Estamos a comunicar?

Comunicamos no século 21 – globalmente – e interpretamos ainda como se estivéssemos no século 20 – provincianamente.

Os tempos têm sido pródigos em exemplos e devíamos aprender com isso.

Ouvi, recentemente, na RTP1, um jovem estudante, namorado de uma das vitimas do Meco, a ser entrevistado pela Sandra Felgueiras e a tentar explicar que quando se escreve “estou farto” num SMS isso na verdade não significa que se esteja farto. Nem que, naquele caso específico, se queira dizer que estando-se farto se quer sair das praxes. Estar farto significa o quê então, perguntamo-nos? Passou a significar o quê? Como é que eu – que vejo aquele SMS escrito no telemóvel através do ecrã de televisão – sei o que significa? Como é que eu me abstraio do significado que dou aquela palavra e percebo – efectiva e realmente – o que ela significa entre dois namorados ou dois amigos? Que não conheço e que, acima de tudo, não enviaram a mensagem para mim?

Na mesma semana a comunidade facebookiana – pelo menos – reagiu forte e brutalmente, em segundos, à carta que João Tordo escreveu neste jornal a propósito da ida do seu pai, Fernando Tordo, para o Brasil, de uma forma como há muito tempo eu não assistia. Na mesma semana também em que a Fundação Árpád Szenes / Vieira da Silva publicou num livro as cartas de amor e saudade entre Helena e Arpad, entre 1932-1961. Mais de 50 anos depois de terem sido trocadas entre os dois. Cuidadosamente seleccionadas, com um critério científico, social, ético e cultural, antes de serem publicadas. Houve tempo e houve sentido. Ouvi as palavras da directora da Fundação, Marina Bairrão Ruivo, entrevistada pelo Mário Crespo na Sic Noticias e fiquei – ficámos, nós, portugueses – tranquila. Desde o caso Miró ao caso Mecenas/Comemorações do 25 de Abril, só para citar dois exemplos recentes, dois de entre muitos, temos assistido a isto, a uma crescente precipitação de opiniões e julgamentos como se subitamente todos nos tivéssemos tornado detentores de uma – qualquer – verdade ou razão.

A verdade é que temos estado a tentar por todos os meios escaparmo-nos a uma tarefa enorme. A de perceber que temos mesmo que mudar a forma como nos entendemos através de dois dos principais meios de comunicação que ainda utilizamos: a palavra e a imagem. E há uma nova realidade, inexorável: nunca, em momento algum, tanta gente teve tão completo acesso a tudo o que se escreve e regista visualmente, mesmo na maior intimidade, deixando, em paralelo, de dedicar tempo de processamento do que lê ou vê. Ou porque mostramos ou porque somos mostrados, a vida profissional e a vida pessoal e privada mudaram completamente com a internet e com a comunicação digital, wireless e em tempo real ou em tempo mediatizado. Mas mais e mais complexo.

Acabou também um certo sentido universal, comungado, sobre o significado das palavras, que nos permitia uma base de sustentabilidade comunicacional mínima. Já não partilhamos significados e faltam-nos palavras novas.

Neste aumento do desfasamento de competências entre a emissão e a recepção, estamos a duas velocidades distintas, com a particularidade de nos encontramos embebidos numa voracidade predadora, dada a dureza dos tempos que atravessamos. Voracidade que nubla o pensamento e dificulta a cooperação, a compreensão. Mudou muita coisa na comunicação e nós – temos de o confessar – não conseguimos ainda perceber o quê.

Quando se comunica abrem-se sempre várias portas à interpretação. Todos nós criámos o nosso próprio Blade Runner a partir do clássico Do Androids Dream Of Electric Sheep? de Philip K. Dick ou a nossa visão sobre a obra de Gerhard Richter. Mas essa, claro, não é a questão de fundo. A questão inicia-se não só na dimensão do que é público mas do que – acima de tudo – não é escrito, falado ou criado com a intenção de o ser ou com a consciência de que público, hoje em dia, significa o mundo inteiro. Todo.

Iremos aprender a gerir melhor o que dizemos e partilhamos ou então iremos aprender – o que é mais interessante do ponto de vista evolutivo – a contextualizar melhor, a relativizar e a fazer verdadeiramente o exercício de entender o outro, sem o querer julgar logo à partida ou só pela nossa perspectiva.

Uma coisa sabemos. Comunicamos no século 21 – globalmente – e interpretamos ainda como se estivéssemos no século 20 – provincianamente. Entender esta nova forma de partilhar informação implica uma maturidade que ainda não temos enquanto sociedade.

E aqui, ou nos juntamos num redesenho da comunicação ou isto torna-se muito estranho.

Acima de tudo porque penso que não reflecte algo que nos caracteriza como espécie e que nos permitiu – entre outras características – sobreviver e evoluir. Que é a nossa capacidade de genuinamente entender o que nos diferencia e de fazer disso uma força, cooperando.

Presidente da experimentadesign

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