O PÚBLICO, os jornais e a liberdade

1 – Um amigo meu, aliás, antigo companheiro de outras rotas dentro da própria redacção de um jornal, dizia-me a propósito da minha última crónica, “O provedor e o 25 de Abril”, o seguinte: "Você, a partir de considerações que a data invocada traz em relação à liberdade de imprensa e aos compromissos daí derivados na defesa da democracia, não escreveu considerandos sobre o provedor e o seu papel. Escreveu uma carta aberta aos jornalistas."

Este comentário, agora divulgado em espaço público, como é o desta coluna, pode comportar para outros leitores uma insinuação: por falta de coragem atribui aos meus deveres e compromissos o que queria dirigir a outros, aos jornalistas. De facto, às vezes vêm-me dúvidas sobre o que em linha de temas e problemáticas cabe numa coluna assinada pelo provedor do Leitor do PÚBLICO. Devo confessar que, embora entenda este espaço com delimitações específicas e que não é uma coluna totalmente aberta como outro qualquer artigo de opinião, não tenho também uma concepção restritiva aos conteúdos destas crónicas. Não interpreto desse modo o programa de acção que me traça o Estatuto do Provedor do PÚBLICO, nem tão-pouco certas orientações da ONO (Organisation of News Ombudsmen), que recomenda ao provedor o papel de “ajudar os jornalistas a ser mais acessíveis e escrutináveis pelos leitores e pelos membros da audiência e a tornarem-se assim mais credíveis” e “incrementar a consciência dos profissionais de informação sobre as preocupações do público”. Ora, o meu entendimento claro é este: não é por ter a designação de provedor do Leitor que me considero só do lado destes. Estou de um lado e de outro. Também, e bem, implicado no comportamento dos jornalistas.

Por outro lado, recuso-me a ser apenas um “despachante” das cartas dos leitores a pedir esclarecimentos, a apresentar queixas, reclamações ou até elogios. Por isso, hoje, o sentido desta crónica é dirigir uma carta aberta aos leitores do PÚBLICO, dos jornais.

2 – Provavelmente, agora com maior atenção aos indicadores de tiragens e índices de penetração no universo de leitores de jornais do que aquela que dedicava às audiências dos media audiovisuais, a leitura dos últimos dados revelados esta semana pela APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragens e Circulação – chocou-me. Aliás, um meu colega destas áreas de estudos, em que é um considerado especialista internacional, J.M. Nobre-Correia, colaborador do Diário de Notícias, no seu último artigo considerava esses dados “calamitosos” para uma sociedade que se quer democrática. Na totalidade da venda de jornais diários entre 2013 e 2014 (de que ainda não vamos a meio) há uma quebra de 10.857 jornais. Obviamente, não me cabe aqui uma análise geral aos outros jornais. Por funções, devo ater-me ao PÚBLICO. Aliás, nesta quebra quase geral, o PÚBLICO, não obstante a sua quota de mercado de 7,9% em relação ao bimestre (Janeiro, Fevereiro), a que se referem estas dados, tem uma subida de 2% no aumento de vendas. E também é de considerar a sua relativa expansão online. Mas o que é verdadeiramente alarmante é que, exceptuando o campeão das tiragens, o Correio da Manhã, em relação aos anos anteriores e  nem é preciso aludir aos “gloriosos” anos 60, todos os jornais baixam de forma gravemente acentuada as suas tiragens, a que nem escapam o semanário Expresso ou os próprios desportivos.

