Pardal Monteiro regressa a casa

Exposição abre esta sexta-feira na Biblioteca Nacional para devolver a Lisboa o arquitecto que “marcou a cidade, a que todos conhecemos e que não sabemos que foi ele que fez”.

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A exposição está na Biblioteca Nacional até 9 de Junho Rui Gaudêncio
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Algumas peças de mobiliário desenhadas por Porfírio Pardal Monteiro integram a mostra Rui Gaudêncio
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Material de trabalho do arquitecto Rui Gaudêncio
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Seis núcleos compõem a exposição Rui Gaudêncio
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A mostra não tem uma organização cronológica, mas sim temática Rui Gaudêncio
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A entrada é livre até 19 de Abril Rui Gaudêncio
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Porfírio Pardal Monteiro DR

Porfírio Pardal Monteiro regressa hoje a casa - ou pelo menos a uma das suas muitas e monumentais casas em Lisboa. Sonhou o Ritz, que não viu terminado, desenhou a Cidade Universitária e desgostou-se com as gares marítimas que projectou mas que viu diminuídas em ambição. Entre muitas outras obras suas que se tornaram referências na cidade. O arquitecto de um certo edificado do Estado Novo que continua a ser vivido, todos os dias, por estudantes, viajantes, investigadores, crentes ou jornalistas. Até Junho, está tudo na também sua Biblioteca Nacional (BN).

Setenta e sete anos depois da última exposição dedicada ao trabalho do arquitecto do moderno português, Porfírio Pardal Monteiro é um dos pratos fortes da Lisbon Week em forma de mostra com mecenato da Caixa Geral de Depósitos - onde foi arquitecto-chefe acabado de sair da faculdade e para a qual construiu o edifício da Avenida dos Aliados, no Porto, a sua maior obra fora de Lisboa.

Voltemos à capital. Até 9 de Junho, abrem-se seis janelas, seis núcleos expositivos, para a cidade com a marca de Porfírio. É que há uma Lisboa antes e depois de Pardal Monteiro. Numa palavra, “modernização”, diz ao PÚBLICO Ana Tostões, autora da fotobiografia de Porfírio Pardal Monteiro e coordenadora de Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970. E comissária, com João Pardal Monteiro, sobrinho-neto de Porfírio, da exposição que lhe dá o cognome de “arquitecto de Lisboa”.

 “Uma Lisboa da modernização e da dignidade da obra pública. O Instituto Nacional de Estatística (1931-35), o Instituto Superior Técnico (IST), o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), o [edifício do] Diário de Notícias, as Gares [marítimas de Alcântara e da Rocha de Conde de Óbidos], a Estação do Cais do Sodré (1925-28) são marcos fundamentais e ligados a acções de desenvolvimento – são sítios onde se estuda, onde se lê, onde se escreve, de onde se viaja”, enumera Ana Tostões.

A arquitecta, tal como milhares de portugueses, vive a obra de Porfírio. É professora catedrática no IST, “o primeiro marco” do moderno Porfírio Pardal Monteiro “com impacto na comunidade”, “não só porque era grande e um campus universitário mas também porque se situava numa acrópole da cidade, era visto de toda a parte”, descreve Ana Tostões.

É o princípio. Não o da arquitectura moderna em Portugal, que Ana Tostões situa sem hesitações nas mãos de Cristino da Silva e no seu cinema Capitólio (zona do Parque Mayer, em Lisboa e que teve também a colaboração de Pardal Monteiro), mas do traço largo, monumental mas pragmático, e moderno que Pardal Monteiro desenhou em Lisboa. A exposição quer mostrar aos visitantes – e durante a LisbonWeek a entrada é gratuita - que “este autor marcou a cidade, a que todos conhecemos e que não sabemos que foi ele que fez”.

Na base desta mostra não cronológica e polvilhada por peças de mobiliário desenhadas por Porfírio Pardal Monteiro e de desenhos e objectos de trabalho do arquitecto está a tese de doutoramento de João Pardal Monteiro sobre o tio-avô. Caminhando pelos 1000 m2 da nova sala de exposições da BN que se abriu para acolher a exposição, o arquitecto e professor mostra-nos a linha temporal que serve de guia ao visitante, com perto de 90 dos cerca de 200 projectos de Porfírio Pardal Monteiro que foram executados. Fala-nos da influência dos arquitectos franceses no trabalho de Porfírio, homem com dois grandes mestres – o seu professor e arquitecto José Luís Monteiro e o seu primeiro empregador, o arquitecto Ventura Terra. E frisa a importância da escala que o distingue. “Não são só edifícios com uma função majestática e de imponência, mas têm uma parte humana”, explica João Pardal Monteiro, são “edifícios mais a pensar nas pessoas”, que não esmagam. Respiram.

