Provas da inflação inicial do Universo estão por um fio

A detecção das ondas gravitacionais primordiais em 2013 pode ter sido uma miragem. Mas se não for, a sua existência pode invalidar a “teoria da inflação” – aquela mesma que pretendia provar, conclui um estudo com participação portuguesa.

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No novo mapa do Planck, a “janela” de mira do BICEP (rectângulo preto na imagem da direita) fica numa região do céu austral mais turva do que previsto DR

Uma equipa de astrofísicos, cuja primeira autora é portuguesa, analisou as ondas gravitacionais primordiais detectadas, há pouco mais de um ano, e anunciadas como a prova da chamada “teoria da inflação” do Universo. E conclui, noticiou esta sexta-feira a revista New Scientist, que, ao contrário do que se pensava, as características desse sinal sugerem que a teoria da inflação – a ideia de que o Universo sofreu uma inacreditável expansão, logo após o Big Bang – poderá estar errada.

Recorde-se que, para detectar as ondas gravitacionais primordiais os ecos no espaço-tempo da expansão inicial do Universo , John Kovac, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (EUA), e colegas utilizaram o telescópio BICEP, instalado no Pólo Sul e concebido para observar os vestígios da luz emitida pelo Big Bang, que está hoje presente em todo o cosmos sob forma de microondas: a chamada radiação cósmica de fundo.

A ideia era que, se o Universo tinha sofrido uma expansão inicial – como prevê a teoria da “inflação”, proposta nos anos 60 para explicar a uniformidade do Cosmos em todas a direcções –, esse fenómeno deveria ter deixado alguma marca característica na polarização (difusão) dessa “luz” antiga que é a radiação cósmica de fundo. Foi portanto esse sinal – um padrão de polarização particular – que os cientistas do BICEP procuraram durante anos. E que o mundo saudou comovido, em Março de 2013, como a prova da existência de um curtíssimo período de quase inimaginável inflação cósmica quando o Universo ainda era uma pequeníssima “semente” de Universo.

Marina Cortês, investigadora do Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa a trabalhar no Observatório Real de Edimburgo (Reino Unido); Andrew Liddle, da Universidade de Edimburgo; e David Parkinson, da Universidade de Queensland (Austrália), publicaram informalmente a nova análise do sinal depois de, no início desta semana, um novo mapa da nossa galáxia – construído a partir dos dados recolhidos pelo satélite Max Planck da Agência Espacial Europeia – ter vindo pôr seriamente em causa a realidade das ondas gravitacionais primordiais detectadas pelo BICEP.

O telescópio espacial Planck foi lançado em Maio de 2009 com o objectivo de medir a radiação cósmica de fundo. Foi desactivado em 2013, mas os seus registos continuam a ser analisados. E o novo mapa, publicado na revista Astronomy & Astrophysics, mostra que não há ponto de mira, a partir da Terra, que permita ver o Universo sem atravessar massas de gases e poeiras presentes na nossa galáxia – e que turvam a visão.

Mais: revela que a região do céu para onde foi apontado o telescópio BICEP, que descobriu as supostas ondas gravitacionais primordiais, está longe de ser a região menos poeirenta no nosso cantinho, como os cientistas do BICEP pensavam. Ou seja: o sinal que eles observaram estava na realidade muito provavelmente “contaminado” por poeiras interestelares – e isso apesar das precauções extremas que tomaram para garantir que tal não acontecesse.

Sinal esvanecente
Vários especialistas já tinham posto em causa o resultado anunciado pelos cientistas do BICEP – invocando em particular a eventual presença de poeiras. E até os próprios autores da descoberta das ondas gravitacionais primordiais questionaram a sua descoberta quando a publicaram oficialmente, em Junho deste ano, na revista Physical Review Letters.

Os novos resultados do Planck transformaram agora essas dúvidas em quase certezas. “Infelizmente, segundo a nossa análise, os efeitos dos contaminantes e em particular de gases presentes na nossa galáxia não podem ser excluídos”, explica Carlo Baccigalupi, da Escola Internacional de Estudos Avançados de Trieste (Itália) e co-autor dos novos resultados vindos do satélite europeu, em comunicado da sua instituição.

Por isso, os cientistas do Planck e do BICEP estão neste momento a confrontar directamente os seus respectivos dados para tentar “cancelar” a parte do sinal devida às poeiras e dali extrair um sinal remanescente – se é que existe – do qual possam dizer que se deve apenas às ondas gravitacionais primordiais. Os resultados desta análise conjunta deverão ser publicados no fim de Novembro, lê-se na revista Nature.

Inflação ou não?
Pelo seu lado, Marina Cortês e os seus colegas quiseram responder à pergunta seguinte, explica a New Scientist: se se provar que o sinal não é apenas causado pela polarização da luz por poeiras presentes na nossa galáxia, será que o sinal remanescente corresponde ao tipo de ondas gravitacionais primordiais previstas pela teoria da inflação? E a resposta que obtiveram foi negativa.

“O que a teoria da inflação prevê”, diz Parkinson, citado pelo mesmo semanário britânico, “é exactamente o inverso do que nós encontrámos. Quantos modelos inflacionários ficam excluídos? Para ser franco, a maioria.”

O próprio Alan Guth, do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (EUA) e“pai” da teoria da inflação, já veio dizer pela mesma via que considera esta análise convincente – mas que não é por isso que vai abdicar já da sua teoria. “Vou esperar até à análise conjunta [do BICEP e do Planck] ser publicada” em Novembro, afirma.

E de facto, parece sensato esperar, uma vez que, se o sinal detectado pelo BICEP se desfizer em pó face aos do Planck…, os astrofísicos terão de voltar à estaca zero, tanto em termos da existência das ondas gravitacionais primordiais como das provas (ou contra-provas) da teoria da inflação.

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