Governo de Salvação Nacional

Não se precisa de mudanças de regime, nem de um presidencialismo semi-autoritário, como alguns proclamam.

A maior parte das sondagens sobre as legislativas de 4 de Outubro, (escrevo antes do debate entre Passos Coelho e António Costa), não dão mais de 35% dos votos à coligação que está no poder há mais de quatro anos. Resultando que, se não houver erro significativo nesta avaliação, os outros 65% de portugueses irão votar em partidos que se têm oposto ao governo ainda em funções, ou em alguns entretanto criados.

Haverá portanto espaço para ser implementado, com os partidos de oposição de votação mais representativa, um governo de salvação nacional com um programa de recuperação do país dos malefícios produzidos por este governo com o apoio do actual Presidente da República. Com efeito, tivemos que esperar mais de 3 anos para que seja o povo português a provocar, com a sua participação nas urnas em Outubro próximo, aquilo a que Cavaco Silva estava obrigado quando jurou cumprir a Constituição: a demissão do governo. Em dois momentos, aquando da demissão do ministro das Finanças e de Paulo Portas e há um ano nos bloqueamentos dos tribunais, da abertura do ano escolar e do serviço de urgências dos hospitais, quase em simultâneo, estava o Presidente da República obrigado a demitir o governo e convocar novas eleições devido ao não funcionamento regular das instituições. Isto o que aconteceria se Portugal fosse uma democracia em pleno funcionamento e não um país onde uma camarilha actualmente no poder, protagonizada por alguns elementos do PSD e do CDS, é protegida de prestar contas à justiça pelas suas actividades ao longo de décadas à sombra do consulado cavaquista. Esses comportamentos de políticos, que estão ou estiveram no activo, nunca foram devidamente investigados, devido à conhecida subserviência da justiça em Portugal perante os poderosos e às redes de controle e proteção implementadas ao longo dos anos. Nem mesmo agora, com as prisões de um antigo primeiro-ministro e de um dos mais importantes banqueiros portugueses, bem como de outros elementos do PS a contas com a justiça ou também beneficiados pela impunidade, se poderá considerar que uma pequena parte do trabalho está feito, quando muitos elementos do PSD e do CDS não são chamados à barra dos tribunais, tendo alguns já usufruído da habitual prescrição em que o nosso sistema judiciário é pródigo.

Não se precisa de mudanças de regime, nem de um presidencialismo semi-autoritário, como alguns proclamam e outros reclamaram aquando da primeira eleição de Cavaco Silva, (como se este tivesse competência e autoridade moral para o protagonizar), mas de um governo que ponha a justiça a funcionar, doa a quem doer, e que no plano da economia, finanças, saúde, educação e cultura elabore um programa capaz de recuperar o país da catástrofe em que caímos nesses sectores nos últimos quatro anos, que levou à emigração de mais de 300 mil portugueses. Nada disto é impeditivo da continuação na União Europeia e no euro, como o provaram os acontecimentos na Grécia, pois só alguém com intenções suicidárias poderá defender que estamos melhor fora das instituições europeias, num momento em que o mundo funciona por blocos de interesses geoestratégicos e que os mais importantes problemas, como às vezes os menores, são resolvidos a nível internacional. O que não é impeditivo de Portugal defender os seus interesses com vigor no seio da União Europeia, junto com os países de quem somos próximos, precisamente o que não fez este governo nem o actual Presidente da República. Para isso, parece-me que António Costa será o político capaz de liderar um governo de salvação e unidade nacional com os partidos de esquerda mais representativos eleitoralmente, pela sua anterior experiência em cargos de governo e principalmente na Câmara Municipal de Lisboa. Um governo capaz de galvanizar a maioria da população portuguesa para uma nova fase política do país, em que teremos de vencer as maiores dificuldades que se nos apresentam a nível interno: desemprego, o que vem nas estatísticas e o camuflado sem vergonha por este governo, o baixíssimo nível cultural e de educação, no ensino secundário e em muitos sectores do superior, principalmente nas humanidades, a melhoria acentuada do Serviço Nacional de Saúde, que ao contrário do que se diz deixa muito a desejar no regime geral, comparado com outros países europeus, principalmente no tempo de espera de consultas e exames. Tudo isto enquadrado numa conjuntura europeia em fase dinâmica de percepção das enormes falhas no funcionamento da União, que atempadamente terão de ser corrigidas, a menos que se decida por uma desintegração suicidária, difícil de imaginar e concretizar.

António Costa, nomeado primeiro-ministro depois de uma eleição em que o PS deverá ser o partido mais votado, terá a responsabilidade de coordenar um programa de governo com a participação e a contribuição de outros partidos, em que a comunicação com os portugueses será da maior importância, que só posso comparar ao período vivido depois do 25 de Abril de 1974, nomeadamente a seguir às tentativas de golpe palaciano do general Spínola em Julho e Setembro do mesmo ano, a que se seguiu o golpe militar de Março de 75, que levou à declaração do caracter socialista da revolução, que nunca chegaria a concretizar-se. Então, a tarefa primordial era defender as liberdades que estiveram ameaçadas de um regresso ao regime fascista e à tomada do poder por um novo Pinochet. Agora, as liberdades também estão ameaçadas, desta vez por poderes menos visíveis, encontrando-se o país a mergulhar cada vez mais num abismo de que vai ter dificuldade em sair, se não houver um choque cultural que provoque a tomada de consciência dos portugueses para a necessidade de ultrapassar os obstáculos acima referidos. Para isso, o principal meio de comunicação ainda com a necessária força para chegar à grande maioria das pessoas, a televisão pública, coadjuvada pela rádio, terá que ser posta ao serviço deste projecto, mudando-se-lhe completamente a face, assim como o conteúdo, transformando-a numa estação ao serviço dos portugueses e não um mero concorrente dos outros canais comerciais. Este é um dos mais importantes objectivos a realizar porque sem comunicação não há projecto político que se consiga implementar.

Investigador em Relações Internacionais, antigo funcionário da Comissão Europeia

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