Lisboa de Porfírio: os lugares de ensino, investigação e cultura, núcleo que evidencia a importância do IST, mas também o LNEC (1949-52), a BN (1952-61, já depois da sua morte e terminada pelo sobrinho António Pardal Monteiro) e a Cidade Universitária (1935-58) – que lembram a Ana Tostões não só “o lado muito pragmático, muito prático, eficiente” de Porfírio Pardal Monteiro, “um homem muito decente no sentido de aplicar bem o dinheiro”, mas também a resistência de Salazar em fazer a Universidade em Lisboa porque já havia Coimbra – motivo pelo qual se apresentam na mostra os três projectos diferentes para o complexo universitário.

A capital é também o somatório das grandes obras públicas da década de ouro desses empreendimentos, das gares (1934-43/45) que “seriam a obra mais grandiosa e aquela em que Pardal Monteiro mais se empenhou”, segundo a comissária, mas que não foram feitas como o projecto único que o arquitecto desenhara, às obras para fins religiosos. A Missão Portuguesa dos Adventistas (1923-24), mas sobretudo a polémica igreja da Avenida de Berna que cumpre um dos ideais do moderno, a integração das artes na obra com escultores como Francisco Franco ou pintores como Almada Negreiros a trabalhar consigo.

Polémica porque, apesar de defendida na sua modernidade pelo cardeal Cerejeira, foi contestada pelos “sectores mais reaccionários, nomeadamente no grupo dos arquitectos”, assinala Ana Tostões. E é “em 1938 que Pardal Monteiro se sente completamente acossado e faz uma grande exposição no Técnico, onde tem apoio”. Passados agora 77 anos, então, o filho de uma família de construtores de Pêro Pinheiro cujo pai era amigo do arquitecto Ventura Terra, vê-se também reconhecido pelos seus hotéis da modernidade e do glamour. O Tivoli (1952-59) e, claro, o imponente Ritz (1952-59), também terminado após a sua morte por António Pardal Monteiro.

Reconhecida ainda a habitação, que lhe mereceu cinco prémios Valmor com moradias, palacetes, prédios nas avenidas nobres de Lisboa, e os edifícios do progresso industrial e comercial como os primeiros stands de automóveis da cidade, como a já desaparecida Ford Lusitana (1929/30-32) ou o edifício Sorel (1952-56). Aproximamo-nos do fim. Porfírio Pardal Monteiro - que sofre um AVC e fica acamado, suicidando-se aos 60 anos – como homem e arquitecto é o último núcleo da exposição. Pioneiro da internacionalização da arquitectura portuguesa, o arquitecto viajado e culto, fundador da União Internacional de Arquitectos.

Mas também um “bon vivant”, diz Ana Tostões, amante dos fados e amigo de Amália Rodrigues, um “teimoso”, sorri João Pardal Monteiro. Soltam-se as palavras de ordem: “Grande construtor, monumentalidade, grande arquitecto”, enfatiza Ana Tostões. “Profissionalismo e defesa da profissão”, assevera João Pardal Monteiro. “Eficácia e isto tudo acima das linguagens”, vinca Ana Tostões.

Um jovem profissional que logo começou a dizer alguns “não” e que a comissária descreve como sendo um arquitecto “sem concessões”. Trabalhando para um regime, para o Estado Novo e suas ideias muito dirigidas de representação? O regime queria “afirmar uma linguagem completamente nova e moderna, fazer uma demarcação do que tinha mudado desde a República, que interessava dizer que era confusa e que eles eram os homens deste Estado Novo higiénico, que se preocupava com os equipamentos”, contextualiza Tostões.

Mas Porfírio Pardal Monteiro, que “faz quase que um pacto com Duarte Pacheco, querem os dois a mesma coisa”, essa arquitectura “de grande modernidade e monumentalidade”, defende a professora, será o arquitecto da sua geração “que consegue o equilíbrio mais certo entre monumentalidade, representação de Estado, dignidade”. “Não há arquitectura sem poder”, postula, e ele “personifica a década de ouro das obras públicas”. Mas se “constrói a imagem do Estado Novo”, é “como ele entende como deve ser, e quando estão a interferir ele reage”, remata Ana Tostões. Por isso faz quase uma travessia do deserto entre 1938 e o pós-Guerra, quando a linguagem depurada do betão e das novas possibilidades construtiva que ele oferecia (coberturas em terraço como a do Capitólio, janelas ou vãos mais largos), sai dos planos imediatos do Estado Novo. Faz prédios de rendimento até regressar aos grandes projectos como o LNEC, a BN, ou o Ritz.

A 3.ª Lisbon Week decorre até dia 19 centrada no bairro de Alvalade, com visitas culturais a espaços como a Torre do Tombo, a BN, a reitoria da Universidade de Lisboa (também de Porfírio Pardal Monteiro), e visitas guiadas sob os temas da Lisboa Moderna ou de Porfírio Pardal Monteiro. Há ainda uma exposição no metropolitano sobre a azulejaria de Maria Keil, teatro no Hospital Júlio de Matos ou o evento cultural Mostra, que visa aproximar as obras de 85 artistas dos espectadores.  

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