EUA e Cuba vão restabelecer relações diplomáticas

Cinco décadas de sanções, disse Barack Obama, não ajudaram nem os cubanos nem os interesses norte-americanos. "A mudança é difícil, principalmente quando carregamos o peso da história nas costas. Mas estas mudanças são necessárias”, afirmou.

Obama falou na Casa Branca
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Obama falou na Casa Branca Doug Mills/Reuters
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Alan Gross, acabado de aterrar, no reencontro com a mulher, Reuters
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A imagem dos Cinco de Cuba (dois já tinham sido libertados) está espalhada pelo país Enrique De La Osa/Reuters
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O discurso de Obama na televisão da loja Gran Habano G.R. Tabacaleras, de Miami Joe Raedle/AFP
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Cubanos assistem ao discurso de Raúl Castro num restaurante, em Havana Enrique De La Osa/Reuters

“Hoje, os Estados Unidos estão a mudar a sua relação com o povo de Cuba.” Assim começou o Presidente Barack Obama a intervenção em que anunciou aos norte-americanos uma mudança radical nas relações com Havana que deverá conduzir nos próximos meses ao “restabelecimento total das relações diplomáticas” interrompidas desde Janeiro de 1961.

Afirmando que o embargo em vigor há cinco décadas “falhou todos os seus objectivos”, Obama disse não poder permitir que as “sanções norte-americanas sejam mais um peso para os cidadãos” de Cuba. Estas sanções, afirmou Obama, também “fracassaram em fazer avançar” os interesses norte-americanos em Cuba. “Hoje, Cuba ainda é governada pelos Castros e pelo Partido Comunista que tomou o poder há cinco décadas”, disse. Depois, lembrou outros países governados por comunistas com os quais os EUA têm relações: a China ou o Vietname, este um caso especialmente significativo por causa da guerra mortífera que opôs os dois países.

“Há muito tempo que eu estou preparado para mudar de políticas”, afirmou o líder norte-americano. No caminho, mantinha-se “um importante obstáculo”, a “detenção do norte-americano Alan Gross”, um trabalhador humanitário que aterrou numa base militar perto de Washington meia-hora antes de Obama começar a discursar.

Obama disse que já instruiu o secretário de Estado, John Kerry, para “começar imediatamente discussões para reestabelecer relações diplomáticas”, “reabrir uma embaixada em Havana” e “rever a designação de Cuba como um Estado que apoia o terrorismo”.

“Esta decisão do Presidente Obama merece o nosso respeito e o reconhecimento do nosso povo. Quero reconhecer o apoio do Vaticano, especialmente do Papa Francisco, para melhorar as relações entre Cuba e os EUA. Agradeço igualmente ao Governo canadiano por ajudar a realizar conversações de alto nível entre os dois países”, dizia, em simultâneo, em Havana, o Presidente Raúl Castro.

“O embargo que impusemos há cinco décadas está codificado em legislação”, disse ainda Obama, que espera “iniciar com o Congresso um diálogo honesto e sério para o levantamento do embargo”. Uma tarefa que não se avizinha fácil: “Este anúncio do início de uma mudança dramática na política dos EUA em relação a Cuba é apenas a última de uma série de tentativas falhadas do Presidente Obama para procurar a todo o custo a paz com regimes párias”, disse o senador republicano cubano-americano Marco Rubio. “Foi uma troca de espiões condenados por um americano inocente”, criticou o democrata Robert Menendez, líder do Comité de Relações Externas do Senado, igualmente cubano-americano.

Castro não deixou naturalmente de falar do embargo, notando que “apesar de este se ter tornado lei, o Presidente dos EUA pode modificá-lo através de acções executivas.”

O papel do Papa
O papel do Papa Francisco foi fundamental para assegurar a libertação de Gross, explicou também Obama. O chefe da Igreja Católica trabalhou igualmente para conseguir que Washington libertasse três ex-agentes dos serviços secretos cubanos, Ramón Labañino, Gerardo Hernández e Antonio Guerrero, os três que sobravam do grupo conhecido como os Cinco de Cuba (um foi libertado em 2011, outro em Fevereiro deste ano). “A sua transferência para Cuba está completa”, confirmou pouco depois do discurso de Obama o porta-voz do Departamento da Justiça, Brian Fallon.

As negociações dos últimos meses, que tiveram lugar no Canadá e envolveram “um grupo bipartidário de membros do Congresso”, resultaram ainda na libertação de um antigo agente dos serviços secretos norte-americanos “que reuniu informação crucial para o Governo” e que se encontrava detido na ilha há 20 anos. “Felicitamo-nos ainda com a libertação dos presos políticos cubanos”, disse. Havana decidiu libertar 53 prisioneiros que os EUA consideram presos políticos.

Enumerando as aberturas realizadas pelo regime cubano desde que Raul Castro substituiu Fidel no poder em Cuba, Obama felicitou-se “pelo maior acesso à Internet por parte dos seus cidadãos e por aumentar as suas relações com organizações internacionais, como a ONU e o Comité Internacional da Cruz Vermelha”.

“Orgulhosamente, os EUA apoiaram a democracia e a defesa dos direitos humanos em Cuba”, disse o Presidente norte-americano, avisando que se mantêm divergências difíceis de ultrapassar. “Os cubanos dizem ‘no es facil’, não é fácil. A mudança é difícil, principalmente quando carregamos o peso da história nas costas. Mas estas mudanças são necessárias”, afirmou. "Devemos aprender a conviver com as nossas diferenças", disse Castro.

Por outro lado, há muitas áreas onde os dois governos podem trabalhar, disse Obama, enumerando “a saúde, a imigração ou o combate ao tráfico de droga”, entre outras.

“Acredito no fluxo livre de informação. Infelizmente, as nossas sanções a Cuba limitaram o acesso dos cubanos a tecnologias que deram poder a indivíduos por todo o globo”, disse Obama. Com as mudanças agora anunciadas, as empresas de telecomunicações vão poder construir infra-estruturas em Cuba e será possível exportar para a ilha software de comunicações, hardware e aplicações.

“Não espero que as mudanças que estou a anunciar levem a uma mudança da noite para o dia na sociedade cubana”, disse ainda Obama. O essencial, sublinhou, é perceber que “os últimos 50 anos mostraram que o isolamento não funciona”. 

Somos todos americanos
Lembrando a população cubana de Miami e as famílias mistas, o Presidente norte-americano disse "a cidade de Miami só fica a 320 quilómetros da cidade de Havana”, lembrou Obama, explicando que, a partir de agora, “vai ser mais fácil para os americanos viajarem para Cuba, usar cartões de crédito e de débito”, ao mesmo tempo que vão “aumentar substancialmente as quantidades de dinheiro que se podem enviar para Cuba” e “ as transacções de empresas americanas serão facilitas” na ilha. 

"Somos todos americanos", disse Obama, em espanhol, antes de afirmar que espera ver Cuba em Abril na Cimeira das Américas, o sétimo de uma série de encontros que juntam os líderes na América do Norte, América Central, Caraíbas e América do Sul, marcado em 2015 para o Panamá.

De diferentes países americanos chegaram manifestações de regozijo. Juntos na cimeira da Mercosur, na Argentina, a anfitriã, Cristina Fernández, descreveu a aproximação de norte-americanos e cubanos como “uma notícia magnífica”, enquanto a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, sublinhou o papel de mediador do Papa. “Há que reconhecer o gesto de Barack Obama, a sua coragem, é talvez o passo mais importante da sua presidência”, afirmou o líder venezuelano Nicolás Maduro, sem deixar de se felicitar “pela libertação de três heróis” cubanos.

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