Vodafone Paredes de Coura: o Verão já pode começar

Praia Fluvial do Taboão recebe, de 19 a 22 de Agosto, o festival de música que leva o nome da vila minhota onde se realiza há 22 anos. Expectativas da organização são de lotação esgotada para receber Tame Impala, TV On The Radio e dezenas de outros

The War On Drugs
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Natalie Prass é uma das apostas pessoais do director João Carvalho Ryan Patterson
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Natalie Prass é uma das apostas pessoais do director João Carvalho Ryan Patterson
White Fence
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Steve Gunn
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Steve Gunn

Muitos cresceram com ele. Para outros é uma descoberta, ou uma estreia. Mas para todos é um ritual que assinala o cúmulo do Verão, findo o qual a rotina pode assentar. O Vodafone Paredes de Coura, que em 2013 e 2014 venceu o prémio de “Melhor Festival Não-Urbano” dos Portugal Festival Awards, está de volta às margens do Rio Coura para a sua 23.ª edição, a realizar entre os dias 19 e 22 de Agosto. E, pela primeira vez, vai esgotar a lotação antes mesmo de começar.

Em 1993, o seu ano de estreia, Paredes de Coura era o “festival de música moderna portuguesa”. A entrada fazia-se sem franquia, mas também só havia concertos durante um dia, todos de bandas locais. É o ano em que Bill Clinton vai morar para a Casa Branca, em que Mandela ganha o Nobel da Paz e em que o CDS vira PP. Enquanto isso, dizíamos, na pequena vila minhota de Paredes de Coura começa a ser construído nas margens do Rio Coura um dos festivais mais importantes do país. Não muito longe dali, numa freguesia de Caminha chamada Vilar de Mouros, abençoada pelo mesmo rio, não havia concertos desde 1982. Até que alguém percebeu que aquele ambiente, o mitológico “anfiteatro” verde minhoto, pura e simplesmente pedia concertos, campismo e saltos para a água — um monumental “coming of age” colectivo, portanto.

Em 1995, o “terceiro festival de música moderna” já tinha dois dias, mas ainda era de entrada gratuita. Na edição seguinte passa a ser pago: três dias, mil escudos. Em 2005, num dos melhores anos de sempre, tocam !!!, Death From Above 1979, Nick Cave e uns então desconhecidos Arcade Fire. Nos últimos anos, desde que o festival ganhou o prefixo Vodafone, passaram por lá — para listar apenas alguns nomes, ainda assim representativos da variedade de estilos — Hot Chip, Ducktails, Bombino (em 2013), Janelle Monáe, Goat ou Thee Oh Sees (2014).

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Waxahatchee

Bilhetes, a contagem final

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Allah-Las

A matéria está revista, mas tudo isso é passado. No tempo presente, quando faltam poucos dias para o primeiro concerto, o que importa são as expectativas e, pelas contas da organização, a venda antecipada de bilhetes foi a melhor de sempre. Além de lotação esgotada, a Ritmos, promotora do festival com base no Porto, promete também mais conforto para acomodar os milhares de festivaleiros que chegam à pequena vila em modo de peregrinação.

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Sylvan Esso

“Para quem diz que cabe sempre mais um por ser um espaço ao ar livre: não cabe. E não vai haver excepções, a partir de amanhã [sexta-feira, dia 14] não vai ser possível comprar passes gerais. Mesmo.” O aviso é dado ao P3 por João Carvalho, director do Vodafone Paredes de Coura. O objectivo é “preservar a integridade física das pessoas e do espaço” porque as estimativas “foram todas superadas”. Que é como quem diz: há poucos passes de quatro dias a sobrar e o campismo, que supostamente só abriria na sexta-feira, já recebe gente desde quarta, 12.



Considerando que as pessoas têm menos dinheiro e que o país nunca organizou tantos festivais, isto não deixa de ser motivo de orgulho para o veterano festival, este ano com um orçamento na ordem dos três milhões de euros. “Temos um dos cartazes mais felizes de sempre e o festival soube renovar-se”, adianta João Carvalho. E, reforça, a ajuda da Vodafone "também foi essencial para cuidar de pequenos pormenores no recinto e para dar mais força na contratação”. A pensar na enchente de 100 mil pessoas, a organização alargou a zona de campismo: “Onde nos últimos anos as pessoas tinham de pagar para acampar, agora já não têm porque alugámos nós a quinta.” Isto na outra margem do rio — agora há duas pontes novas a ligá-las.





