sua própria rede de estradas, seguramente que ninguém poria em causa a sua operação. A liberalização das farmácias, que ocupam espaços privados, não é comparável à liberalização do transporte rodoviário que a Uber quer impor. Muitos de nós regressam agora de férias nas inúmeras praias de Portugal, onde fomos provavelmente clientes de um bar de praia concessionado. Agora imagine-se que ao lado desse bar de praia alguém construía um outro bar de praia, sem se preocupar em obter qualquer autorização, argumentando apenas que aquela praia precisava de alternativas de restauração, que os empregados do bar concessionado eram mal-educados e pouco apresentáveis, queixando-se sempre que alguém pedia apenas um café. Seguramente que se nada fosse feito surgiriam outros bares idênticos na mesma praia, ocupando o areal até ao limite da rentabilidade gerada pelo espaço deixado para os veraneantes estenderem as suas toalhas. Não sei se é isto que queremos para as nossas praias, mas seguramente que não é isto que queremos para as nossas estradas. 

O espaço público da estrada é muito mais sério do que o espaço público das praias. Os acidentes rodoviários são a oitava causa de morte a nível mundial, e a mortalidade que daí resulta é profundamente amplificada quando é medida em anos de vida perdidos. Não passa pela cabeça de ninguém ter uma desregulação total da rede rodoviária e do transporte rodoviário. Porque também será mais eficiente para uma empresa que opere no transporte rodoviário e que não obedeça às regras vigentes deixar de cumprir limites de velocidade ou regras de prioridade em cruzamentos. 

Professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

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