O eclipse que pode apagar duplamente a Europa

Impacto sobre a produção fotovoltaica põe redes eléctricas em alerta.

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Operadores europeus de transporte de electricidade preparam-se há um ano para o eclipse CESAR MANSO/AFP

Para alguns países, um céu completamente encoberto será o tempo mais desejado para o eclipse solar que vai escurecer a Europa na manhã desta sexta-feira. Contra-senso? Nem por isso. O eclipse poderá causar perturbações graves na rede eléctrica europeia, e quanto mais limpo estiver o tempo, pior.

O problema, curiosamente, está nas energias renováveis. Com o Sol escondido pela Lua, haverá uma variação brusca na produção de electricidade por via solar – que já cobre 3% do consumo na Europa e ainda mais nalguns dos seus países. O sistema eléctrico vai ter de ser compensado rapidamente. E se isto não correr bem, há um risco real de colapsos no abastecimento eléctrico nalgumas regiões.

Há um ano que os operadores europeus de transporte de electricidade estão a preparar-se para esta sexta-feira. “Não há experiência em lidar com este fenómeno. Foi preciso estudar o assunto”, afirma Albino Marques, director de Gestão do Sistema das Redes Energéticas Nacionais (REN).

Um eclipse com as dimensões deste – que afectará toda a Europa e com o Sol encoberto de 37% na Grécia a 98% na Escócia – não ocorre na Europa desde 1999. E nessa altura, havia pouquíssimos painéis solares a produzir electricidade.

Agora, a situação é completamente diferente. Em 2012, o solar fotovoltaico representava já 10,5% da produção eléctrica por fontes renováveis na Europa, contra apenas 0,1% dez anos antes. Na Alemanha, onde está quase metade (44%) da potência instalada em solo europeu, o solar representou 6% da electricidade produzida em 2014. Itália e Espanha também dependem do Sol para uma fatia importante da produção eléctrica.

Dos 89 gigawatts (mil milhões de watts) de potência solar que se calcula existir neste momento na Europa, cerca de 34 – mais de um terço – podem ser “apagados” temporariamente pelo eclipse, se o céu estiver limpo. Com céu encoberto, a redução será menor pois os painéis já estarão a produzir muito pouco.

As redes eléctricas estão acostumadas a lidar com o acender e apagar da energia fotovoltaica entre o dia e a noite. O problema é que isto vai acontecer duas vezes na sexta-feira. “Vai haver um pôr do Sol às nove da manhã”, afirma Albino Marques. E o eclipse vai recriar em apenas duas horas um evento que ocorre num tempo mais alargado, do ocaso até à alvorada.

Entre às 9h e 9h30, hora de Lisboa, a Europa vai precisar adicionar ao seu sistema eléctrico outras formas de produção a um ritmo alucinante. Na prática, será o mesmo que pôr em marcha uma unidade termoeléctrica a gás natural de 400 megawatts (milhões de watts) por minuto, segundo antecipa a Rede Europeia de Operadores de Sistemas de Transmissão de Electricidade. E entre as 10h e as 10h30, vai ter pô-las a dormir no mesmo ritmo, porque a energia solar estará a regressar.

Os operadores das redes eléctricas têm tudo planeado para evitar uma perturbação grave no sistema. A receita em si não é diferente das de um dia normal: se um país tiver necessidade de electricidade, procurará quem a tenha disponível.

O que vai haver, no entanto, é uma monitorização apertada de tudo o que estiver a acontecer a nível europeu, com teleconferências permanentes entre todos os operadores, durante o eclipse. Além disso, em cada país estão a postos unidades adicionais de reserva de produção eléctrica, ou para lidar com necessidades próprias, ou para pôr à disposição de outros países. “Estamos todos preparados, não vai haver nada”, antecipa Albino Marques.

Segundo o responsável da REN, Portugal não corre grandes riscos porque o solar contribui pouco para a produção eléctrica. Mas vai disponibilizar ajuda a Espanha, que é um dos países críticos. “Nesse dia, vamos programar reservas adicionais”, refere Albino Marques.

Toda a preparação resulta do temor de um colapso na distribuição eléctrica. Se um país estiver em dificuldades, aumentará a importação de electricidade. E se esta subida for muito acelerada, as interligações podem entrar em sobrecarga e ser encerradas. O país fica assim isolado, como uma ilha, apenas com a sua produção própria. E, a não ser que faça cortes deliberados, o consumo supera a produção, o sistema entra em desequilíbrio e colapsa. “Um blackout é rápido, é uma questão de segundos”, explica Albino Marques. Foi o que aconteceu em Itália no dia 28 de Setembro de 2003, quando praticamente todo o país ficou sem electricidade durante 12 horas.

O risco de um colapso total, a nível europeu, parece estar afastado. “Uma pane geral está fora de questão”, diz o responsável da REN.

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