Em relação ao cardápio musical, João Carvalho não vai perder Tame Impala (“é um cliché, mas estou apaixonado pelo último disco”) nem Charles Bradley e aposta em White Fence, Ratatat, Natalie Prass e Soft Moon como artistas que, em pouco tempo, poderão explodir. Como já aconteceu, por exemplo, a Father John Misty, agenciado em Novembro de 2014 para o alinhamento do festival. “Se o contratasse hoje pagaria aí umas cinco vezes mais do que paguei na altura”, confessa o director, sublinhando que o músico “chega [ao festival] com um estatuto completamente diferente: agigantou-se”.

Tame Impala e os outros

Do cartaz do Vodafone Paredes de Coura 2015 há sobretudo dois nomes que prendem a atenção. TV On The Radio e Tame Impala. É por eles que há certamente muitos metros quadrados de relva em frente ao palco Vodafone que já estão reservados. Os cabeções de cartaz actuam logo a 19 e a 20, primeiro o ensemble nova-iorquino e depois os australianos. Kevin Parker e amigos (00h45) vêm apresentar o novíssimo “Currents”, o álbum mais diferente da discografia da banda, com o fardo adicional de suceder ao estrondoso sucesso platinado que foi “Lonerism”. O terceiro disco dos Tame Impala, porta-bandeiras de um regresso a régua e esquadro ao psicadelismo, pode alienar alguns fãs, mas Parker parece querer dar respostas em “New Person, Same Old Mistakes”, a canção que fecha “Currents”.

Com o mesmo estatuto de culto, os TV On The Radio, que em 2014 editaram “Seeds”, voltam a Portugal (00h15) depois de, em Fevereiro deste ano, terem cancelado datas no Porto e Lisboa. O quinto álbum de originais da banda de Brooklyn é também o primeiro desde a morte de Gerard Smith, o baixista que, em 2011, perdeu uma breve batalha contra o cancro do pulmão. Depois de "Return to Cookie Mountain", em 2006, os TV On The Radio foram-se libertando do estatuto messiânico que lhes queriam atribuir e o álbum do ano passado mostra a mesma vontade de construir canções imprevisíveis, ainda que “Seeds” até seja mais acessível do que o anterior “Nine Types of Light”.

Também no primeiro dia actuam Ceremony (20h00) e Gala Drop (19h00), ambos no palco Vodafone. Os californianos, na meia medida entre os Joy Division e os Converge, até têm um álbum novo, mas “The L-Shaped Man” foi recebido de forma morna. Talvez por ser mais Manchester do que Rohnert Park. Ross Farrar, o vocalista que também costuma ser o responsável pelo "artwork" dos discos, precisava de alguma catarse e o resultado foi o trabalho mais amargurado dos Ceremony. No Alto Minho se verá como é que isto de lamber feridas funciona em cima de um palco. A viagem até lá será mais curta para os Gala Drop, embora os lisboetas já tenham tocado um pouco por toda a Europa este ano. Em permanente mutação (de membros, de estilos), cabem na sua pegada sonora o dub mais frito e o psicadelismo mais espacial. Transe trans-estilístico para todas as épocas.

No segundo dia, já com o palco Vodafone.FM, é a vez das Hinds (18h00) — que dispensam hotéis e vão acampar como se não fosse nada com elas —, Steve Gunn (19h50) e Father John Misty (21h20). Ainda sem álbum, é provável que as madrilenas Hinds (a Courtney Barnett se tivesse muita lata) surpreendam quando se puserem a falar em castelhano entre canções — que são do mais preguiçoso que o garage rock consegue ser. O índice de paixonetas estará perigosamente alto no público, por isso considerem-se avisados.

