Engenheiros e arquitectos: defender um princípio fundamental

Não se trata de qualquer “guerra”, como por vezes é referido publicamente, mas apenas de defesa de um princípio fundamental.

Até à entrada em vigor da Lei n.º 31/2009 (1/11/2009), os engenheiros civis em geral podiam, nos termos do disposto no Decreto n.º 73/73, elaborar projetos de arquitectura, com exceção daqueles que, por Lei, estivessem reservados aos arquitectos.

Ainda de acordo com o estipulado na referida Lei, a partir de 01/11/2009, apenas os profissionais de engenharia que comprovadamente tivessem elaborado e subscrito projetos de arquitectura que tenham merecido aprovação municipal, podiam, durante o período transitório de cinco anos, continuar a elaborar e subscrever esse tipo de projetos.

Ou seja, em oposição ao que tem sido veiculado publicamente, a prática de determinados atos de arquitectura por engenheiros civis não é generalizada aos engenheiros civis portugueses, mas, tal como consta da legislação específica, reservada a um grupo restrito de Engenheiros que, comprovadamente, desenvolveram e desenvolvem esses atos.

Trata-se, no fundo, de uma atividade profissional exercida por profissionais habilitados e cujas competências advêm não só da formação académica, mas também da formação ao longo da vida profissional, através do desempenho de forma continuada de atos de arquitectura durante muitos anos, com reconhecimento inter pares, e da formação contínua, obtida através de ações de formação específicas. Não se trata, portanto, de profissionais que surgiram de forma espontânea para a profissão.

Acontece que a Lei n.º 31/2009 enferma de várias insuficiências/incorreções. Por um lado, não incorpora qualquer preceito que salvaguarde os direitos adquiridos pelos engenheiros civis portugueses, quando se encontram previstos nas Diretivas Europeias, designadamente na Diretiva 2005/36/CE, herdeira da Diretiva Arquitectura (1985/86), do Conselho. Por outro, põe em causa expectativas adquiridas por estes profissionais que, ao fazerem opções na sua atividade profissional, há décadas atrás, o fizeram acreditando na estabilidade do regime jurídico da sua profissão.

Ora, a Proposta de Lei n.º 227/XII, em apreciação na Assembleia da República, também não contempla qualquer preceito que salvaguarde os referidos direitos daqueles engenheiros, o que significa que, a partir de 1/11/2014, os engenheiros civis, mesmo os que viram os seus direitos reconhecidos por Diretivas Europeias, correm o risco de deixar de poder exercer arquitectura em território nacional. Contudo poderão fazê-lo no estrangeiro.

A Ordem dos Engenheiros, após ter tomado conhecimento desta Proposta de Lei, e não se conformando com o seu conteúdo, nomeadamente no que concerne a este aspeto, apresentou a sua oposição e proposta alternativa de redação dos artigos em causa ao Presidente da Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas, tendo dessa sua posição dado conhecimento à Presidente da Assembleia da República e aos Presidentes dos Grupos Parlamentares.

No entender desta Associação Profissional, torna-se ilógico e injusto que profissionais altamente qualificados e que há dezenas de anos desempenham atos específicos relacionados com a arquitectura, possam agora vir a ser inibidos do exercício da sua profissão de sempre em território português, quando tal está previsto e determinado no âmbito da Diretiva Comunitária.

O não cumprimento, em território nacional, do que está consagrado a nível europeu, configura uma decisão inconstitucional, tanto mais que os engenheiros civis com diploma de outros países europeus, podem, de acordo com a Diretiva, exercer a atividade de arquitectura em qualquer país da Europa, incluindo Portugal, acentuando-se, deste modo, a injustiça relativamente aos seus colegas portugueses.

Sabemos que as condições de mercado não são favoráveis para uma discussão franca e leal. No entanto, o mercado não pode conduzir a que se inviabilize o exercício profissional a profissionais que, tendo feito uma formação superior que lhes garantia o direito a exercer determinados atos de arquitectura – tendo essa realidade constituído a base da sua carreira –, se verão alienados desse direito. Qual a justificação?

Não está aqui em causa o acesso à profissão de arquitecto por quem não tem competências específicas para o efeito, nunca a Ordem dos Engenheiros defenderia tal, mas sim de profissionais que, tendo a profissão de engenheiro e que durante anos elaboraram e subscreveram projetos de arquitectura, passam de uma situação com competência para o exercício de determinados atos, para a impossibilidade de fazer o que sempre fizeram.

Por último, saliento que não se trata de qualquer “guerra”, como por vezes é referido publicamente, mas apenas de defesa de um princípio fundamental, segundo o qual profissionais com competência técnica comprovada e com carreira construída numa área em que não havia massa crítica na arquitectura para a desenvolver, não podem ser forçados a abandonar a sua profissão, na qual tinham legitimamente ingressado.

Bastonário da Ordem dos Engenheiros

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