“Nem ladrão nem corrupto”, um humorista pode vir a ser Presidente da Guatemala

Jimmy Morales surpreende e avança à frente para a segunda volta das eleições presidenciais

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Morales irrompeu na cena política, mas não se lhe conhece programa concreto Jorge Dan Lopez/ REUTERS

O candidato independente apoiado pela Frente de Convergência Nacional, Jimmy Morales, vai partir na dianteira para a segunda volta das eleições presidenciais da Guatemala, depois de conquistar 26% dos votos num escrutínio muito contestado e simultaneamente muito concorrido.

As previsões dos comentadores, que estimavam uma subida acentuada da abstenção como forma de protesto contra a crise política que paralisou o país na véspera das eleições, foram contrariadas por uma adesão significativa às urnas, com cerca de 70% dos eleitores a participar na votação. Também os receios de violência e de fraude eleitoral se revelaram infundados: tanto as autoridades nacionais como os observadores eleitorais atestaram a tranquilidade e legalidade do processo.

“Inclassificável e explosivo”, como descreve o El País, Jimmy Morales, um conhecido actor cómico que é também economista e teólogo, tornou-se a grande surpresa da eleição: o candidato, conservador moderado, usou a mesma frase que definia o seu famoso personagem televisivo – “nem ladrão nem corrupto” – como mote da campanha, e beneficiou da onda nacional de protesto e indignação contra a corrupção e os compadrios para projectar a sua mensagem anti-sistema e o seu estatuto de independência.

“As pessoas estão cansadas e fartas, e não querem mais do mesmo”, considerou Morales, na sua primeira declaração depois de confirmada a liderança na contagem dos votos. Aos 46 anos, o popular actor que na televisão interpretava o papel de um homem simples que inesperadamente era empossado Presidente, pode ser um fenómeno mundial de realidade a copiar a ficção.

Na derradeira ronda presidencial, a 25 de Outubro, deverá enfrentar Manuel Baldizón, o concorrente do Partido da Liberdade Democrática Renovada, de centro direita, que há quatro anos foi derrotado pelo ex-general Otto Pérez Molina, o Presidente que se demitiu do cargo e foi detido por suspeitas de corrupção, na quinta-feira anterior à votação. A procuradoria deverá pronunciar-se esta terça-feira sobre o caso, provavelmente deduzindo acusação contra o ex-chefe de Estado.

Com mais de 95% dos votos apurados, Baldizón tinha uma ligeiríssima vantagem sobre Sandra Torres, a ex-mulher do antigo Presidente Álvaro Colom – 19,41% contra 19,25%. Da mesma forma que Morales foi beneficiado pelo ambiente de raiva e agastamento com a classe política, Baldizón foi penalizado nas urnas por fazer parte do sistema. Para piorar as coisas, durante a campanha, perdeu o seu candidato a vice-presidente, Edgar Barquín, implicado pelo Ministério Público (e a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala) no escândalo conhecido como” La Línea” [A Linha] – um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude fiscal montado nas alfândegas, e que envolve dezenas de figuras governamentais, líderes políticos e reputados empresários guatemaltecos.

De acordo com o Instituto Centro-Americano de Estudos Fiscais, mais de 50% do financiamento dos partidos políticos na Guatemala tem proveniência duvidosa. A população respondeu à exposição da teia de favorecimento entre políticos e empresários, que confirmou a corrupção como um fenómeno endémico da recente democracia guatemalteca, com gigantescas manifestações, já descritas como uma “revolução da dignidade” ou até a génese de uma “primavera latino-americana”.

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