Sindicatos da CGTP e UGT ensaiam convergência inédita fora das centrais

São 19 das mais importantes estruturas representativas dos trabalhadores – dos têxteis aos professores, dos médicos aos estivadores – e querem defender a Segurança Social pública apesar do clima de “divisão” no movimento sindical.

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UGT e CGTP não responderam ao convite, mas os seus secretários-gerais já recusaram estar presentes José Sarmento Matos

Há vários meses que os encontros decorriam, mas só no último dia 14 de Fevereiro, numa reunião no Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes (SITRA), no Largo do Corpo Santo, em Lisboa, é que os sindicatos avançaram. Um conjunto de estruturas afectas à CGTP e à UGT, e várias outras, independentes, decidiram realizar um encontro “em defesa da Segurança Social pública”, à revelia das confederações lideradas por Carlos Silva e Arménio Carlos. Pode parecer pouco, mas é a primeira vez que acontece em Portugal, garantem os sindicalistas, desde que existem duas centrais sindicais.

No próximo sábado, 5 de Abril, na Escola Secundária de Camões, em Lisboa, quase 38 anos depois da cisão na CTP, que levou à fundação da UGT, vai ser tentada uma “unidade na acção”, para algo mais do que o protesto. É um “acto de ousadia e tem um significado político importante”, garante o politólogo André Freire.

Estes 19 sindicatos que promovem o encontro discutiram, durante vários meses, a possibilidade de juntar as duas centrais na organização deste encontro. No início era essa a sua intenção, uma vez que consideravam “desejável” envolver as duas cúpulas no debate. Chegaram à conclusão que isso seria impossível. A “diferença de opiniões” prevalece entre as direcções da CGTP e da UGT, adianta Carlos Trindade, um dos organizadores.

Outro dos organizadores, António Avelãs, do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, explica que as duas centrais foram formalmente convidadas a associarem-se ao encontro, “mas não deram resposta”. Os dois secretários-gerais, Arménio Carlos, da CGTP, e Carlos Silva, da UGT, recusaram estar presentes na conferência. O mesmo aconteceu com alguns sindicatos. Um deles, o dos trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos, chegou a envolver-se na preparação da conferência mas, à última hora, recuou.

“Houve alguma tensão”, sobretudo na CGTP, admite Carlos Trindade, “mas apesar de tudo disseram-nos que respeitavam a capacidade de iniciativa destes sindicatos”. 

As divergências entre as duas centrais são bem conhecidas. Mas Tiago Fernandes, professor de Ciência Política na Universidade Nova de Lisboa, acredita que a crise actual pode levar “a uma reconfiguração” das velhas clivagens que sempre se traduziram, no movimento sindical, a uma aliança do PS com o PSD (UGT) e a uma oposição maioritariamente comunista (CGTP). “Com a deslocação do PSD para a direita”, continua Tiago Fernandes, “abre-se um espaço de entendimento entre a esquerda”.

Sinais disso são as recentes declarações do líder da UGT sobre a continuidade do diálogo da central com o Governo: “Não faz sentido continuarmos a manifestar disponibilidade para discutir, para dialogar e para irmos para a concertação quando da parte do Governo não há uma clara intenção ou, pelo menos, uma total disponibilidade de abertura.”

André Freire acrescenta que o “desequilíbrio no sistema partidário, em que a esquerda se mostra incapaz de cooperar, tem uma tradução no movimento sindical. Essa divisão explica-se por razões históricas e teve aspectos positivos. Mas o desentendimento enfraquece o movimento dos trabalhadores e bloqueia a existência de alternativas.”

Neste grupo estão sindicalistas de várias origens: PCP, PS, Bloco, e outros que também estão ligados a experiências de “reconfiguração” política, como o Congresso Democrático das Alternativas.

O que estes 19 sindicatos concluem é que pelo menos na defesa da Segurança Social pública “a divisão não faz sentido”, destaca António Avelãs. Neste tema, “os sindicatos têm a obrigação de estar juntos”. Carlos Trindade garante que é isso que as bases reclamam: “O que as pessoas querem é união e convergência. Por isso assumimos esta iniciativa.”

“Não temos a pretensão, nem queremos, anular as diferenças entre as centrais; nem queremos caminhar para uma fusão entre elas”, esclarece Avelãs. Trata-se apenas de “recuperar o atraso perdido” numa questão “central” para os trabalhadores: pensões e Segurança Social.

“O tema não podia ser mais actual”, sublinha André Freire. Trata-se, nas palavras de Carlos Trindade, “de um momento decisivo, em que o Governo faz um dos maiores ataques à Segurança Social desde o 25 de Abril.” Além das alterações à fórmula de cálculo das pensões e do aumento da idade da reforma, o Governo estuda, como demonstrou a polémica da última semana, outras formas de poupança no sistema. 

Eugénio Rosa, ex-deputado do PCP, especialista em sustentabilidade da Segurança Social, garante que estes debates “são absolutamente necessários”. Embora recuse comentar o encontro marcados pelos 19 sindicatos, o economista defende que devem ser discutidas alternativas ao actual sistema como a “mudança no cálculo das contribuições das empresas”. 

É precisamente por esse ser um ponto “pouco central”, na opinião de António Avelãs, no discurso das centrais, que este encontro ganhou premência: “Há pouca formação sólida nos sindicatos para debater a sustentabilidade da Segurança Social em termos técnicos”, reconhece. “Por isso é importante recuperar o tempo perdido.” Ou, como garante Carlos Trindade, “a realidade interpela-nos”.
 
Estivadores, médicos, professores, operários têxteis e funcionários dos impostos
A lista de promotores é bastante abrangente. Muitos dos sindicatos representam trabalhadores públicos (FNAM, SPGL, SFJ), outros são bastiões “operários” (pescadores, têxteis). Da UGT, os mais representativos são o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes e o das Comunicações e dos Media.

Da CGT, o sindicato mais forte é o dos Professores da Grande Lisboa. Mas há também organizações que não estão filiadas em nenhuma das centrais sindicais, como a Federação Nacional dos Médicos, os Estivadores, os Funcionários Judiciais ou os Trabalhadores dos Impostos. 

Na conferência que organizam, que vai decorrer durante todo o dia, no próximo sábado, na Escola Secundária de Camões, em Lisboa, vão estar presentes o ex-ministro do Trabalho do PS, José Vieira da Silva, o investigador e coordenador do grupo de trabalho da Segurança Social do Congresso Democrático das Alternativas, Henrique Sousa, o economista Ricardo Paes Mamede e Ulisses Garrido, que integrou a direcção da CGTP-IN nos mandatos de Carvalho da Silva, e agora dirige o Centro de Formação do Instituto Sindical Europeu, em Bruxelas. A lista completa de subscritores e o programa da conferência pode ser lido em www.pensoes.blogspot.pt.

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