Fim dos saldos é bom para os grandes, mas penaliza os pequenos
Governo defende que não cabe ao Estado decidir datas específicas para fazerem reduções de preços. Comércio dividido.
Para o pequeno comércio, é “concorrência desleal” e vai deixar os consumidores confusos. Para o grande comércio, uma resposta ao que os clientes querem. O anúncio do fim da época oficial dos saldos, uma das muitas propostas que constam no novo Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração (RJACSR), não foi recebido da mesma forma pelos empresários.
A Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) aplaude a iniciativa e Ana Isabel Trigo de Morais, directora-geral, diz mesmo que é preciso “um quadro legal que dê resposta ao que os consumidores procuram”. “Com esta hipersensibilidade ao preço, [para os consumidores] o melhor valor é a melhor proposta. Nesse sentido, a APED apoia as iniciativas do Governo de simplificar a relação das empresas com a administração pública”, afirmou. O novo regime chegou, terça-feira, à Assembleia da República e prevê não só o fim das datas pré-definidas para a venda em saldos, mas também a eliminação ou redução de taxas de licenciamento comercial e a total liberalização de horários. “Achamos que é um primeiro sinal de simplificação e diminuição de custos de contexto, que acreditamos poder continuar”, defendeu Ana Trigo de Morais.
Contudo, a notícia não foi bem recebida pelo pequeno comércio. A confederação do sector já tinha apontado o dedo ao desequilíbrio que o fim dos saldos pode provocar, pondo em desvantagem as empresas mais pequenas, com uma menor capacidade de resposta em comparação com o grande retalho. Carla Salsinha, presidente da União das Associação de Comércio e Serviços (UACS), fala mesmo em “concorrência desleal”, já que um comerciante pode estar a fazer descontos de 70% num determinado produto que, na loja ao lado, está à venda pelo preço normal. “Nos saldos pode-se vender abaixo do preço de custo, ao contrário do que sucede nas promoções. Com esta proposta, podemos colocar um produto novo abaixo do preço de custo, o que é totalmente desleal”, sustenta. As grandes cadeias “têm uma capacidade que o microcomércio não tem”, nomeadamente na negociação de preços.
Carla Salsinha não esconde que a associação, que faz parte da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), ficou surpreendida com a proposta, já que “tinha tido um parecer negativo por parte da CCP, que o Governo ignorou”. “Temos um ministro da Economia e um secretário adjunto da Economia amigos das micro e pequenas empresas e espanta-me esta iniciativa”, admite. Além disso, continua, acabar com a época de saldos também penaliza os consumidores. “Na moda, por exemplo, sabemos que as lojas estão agora a apresentar a colecção de Verão e com esta lei um empresário pode colocar a nova colecção em saldo. O próprio consumidor acaba por ficar confuso e não saber se pode ou não comprar. Cria alguma situação de desconfiança”, salienta.
Leonardo Mathias, secretário de Estado Adjunto e da Economia, explica que a intenção do Governo é dar às empresas liberdade para gerirem os seus stocks e existências. “Não deve caber ao Governo ou ao Estado decidir a data específica do ano”, afirmou, quarta-feira, à margem do V Congresso da APED. “Numa altura em que houve uma diminuição do consumo privado e da procura interna, torna-se essencial a gestão correcta e adequada dos stocks das empresas porque é um custo acrescido”, sustenta.
Actualmente, a época de saldos está dividida em dois períodos (28 de Dezembro e 28 de Fevereiro; 15 de Julho e 15 de Setembro). Com a nova proposta, as reduções poderão realizar-se em qualquer período desde que, no seu conjunto, não ultrapassem quatro meses por ano. Qualquer venda em saldos terá de ser comunicada previamente à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, para que possa haver fiscalização.