“O único motor de crescimento da economia a longo prazo é a criação de empresas”

Ilian Mihov, reitor do Insead, acredita que Portugal pode conseguir, um dia, crescer 10% ao ano se conseguir criar o ambiente certo para estimular a criação de novos negócios. Defende que a consolidação orçamental era inevitável e só possível de duas maneiras: ou a dolorosa, ou a mais demorada.

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Nuno Ferreira Santos

O búlgaro Ilian Mihov, 47 anos, assumiu a liderança do Insead há oito meses, depois de quatro anos como reitor de forma interina.

Numa conversa em Lisboa, à margem da conferência anual de líderes daquela escola de gestão – onde se prestou homenagem a António Borges – defendeu que o crescimento da economia portuguesa pode ser acelerado pela criação de novos negócios. Defende a actuação do Governo português e a sua estratégia de consolidação orçamental e diz que a Europa vivia acima das suas possibilidades. O Banco Central Europeu, defende, terá avançar para uma política de criação de liquidez quantitativa (quantitative easing). Quanto ao ensino da gestão, registou mudanças no perfil de alunos nos últimos anos: cada vez mais focados no empreendedorismo.

Assumiu o cargo de reitor do Insead há cerca de oito meses. Como está a correr a experiência?
Tive duas surpresas. A primeira foi a rede de antigos alunos. É absolutamente espantosa a quantidade de pessoas que o Insead tem espalhadas pelo mundo e o quão longe essas pessoas chegaram. Como professor, geralmente não temos essa noção. Os alunos estão na sala de aula e perdemos o contacto. A segunda surpresa teve a ver com a história da escola. Não pensamos nisso muito, mas o Insead criou muitas disrupções na educação da gestão. Criámos o primeiro programa de formação com a duração de um ano, o primeiro MBA da Europa e desde o primeiro dia quisemos ser uma escola internacional. Agora, todos perguntam o que vamos fazer a seguir (risos).

Era precisamente a minha próxima pergunta. Quais são, agora, as prioridades do Insead?
Um dos meus grandes objectivos de futuro é criar uma comunidade de aprendizagem global, ligando os antigos alunos à escola, baseada na excelência académica que, por sua vez, está suportada em três factores: o ensino da excelência e da qualidade, a aprendizagem da inovação e a investigação de excelência. Queremos que a escola continue a ser disruptiva e temos de criar um ambiente com uma operação muito eficiente. Uma das oportunidades que identificámos é a digitalização da educação.

Refere-se ao ensino online?
Sim, mas não só. Estamos a trabalhar em algo que iremos anunciar no final do ano lectivo. Gravamos parte da aula, cerca de dez minutos, os alunos vêem o vídeo e nas aulas há apenas a discussão. Levamos parte da experiência para fora da sala de aula.

Qual é o perfil actual dos gestores que frequentam os programas? Houve mudanças?
A maior mudança tem a ver com aquilo que os executivos querem fazer, os seus objectivos. É um fenómeno global e há uma viragem muito forte em direcção ao empreendedorismo. Querem criar a sua própria empresa, mesmo os que trabalham em consultoria. Muitos deles acabam por avançar.

Portugal tem algum peso, enquanto mercado, para o Insead?
É um mercado muito importante. Tem sido uma grande fonte de estudantes e alguns dos nossos alunos mais proeminentes são portugueses, como o António Orta Osório (Lloyds Banking). Nos últimos anos, Portugal passou por um período difícil e notámos uma quebra, mas muitos dos alunos querem fazer coisas, são muito criativos e inovadores. Acredito que a partir de agora haverá mais alunos.

Quando a crise acabar?
Acho que os tempos difíceis ficaram para trás. Os dados mais recentes mostram um crescimento suportado pelas exportações e é isso que queremos. Há três anos discutíamos a saída do euro, sobretudo a propósito da Grécia, mas não é isso que aumenta as exportações. Muitos países depreciaram a moeda e continuam com um défice da balança comercial. A solução é mudar a estrutura da economia e garantir que seja mais competitiva. Parece que Portugal está no caminho certo.

