Conselho geral pediu e ministro demitiu administração da RTP por comunicado

CGI pediu convocação da Assembleia Geral, controlada pelo Estado, para destituir a administração por falta de qualidade do plano estratégico, que chumbou duas vezes. ERC reúne quinta-feira e deverá criticar tentativa de intromissão do Conselho Geral nos conteúdos.

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Alberto da Ponte garante que este cluster "não custa nada" à RTP Daniel Rocha

Não há retorno: vinte e uma palavras numa única frase chegaram para o ministro Miguel Poiares Maduro demitir, por comunicado, o conselho de administração da RTP, antes mesmo da realização da assembleia geral que foi pedida pelo órgão de supervisão do serviço público de rádio e televisão.

"O Governo enquanto titular da posição accionista do Estado actuará em conformidade com a proposta do Conselho Geral Independente (CGI) em cumprimento da lei”, afirmou o ministro esta quarta-feira ao fim da tarde em comunicado, em resposta ao pedido do conselho geral.

Trinta e seis minutos antes, o CGI anunciara que acabara de “propor ao accionista Estado da RTP, S.A. que, em assembleia geral convocada para o efeito, proceda à destituição do Conselho de Administração da RTP”. Sem qualquer justificação. O desfecho para o chumbo do plano estratégico da administração e a polémica com o negócio da compra da Liga dos Campeões que começara na segunda-feira foi o esperado, mas não se contava que acontecesse tão cedo.

Ao propor a destituição da equipa de Alberto da Ponte esta quarta-feira, o conselho geral antecipou-se à análise que a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social fará esta quinta-feira sobre uma eventual “violação grave [pelo CGI] da autonomia editorial”, a pedido dos cinco directores de informação e programação dos canais de rádio e de TV, por ter criticado o processo de compra da Liga dos Campeões por 15 milhões de euros para três épocas e exigido que devia ter sido informado.

O PÚBLICO apurou que o conselho regulador deverá considerar que o CGI extravasou as suas competências e criticar a sua actuação. A ERC, porém, não tem nesta altura qualquer poder de intervenção sobre o conselho geral – apenas fez a avaliação dos currículos dos membros nomeados para aquele órgão.

A administração da RTP recusou comentar o caso; questionado pelo PÚBLICO, o CGI não adiantou as razões. Mas o ministro Poiares Maduro confirmou ao PÚBLICO, através do gabinete, que a justificação apresentada pelo CGI foi o facto de já ter recusado, por duas vezes, por manifesta falta de qualidade, o plano estratégico apresentado pela administração.

Mas o conselho geral terá mais uma razão: a administração violou o “dever de colaboração e o princípio de lealdade institucional” com o CGI no caso da informação sobre a compra da Liga dos Campeões, diz este órgão. A equipa de Alberto da Ponte assinou o contrato com a UEFA sem informar o CGI e este só soube dez dias depois, pela imprensa.

A situação de afastamento entre os dois era “irreparável”, afirmou o seu presidente, António Feijó, membro escolhido pelo Governo. Termos que acabam por não ser nada inocentes: os administradores podem ser destituídos “quando cometam falta grave no desempenho das suas funções ou no cumprimento de qualquer outra obrigação inerente ao cargo ou deixem de preencher os requisitos necessários ao exercício das suas funções”, prevêem os estatutos.

Silêncio na RTP

Na empresa de serviço público, depois do anúncio, imperou o silêncio. Fonte da comissão de trabalhadores limitou-se a dizer ao PÚBLICO que aquele órgão “não ficou surpreendido com a destituição, que peca por tardia, porque o presidente e a sua administração desmantelou a RTP e pretendia acabar de desmantelar o serviço público de rádio e televisão”. O conselho de redacção da televisão tinha a reunião mensal prevista para esta quarta-feira mas adiou-a uma semana devido ao pedido dos directores à ERC, e também não se pronuncia ainda.

A assembleia geral da RTP é composta por representantes do gabinete de Poiares Maduro e do Ministério das Finanças – que a assessoria do primeiro não conseguiu identificar ao PÚBLICO. Na reunião, que deverá ocorrer nos próximos dias, além dos accionistas (o Estado), têm que estar os membros do CGI, da administração, do conselho fiscal e o revisor oficial de contas. Podem participar nos trabalhos mas não têm direito a voto. É expectável que a administração faça uma intervenção em sua defesa.

