Marine anuncia corte de relações políticas com o pai, Jean-Marie Le Pen

Guerra aberta na cúpula familiar do partido de extrema-direita francês. Declarações anti-semitas e racistas do fundador da Frente Nacional levaram Marine a acusar o pai de "suicídio político" e a afastá-lo da lista de candidatos eleitorais.

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Pai e filha entram pela primeira vez em ruptura política declarada Stephane Mahe / Reuters

A presidente da Frente Nacional, Marine Le Pen, decidiu afastar o seu pai, histórico fundador do partido de extrema-direita francês, das listas de candidatos para as eleições regionais marcadas para Dezembro. “É com grande tristeza que o faço”, confessou Le Pen, que sucedeu ao pai em 2011 e desde então se tem esforçado por “limpar” a imagem de anti-semitismo associada à Frente Nacional.

Jean-Marie Le Pen – que aos 86 anos é o presidente honorário do partido, além de conselheiro regional e deputado europeu –, tencionava concorrer como cabeça de lista à região conhecida como Paca (que engloba a Provence-Alpes-Côte d’Azur), mas as suas declarações sobre o governo colaboracionista de Vichy e o Holocausto, numa entrevista à revista de extrema-direita Rivarol, acabaram por precipitar a decisão de Marine. “Ele está a causar danos”, admitiu a filha, que deverá propor sanções contra o pai. A entrevista abriu uma “crise sem precedentes” dentro do partido, justificou.

Citando os “superiores interesses do partido”, Marine confirmou a convocatória de uma reunião do comité executivo da Frente Nacional para discutir a sua oposição à candidatura do pai – que nas suas palavras, está apostado numa “estratégia destrutiva” que definiu como “uma verdadeira espiral entre a terra queimada e o suicídio político”. Em comunicado, a FN esclarece que o estatuto honorário de Jean-Marie Le Pen não significa que o partido tenha de ficar “refém” das suas opiniões incendiárias e provocatórias.

A polémica começou na semana passada. Jean-Marie Le Pen participou num painel político da BFM-TV e chocou ao desvalorizar as câmaras de gás nazis como um “mero detalhe da História da II Guerra Mundial”. As palavras obrigaram Marine a tomar uma posição pública de repúdio. “Quero salientar o meu mais profundo desacordo, na forma e no conteúdo”, reagiu.

Só que em vez de deixar morrer aí o assunto, Jean-Marie Le Pen fez questão de aprofundar as suas opiniões numa entrevista com a Rivarol – que negociou sozinho, sem dar conhecimento à cúpula da FN. A propósito dos campos de extermínio nazis, reiterou que, na sua opinião, “foram um pormenor da guerra”. “Essa é a verdade, não devia chocar ninguém”, acrescentou. Como também ninguém se devia incomodar pela presença de conhecidos “pétainistas” (apoiantes do regime colaboracionista) nas listas da Frente Nacional, prosseguiu Le Pen. “Nunca considerei que o marechal Pétain fosse um traidor, e acho que o país foi muito severo com ele depois da Libertação”, afirmou.

Quanto à demarcação oficial da filha, registou simplesmente que “somos sempre traídos pelos nossos”. Ficava assim consumada a ruptura pessoal e política entre as duas gerações Le Pen. Segundo o politólogo Jean-Yves Camus, o fundador da FN já não se reconhece no movimento político que ele próprio criou. “Ele não aceita esta estratégia de des-diabolização que visa normalizar o partido. E tem a ideia fixa de manter a FN acantonada nos seus fundamentos”, explicou ao Le Monde.

O provável afastamento do fundador da Frente Nacional (que só será oficial após a reunião do directório marcada para 17 de Abril) não só abre uma cisão no partido, como ameaça provocar uma guerra aberta na extrema-direita francesa, estimava a imprensa gaulesa. Vários dirigentes do partido vieram imediatamente manifestar o seu apoio a Marine, concordando que chegou o momento de Jean-Marie abandonar a ribalta política. O vice-presidente da FN, Florian Philippot, reconheceu que “as provocações de Le Pen são claramente uma desvantagem para o partido”. “A ruptura política é total e definitiva”, anunciou.

Como lembrava o Le Monde, há uma “longa história de querelas políticas” entre pai e filha: foi, aliás, na base do conflito que Marine ascendeu à liderança do partido. No entanto, em termos estritamente políticos, não era fácil encontrar ideias ou opiniões divergentes entre os dois Le Pen – um dos poucos assuntos em que Marine discorda abertamente do pai é precisamente na questão dos judeus e do Holocausto.

As poucas instâncias em que se distanciou do pai foram nos casos de declarações manifestamente anti-semitas ou a roçar a simpatia nazi. A primeira vez que Marine desafiou o pai foi em 2005, quando Le Pen disse à Rivarol que a ocupação alemã não fora “particularmente desumana”. Noutras instâncias em que as palavras do pai levantaram furor, optou quase sempre por ignorar ou menosprezar as polémicas, atribuindo-as à má vontade da imprensa contra o partido.

O braço de ferro entre pai e filha acontece num momento fulcral para a força de extrema-direita, em transição de um movimento xenófobo nas franjas do espectro político francês, para um partido “institucional” com representação no Senado. Essa é a estratégia política de Marine, fortalecida pelos mais recentes resultados eleitorais da FN, que conseguiu chegar à frente da corrida nas europeias de Maio passado e voltar a bater nos 25% nas eleições departamentais francesas do mês passado. A presidente do partido será a candidata ao Eliseu em 2017, altura em que espera que a FN seja vista como uma alternativa de poder, capaz de disputar a segunda volta eleitoral.

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