O que pensa sobre a forma como as autoridades europeias e o FMI lidaram com a crise nos países periféricos da zona euro?
É uma pergunta muito difícil. A verdade é que foi preciso avançar com uma correcção orçamental nestes países. Durante mais de uma década, a Grécia pediu emprestado e algum dia tinha de parar e pagar a dívida. A consolidação orçamental tinha de acontecer. Pode é questionar-se se aconteceu da melhor forma. No caso de Portugal, penso que o Governo está a fazer o que é correcto. Nestes casos, não há muitas maneiras de o fazer: ou da forma mais dolorosa, ou da forma mais demorada. É preciso cortar nas despesas e penso que em termos globais – não se trata apenas de Portugal, Espanha, Itália ou Grécia – é preciso perceber que vivemos além das nossas possibilidades. Prometemos muito em termos de benefícios de saúde e reforma, mas não é sustentável. Temos de ajustar.

E foi preciso esperar pela crise para resolver o problema?
Ninguém quer ser o mau da fita, aquele que implementa as medidas duras. O que é mau.

Os resultados macroeconómicos até podem ter evoluções positivas, mas essa realidade demora até ter reflexos na vida das pessoas.
Compreendo isso perfeitamente. Quando pensamos no que será a mudança, estamos a falar de um crescimento de 2 a 3% ao ano. A nível individual, isso não é nada. Ouvimos alguém dizer que começámos a crescer, mas é a este nível, com pequenos passos. E as pessoas, claro, desiludem-se. Leva tempo. Não acredito que Portugal cresça 10%.

O que é preciso para que cresça a esse nível?
A primeira coisa que os governos devem reconhecer é que o único motor de crescimento a longo prazo é a criação de empresas. Sem empresas, não há empregos. Por isso, criar um ambiente que facilite o nascimento de novos negócios é fundamental. Em Portugal há pessoas muito inovadoras e criativas, não é uma sociedade fechada. Se houver o ambiente certo, penso que o crescimento pode chegar aos 10% durante vários anos.

Mas com a crise muitos portugueses qualificados deixaram o país. E isso aconteceu não só em Portugal.
Se houver oportunidades, se os ajudarmos, eles ficam. Um antigo aluno francês decidiu criar a sua empresa no Brasil. As boas condições locais podem travar a fuga de cérebros.

Na Europa, estamos a caminho de um período de estagnação secular?
Depende do que o Banco Central Europeu (BCE) fará. Fico um pouco perplexo com a lenta reacção do BCE e, hoje, quando olho para a Europa, lembra-me o Japão. O que aconteceu está a passar-se na Europa. Há muitos sinais semelhantes e um deles, por exemplo, é que o iene começou a valorizar em 1993 e a economia estava a encolher e não a crescer. O iene tornou-se mais caro. Porquê? Devido à deflação [queda de preços]. Quando há deflação os preços baixam, e se baixam, os estrangeiros compram mais produtos japoneses. Logo, a moeda valoriza. É muito semelhante ao que se passa na Europa.

O BCE tem sido demasiado complacente em relação à deflação?
Penso que sim. Mario Draghi parece agora mais determinado e provavelmente, a dada altura, vai avançar para uma política de criação de liquidez quantitativa (quantitative easing). Mas os europeus sempre foram muito mais lentos a reagir do que os Estados Unidos. Os EUA reagem imediatamente.

E as medidas mais recentes do BCE são suficientes para resolver o problema?
Penso que terão de avançar para o quantitative easing. A taxa de juro negativa é interessante mas duvido que seja suficiente.

Que papel desempenhou António Borges na sua carreira?
Para ser honesto, quando fiz o meu doutoramento em economia em Princeton não conhecia o Insead. Recebi um telefone para uma entrevista e pensava que era o gabinete francês de estatísticas (risos). Era muito céptico. Nos departamentos de economia, geralmente não se gosta de ir para gestão. Nem para a Europa. Quando me encontrei com o António, que também era economista, disse-me que compreendia o cepticismo mas garantiu-me condições para fazer investigação académica. Desde os anos 1970 que o Insead quer investir na investigação mas tem sido difícil. O modelo da escola na altura não o permitia e o António foi o primeiro a dizer: temos de apostar na investigação.

A criação do campus de Singapura foi a maior iniciativa de António Borges enquanto reitor?
Ele mudou muitas coisas, colocou a escola num nível verdadeiramente global. A aposta na investigação foi o seu maior contributo. Permitiu-nos chegar ao nível das melhores escolas de gestão. A estratégia não foi bem aceite por todos. O campus de Singapura também foi importante. Além disso, ele percebeu que uma escola de sucesso não pode sobreviver sem angariação de fundos. Fomos a primeira escola fora dos Estados Unidos a fazer uma campanha. com Sérgio Aníbal

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