Não bastam os argumentos simplistas de que tais números reflectem os sinais dos tempos. Um avanço dos novos suportes digitais, por via Internet (que também já foi maior no próprio centro mundial desta nova era, os EUA), com via de acesso rápido e múltiplo aos vários sites ou edições digitais dos próprios jornais (caso actual do PÚBLICO), sobretudo por parte das novas gerações ou daquelas de alfabetização digital. Ou então, no inverso, de que os jornais, em papel, saem uma vez por dia, não “imprimem” a informação hora a hora, no imediato, e, concebidos principalmente como suportes de opinião, são um fastiento espaço de troca de opiniões, onde os mesmos falam com os mesmos, num resultado, como diz Franco Rositi, de taxa zero. Ou então, que a televisão ou a rádio estão sempre aqui e agora, ao contrário da imprensa escrita. Aliás, por razões comerciais e estratégicas esconde-se que as audiências dos audiovisuais globalmente também baixam. Por outras vias, também será interessante estar atento aos resultados da tese de doutoramento em preparação na Universidade do Porto por parte da socióloga Marta Serra Lima, para perceber quem é que, no campo informativo, influencia mais a agenda diária – a imprensa escrita diária ou o jornalismo televisivo. Talvez alguns dados desta análise expliquem um outro argumento válido para justificar a quebra na compra ou assinatura de jornais, a profunda crise financeira e económica que atrofia grande parte da nossa população, o que leva a evitar despesas “desnecessárias” (?), como seja a compra de jornais. Parece evidente que esta crise também impulsiona o mimetismo, sem direitos de autor, entre os dois campos mediáticos, o audiovisual e o escrito.

3 Sem negar a suprema utilização e enorme benefício de uma informação digital à mão de um simples clique no teclado do nosso computador, ou tablet, e talvez sem escapar à acusação de outros de que ainda sou um velho da geração do papel, não embarco facilmente na dedução de que esta quebra na aquisição de jornais, aliás, secundada na fraca compra ou leitura de livros, na alarmante redução de assistência nos cinemas, é apenas o apogeu de uma nova era, a era digital. Estes dados reflectem também um comprometedor abaixamento dos níveis culturais de uma população, pois, dados destes fracos consumos, proporcionalmente nem podem ser assacados àqueles nossos cidadãos que contam os euros para comer e viver. É a demonstração de uma curva civilizacional que vivemos, em que impera o mediato, o descartável. Tenho consciência clara de que esgotei os caracteres do espaço a que tenho direito sem explicar por que estes indicadores são perda de níveis culturais. Deixarei isso para outra ocasião.

De qualquer modo, relevo o sentido do apelo aos leitores. Não deixem morrer os jornais. Em cada dia tragam um novo amigo, um novo parceiro de leitura, de aquisição em papel ou digital. Os jornais livres e independentes que, sem dúvida, terão de rever em muitos pontos as suas estratégias comunicacionais, são um sinal e um garante da nossa liberdade. Ao poder, aos poderes, que atrofiam as formas de democracia convém muito mais o imediatismo da hora que passa, da notícia que morre rapidamente do que um jornal a explicar o que acontece e por que acontece.

 

CORREIO LEITORES/PROVEDOR

Um leitor, através do seu blogue, O Golfe das Catifarras, reenvia-me a seguinte mensagem: “Louvo a coragem do jornalista Paulo Pena ao citar a maçonaria, palavra proibida no léxico jornalístico. Bravo!” Artigo “O pai, o filho, a maçonaria e as suspeitas”, PÚBLICO, 01/05/2014, pp.13.

Comentário do provedor: O elogio tem todo o cabimento.

 

Muitos leitores escrevem-me a lamentar as novas formas de publicidade a que o PÚBLICO, hoje por hoje, recorre, como encartes comerciais, mecenatos, reportagens com despesas a coberto de empresas ou marcas.

Comentário do provedor: Já em textos anteriores me referi a isto. Mas, hoje, peço que leiam o que digo na crónica ao lado e que tomem muito a sério o levar à prática o desejo que têm de não ver o PÚBLICO em quebra. As novas formas de publicidade devidamente indicadas, como é preceito do PÚBLICO, são novas formas de subsistência.

 

Tenho grande expectativa e esperança no I Encontro Nacional de Jornais Escolares, promovido pelo PÚBLICO e pela Direcção-Geral de Educação – GE,  integrado no evento que decorre esta semana 7 Dias com os Media, ontem realizado em Espinho. Voltarei a este assunto. Ler jornais é saber mais.
 

 

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