Quadratura do círculo?

Os meios de comunicação social adoram sound bites. Numa economia de mercado, isso significa que têm procura. Em Portugal, dois dos principais fornecedores desse tipo de “mercadoria” são Belmiro de Azevedo (BA) e Alexandre Soares dos Santos (ASS) que parecem estender ao domínio mediático a rivalidade comercial.

Ambos se pronunciaram, recentemente, sobre a eventual evolução dos salários. O primeiro comparou os nossos salários com os vigentes na Alemanha, condicionando o eventual aumento a melhorias na produtividade. O segundo, assumiu não serem os salários um problema em Portugal e que salários baixos não motivam ninguém a trabalhar mais – pedindo, em contrapartida, mais flexibilidade nos despedimentos. Simplifico talvez a roçar os tais sound bites… Não tenho dúvidas que ASS sabe que a produtividade condiciona os salários, assim como BA sabe que a motivação dos trabalhadores é essencial para alcançar níveis de produtividade adequados. Tal como ambos concordam que seria bom se houvesse condições para os salários serem mais altos. E quais seriam?

As declarações de ASS sugerem que, em algumas empresas, já haverá espaço para um aumento. Há quem o associe ao surto exportador. A prudência e a ciência económica, que neste caso coincidem, recomendam que se escrutine os dados. Não é óbvio que o simples facto de aumentarem as vendas (exportações) se traduza numa melhoria da situação das empresas: pode-se estar a conquistar mercados à custa de preços mais baixos e esmagamento das margens. Os dados da Central de Balanços do Banco de Portugal não são completamente conclusivos. Mas, ainda que haja uma melhoria, a dita prudência, alicerçada em vários relatórios internacionais (um do FMI!), sugere que estas melhorias não podem ser dadas como adquiridas.

O desafio será aproveitar a eventual melhoria conjuntural da situação das empresas para aumentar as remunerações, sem deixar de preservar a flexibilidade de ajustamento, no caso de não sustentação dos ganhos. Uma alternativa passaria por ser algo modesto no incremento da remuneração fixa de base e, ao mesmo tempo, introduzir uma componente variável indexada aos resultados. O centro deste processo negocial deslocar-se-ia para a empresa. Requerer-se confiança entre as partes. A Ordem dos Técnicos de Contas teria um papel decisivo na garantia da credibilidade das contas. O reforço das exigências deontológicas do respectivo código de conduta seria um bom sinal.

Estudos recentes consideram que o sucesso alemão reside, muito, nesta capacidade de trazer a concertação para o domínio empresarial. Se este processo tivesse êxito, seria expectável haver uma diminuição da economia informal, permitindo um aumento da receita fiscal e, a prazo, a sua melhor repartição, deixando de penalizar quem cumpre. Um processo virtuoso, em que se conseguiriam conciliar os objectivos de vários agentes económicos: trabalhadores, empresas, Estado. Não será a quadratura do círculo mas, ainda assim, é uma ideia que talvez valha a pena discutir! Ou não?

Docente da Faculdade de Economia e Gestão e director do CEGEA - Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Universidade Católica Portuguesa, no Porto

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