Rússia contra-ataca com embargo e ameaça encerrar espaço aéreo

Resposta às sanções abrange Estados Unidos, União Europeia, Austrália, Canadá e Noruega.

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O embargo tem a duração mínima de um ano MAX VETROV/AFP

A economia russa estará a sentir os efeitos das primeiras sanções aplicadas em meados de Março pelos Estados Unidos e a preparar-se para um possível abalo no seu sistema financeiro devido às duras medidas anunciadas na semana passada pela União Europeia, mas a resposta do Kremlin indica tudo menos um recuo na sua política no Leste da Ucrânia.

A partir desta quinta-feira, e durante um ano, a Rússia vai limitar ou proibir a importação de vários produtos alimentares dos EUA e da UE, mas também da Noruega, do Canadá e da Austrália – em resumo, como deixou claro o Presidente Vladimir Putin, de "todos os países que decidiram impor sanções económicas a entidades e/ou indivíduos russos, ou que se tenham associado a elas".

Pelo menos até Agosto de 2015, as empresas destes 32 países (entre os quais Portugal) vão deixar de poder vender ao enorme mercado russo produtos como carne, peixe, marisco, vegetais, fruta e produtos lácteos, entre outros.


Mas a resposta de Moscovo pode não ficar por aqui, avisou o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev. Para além de ter anunciado o encerramento do espaço aéreo russo às companhias ucranianas, o Governo não afastou a hipótese de fazer o mesmo às operações de todas as companhias aéreas dos EUA e da UE que tenham como destino a Ásia – uma eventual interdição do sobrevoo da Sibéria, por exemplo, teria custos muito elevados para as companhias norte-americanas e europeias.

A estratégia russa é mostrar aos EUA, e muito particularmente à União Europeia (com quem mantém laços económicos muito mais fortes), que todos perdem pela via das sanções económicas.

"Espero que o pragmatismo económico dos nossos parceiros prevaleça sobre as más decisões políticas, e que eles comecem a pensar antes de tentarem assustar a Rússia com a imposição de restrições", disse Medvedev, tentando sempre jogar no seu discurso com os interesses económicos europeus e apostando numa divisão entre os principais países da UE – é pública a troca de acusações entre o Reino Unido e a França, por exemplo, com Londres a condenar o negócio de venda de navios militares à Rússia e Paris a acusar os britânicos de hipocrisia por albergarem muitas das maiores fortunas de oligarcas russos.

A decisão de Moscovo implica também uma estratégia de aplicação de sanções por fases, à semelhança do que tem sido feito pelos EUA e pela UE – primeiro a limitação e proibição da compra de produtos alimentares; depois o possível encerramento do espaço aéreo às companhias norte-americanas e europeias; e, por último, "medidas proteccionistas sobre a construção de aeronaves, navios, automóveis e outros sectores", disse o primeiro-ministro russo.

As medidas proteccionistas promulgadas na quarta-feira pelo Presidente Vladimir Putin, e detalhadas nesta quinta-feira por Dmitri Medvedev, deverão ter como resultado um aumento da taxa de inflação na Rússia, mas o ministro da Agricultura, Nikolai Fiodorov, considera que não haverá problemas a médio e a longo prazo – citado pela agência Reuters, o responsável disse que a falta dos produtos norte-americanos, europeus e australianos será compensada com o aumento das compras a países como o Brasil e a Nova Zelândia.

O economista Abdolreza Abbassian, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, considera que "a primeira vítima será o mercado doméstico", ou seja, os consumidores russos. No entanto, salienta Abbassian, as sanções anunciadas por Moscovo "terão algumas consequências para os agricultores nos países produtores".

Segundo o relatório da Comissão Europeia relativo a 2013, a Rússia continua a ser o segundo maior destino de produtos agro-alimentares europeus, com uma quota de quase 10%, apenas ultrapassada pelos Estados Unidos, com 13%. No total, as compras da Rússia à UE deste tipo de produtos totalizam 11 mil milhões de euros por ano. No outro extremo estão os EUA, cuja venda de produtos agro-alimentares para a Rússia representa apenas 0,8% do seu total de exportações.

Na Europa, as sanções da Rússia estão a ser denunciadas como uma medida "claramente motivada por razões políticas", declarou Frédéric Vincent, porta-voz da Comissão Europeia para as questões relacionadas com a Saúde.

"Queremos sublinhar que as medidas restritivas aplicadas pela União Europeia estão directamente relacionadas com a anexação ilegal da Crimeia e com a desestabilização da Ucrânia. Todos devem unir-se à volta deste esforço. Após uma avaliação completa das medidas da Federação Russa, reservamo-nos o direito de tomar as medidas apropriadas", lê-se no comunicado assinado pelo porta-voz.  

Segundo o Financial Times, a Finlândia foi o primeiro país da UE a indicar que não estará disposto a assumir todas as consequências das sanções decretadas pela Rússia. Poucas horas depois do anúncio do primeiro-ministro Dmitri Medvedev, o seu homólogo finlandês, Alexander Stubb, disse que o seu país deverá ser compensado por "quaisquer perdas desproporcionadas".

Na Rússia, as reacções reflectiram o fervor nacionalista que o país vive desde a anexação da Crimeia, mas também há vozes dissonantes, como se depreende de uma recolha feita pela BBC.

No jornal Komsomolskaia Pravda, o analista político Vitali Tretiakov escreve que a Rússia "tem pessoas e terra suficientes, pelo que é capaz de se sustentar a si própria".

"É por isso que estas sanções só vão ter como resultado a recuperação das nossas zonas rurais", considera Tretiakov.

Já o escritor Viktor Erofeiev usa o mesmo argumento da alegada auto-suficiência para criticar as sanções decretadas pela Rússia. "Estamos a ficar parecidos com a União Soviética, onde uma pessoa tinha de andar de loja em loja para comprar apenas queijo russo", escreve Erofeiev.

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