Ontem mesmo começavam já a ser comentados, no sector dos media, possíveis nomes para uma futura administração. Porém, é possível que o conselho geral independente, que tem agora a competência de escolher os novos membros da administração, adopte um regime diferente da simples nomeação, promovendo, por exemplo, uma espécie de consulta ou concurso público.

É que, segundo os estatutos, a escolha dos futuros administradores é feita “de acordo com um projecto estratégico para a sociedade proposto por estes”. Antes disso, é preciso que o CGI “defina e divulgue publicamente as linhas orientadoras” para a empresa que a administração terá depois que seguir e implementar. O plano que os administradores propuserem será depois periodicamente fiscalizado pelo CGI.

Maduro não passa incólume

Embora esteja fora do país no resto da semana e o assunto possa ser arrumado até lá, Miguel Poiares Maduro não passará incólume neste processo. Criador da nova estrutura de supervisão da RTP, de forma a “desgovernamentalizar” o serviço público - como sempre argumentou -, o ministro acabou por ser a mão que primeiro abriu a porta da rua à administração. Logo na segunda-feira, quando o CGI chumbou a segunda versão do plano estratégico apresentado por Alberto da Ponte, lembrou que a administração só se podia manter em funções com um plano aprovado; no dia seguinte disse que se o CGI propusesse a destituição não iria contra essa vontade.

Os atritos entre Alberto da Ponte, nomeado em 2012 por Miguel Relvas, e Poiares Maduro sucederam-se nos últimos meses. Discordaram sobre o destino do centro de produção do Porto, sobre o financiamento da RTP para este ano, mantêm um braço-de-ferro no contrato de concessão por causa do financiamento além de 2015 e que continua por assinar, a que se somou a extinção da direcção das antenas internacionais – vistas pelo Governo como estratégicas -, um novo organograma interno na empresa no mês passado e, por fim, a compra da Liga dos Campeões por 15 milhões de euros (quando a empresa procura ajuda bancária de 30 milhões para a reestruturação).

Oposição reage, coligação nada diz

No Parlamento, a deputada socialista Inês de Medeiros disse que o PS não toma qualquer parte no conflito entre a administração da RTP e o conselho geral independente e responsabilizou o Governo PSD/CDS-PP "pela confusão". Questionada sobre a proposta do conselho geral independente para a destituição da administração da RTP, Inês de Medeiros disse que o PS "foi bastante crítico da administração da empresa" e continua "muito preocupado com a forma como está a ser gerida", mas "não toma qualquer parte neste conflito".

"Na base deste conflito está a acção do próprio Governo, que mistura a questão do plano estratégico com a questão da compra dos jogos da Liga dos Campeões", acusou Inês de Medeiros. E criticou o ministro por se mostrar contra o negócio: "Há um mês o ministro achou que [a compra dos direitos da Liga dos Campeões] era uma boa opção. O que o levou a alterar a sua posição, tanto mais se esse é o seu fundamento da sua aceitação agora [da destituição da administração]?”

Citado pela Lusa, João Ramos, deputado comunista, considerou que o CGI "de independente não tem nada", limitando-se a seguir as "orientações” do Governo, e que o pedido de demissão é uma clara “governamentalização” do processo. Recordou que o PCP "tem sido muito crítico" sobre as opções da administração da empresa no que diz respeito "ao despedimento de pessoal e aos cortes na capacidade de produção de conteúdos" da RTP.

"Não é por acaso que é o ministro Marques Guedes que primeiro fala do assunto, no incómodo do governo com a posição do conselho de administração da RTP", sobre a compra dos direitos de transmissão dos jogos da Liga dos Campeões, acrescentou João Ramos, apontando o dedo: “O Governo imiscuiu-se naquilo que era uma decisão" que competia apenas ao conselho de administração.

O Bloco foi mais longe: além das críticas, já apresentou um requerimento para ouvir no Parlamento todos os protagonistas da história: administração, conselho geral e ministro Poiares Maduro. "A nossa posição hoje, tal como sempre foi, é da maior crítica e intransigência em relação a qualquer interferência directa ou indirecta do Governo na RTP", afirmou Mariana Mortágua.

Daí que a saída de Alberto da Ponte só seja uma “boa notícia” se isso vier a significar uma “aposta” no serviço público e na RTP enquanto empresa. “Caso seja para manter a mesma política de destruição do serviço público de rádio e televisão em Portugal, então, é mais do mesmo”, criticou a deputada bloquista. Mariana Mortágua frisou que o conselho independente é, afinal, "um conselho dependente do Governo" e a prova está no facto de ter pedido a demissão da administração, tal como o Executivo andou a dizer indirectamente durante vários dias.

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