Steve Gunn, que já foi um dos Violators de Kurt Vile, tem um ritmo de trabalho impressionante, contando cerca de uma dúzia de discos desde 2007 — um deles chamado “Cantos de Lisboa, a meias com o veterano Mike Cooper —, mas o epicentro do seu concerto deverá ser “Way Out Weather” de 2014. Joshua Tillman, que é como quem diz Father John Misty, um tipo sério com um Instagram cómico, joga no mesmo campo de Gunn, só que na baliza contrária. O último disco do para-sempre-ex-baterista dos Fleet Foxes, “I Love You, Honeybear”, é sobre ele próprio, ou melhor, sobre ele e a sua relação com a mulher, por isso espera-se uma actuação entre o concerto folk e a sessão de aconselhamento matrimonial.

A 21, quando o corpo já estiver a pedir descanso, é o dia de Waxahatchee (20h30), Allah-Las (19h50) ou The War on Drugs (00h45). “I'll drink until I'm happy and I'll wonder what you're doing but I won't call”, canta Katie Crutchfield, a cara e a voz de Waxahatchee, em “Grass Stain”, segunda canção do primeiro álbum. O terceiro, “Ivy Tripp”, mantém o mesmo tom íntimo e confessional, mesmo que musicalmente seja mais polido.

Os Allah-Las têm no seu vocalista, Miles Michaud, a dose certa de “nonchalance” para piscar os olhos à nostalgia analógica dos Kinks ao mesmo tempo que flirtam com a sujidade e aspereza de um Ty Segall. Os californianos editaram “Worship the Sun” em 2014 e podem muito bem ser uma das revelações do cartaz deste ano. Da outra costa dos EUA chegam os The War on Drugs. Com “Lost in the Dream”, a banda de Adam Granduciel foi catapultada para a generalidade das listas de melhores do ano de 2014. Rock de colarinho azul, mas ao mesmo tempo épico, quase que talhado para acompanhar uma clássica montagem de filme dos anos 80 (o herói a fazer exercício, o "nerd" fechado em casa a estudar, os amigos a montar uma festa). Dá pena que John Hughes tenha morrido e já não possa fazer filmes quando se ouve, por exemplo, “Red Eyes”.

Finalmente, já a 22, Natalie Prass (19h00), Ratatat (01h00) e Temples (21h20) encarregam-se de ajudar a fechar a edição 2015 do Vodafone Paredes de Coura. A norte-americana de 29 anos, para quem o concerto ideal seria ao lado de Gal Costa e Nina Simone, é dona de uma voz frágil que no primeiro disco, homónimo, no qual tocam cerca de 30 músicos, se faz acompanhar por uma orquestração a tender para a pop barroca. Ao vivo, gosta de incluir "Any Time, Any Place" (Janet Jackson em estado de graça lá para 1993) no alinhamento, por isso só pode valer muito a pena.

Divididos entre as guitarras e os sequenciadores, os Ratatat editaram este ano (no último mês, na verdade) o seu quinto álbum. O novo trabalho, “Magnifique”, ainda não será um regresso à melhor forma do homónimo primeiro disco ou do posterior “Classics”, mas ao vivo a pujança dançável de malhas como “Abrasive” deverá fazer esquecer qualquer defeito ou feitio. Por seu lado, os Temples (não confundir com os The People’s Temple) vêm esbanjar psicadelismo, na esteira do programa original dos Pink Floyd. O quarteto de Kettering parece feito em laboratório para se aproximar o mais possível do que seriam os Byrds em 2015 e Noel Gallagher, que não gosta de muitas coisas além do seu City, é fã confesso da banda que em 2014 deu ao mundo “Sun Structures”.

A pensar naqueles que já não podem esperar mais para celebrar os 22 anos do festival, a organização criou vários dias zero. De 16 a 18 de Agosto, a vila de Paredes de Coura recebe concertos de entrada livre a partir das 22h00. Já durante o festival, de 20 a 22, a primeira parceria entre o festival e a editora Tinta da China deu origem ao Vodafone Vozes da Escrita, que traz escritores como Matilde Campilho ou Pedro Mexia. À hora do almoço têm ainda lugar sessões de leitura no palco Jazz na Relva.

Resta dizer que os bilhetes para o Vodafone Paredes de Coura 2015 custam entre os 45 (bilhete diário) e os 85 euros (passe geral, dos quais sobram menos de dois mil).

Praia Fluvial do Taboão, prepara-te. Que a tua relva continue mais verde e a tua água mais fresca.

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