Para virar a página, humorista francês anuncia fim do polémico espectáculo

Depois de tribunais terem proibido o Le Mur por afirmações consideradas anti-semitas, Dieudonné M'Bala M'Bala anunciou uma nova performance.

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O humorista garante que o seu novo espetáculo não visa semear a polémica GUILLAUME SOUVANT/AFP

O humorista francês Dieudonné M'Bala M'Bala decidiu sábado pôr fim ao espectáculo Le Mur, três vezes proibido pela justiça francesa por afirmações anti-semitas, anunciando em sua substituição uma performance sobre África e as suas tradições, que garante não terá a polémica do anterior. A discussão sobre os limites da liberdade de expressão promete, no entanto, continuar.

“A controvérsia sobre Dieudonné e o Le Mur terminou. Agora vamos ter oportunidade de nos rir ainda mais com o meu novo espectáculo”, disse o comediante numa conferência de imprensa em que surgiu descalço e vestido com trajes tradicionais africanos. “Vivemos numa democracia e tenho de me conformar com a lei, apesar da flagrante interferência política”, acrescentou, numa referência ao ministro do Interior francês, que instruiu os autarcas das cidades por onde passaria a tournée do Le Mur a não autorizarem o espectáculo.

Manuel Valls alegava que o stand-up arriscava causar distúrbios à ordem pública, mas na origem da inédita iniciativa estavam tanto as referências consideradas anti-semitas que fazia durante o espectáculo como a quenelle, gesto que inventou e que dizia ser anti-sistema e anti-sionista, mas que o Governo e associações judaicas interpretaram como uma saudação nazi invertida.

A batalha judicial começou em Nantes, a primeira cidade por onde deveria passar a digressão do Le Mur, onde um tribunal administrativo anulou a proibição do espectáculo decretada pelas autoridades locais. Valls recorreu para o Conselho de Estado, a instância administrativa máxima de França, que lhe deu razão, considerando que Dieudonné proferia no espectáculo declarações “penalmente repreensíveis” e atentatórias da “dignidade humana”. Decisão idêntica foi tomada em Tours, segunda etapa da tournée, e já no sábado o Conselho de Estado repetiu o acórdão, desta vez para Orleães.

Dieudonné, condenado várias vezes por "incitação ao ódio" racial, diz agora querer virar a página, apesar de insistir que “não é nazi, nem anti-semita”. O novo espectáculo, que diz ter escrito “em três noites”, estreará com o nome Asu Zoa (A Face do Elefante, em língua ewondo, um dos idiomas dos Camarões, país de origem do pai do comediante) e, através de dança, música e mímica, falará dos “mitos ancestrais” e das “crenças primitivas” de África. O humorista diz que a nova peça “não terá afirmações como as que foram visadas pela justiça”, nem visa semear a polémica.

A primeira representação da performance esteve anunciada para sábado à tarde no Main d’Or, o teatro que Dieudonné gere em Paris, mas acabou por não se realizar. Cumprindo uma ordem judicial, proibindo os espectáculos previstos para os próximos dias na sala de espectáculos, a polícia manteve o local encerrado. À hora prevista, centenas de apoiantes do humorista juntaram-se no local, cantaram a Marselhesa e insurgiram-se contra a decisão judicial: “Viva a ditadura judaica”, gritou uma mulher de 60 anos, citada pela AFP. Um representante de Dieudonné acabou por se dirigir ao grupo, explicando que a performance, que afinal ainda não estava concluída, tinha sido adiada.

Apesar da polémica sobre a sua intervenção, Valls garantiu que voltaria a agir da mesma forma. “Não deixarei jamais passar palavras que dividem os franceses”, afirmou o ministro do Interior, explicando porque decidiu assumir a iniciativa: “Havia aqui uma forma de impunidade que me revoltava”. Segundo uma sondagem divulgada sábado, 83% dos franceses têm opinião negativa de Dieudonné, mas 74% acha que o Governo dedicou “demasiado” tempo ao caso e uma pequena maioria (52%) diz ser contrária à proibição dos espectáculos. 
 
 

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