A mecânica do transe explicada pelos Camera

A banda berlinense toca esta noite no Musicbox, em Lisboa, e amanhã nas sessões Trips à Moda do Porto, no Plano B

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Camera, banda de Berlim com fama construída nos concertos improvisados que montavam na cidade (numa casa de banho pública, numa estação de metro, de surpresa na festa dos Prémios de Cinema Alemão) e fervorosa seguidora desse género amplo e ecléctico a que chamaram krautrock

No festival Milhões de Festa, em Barcelos, é habitual sermos surpreendidos por uma banda que nos tenha fugido ao radar. Assim aconteceu em Julho, na edição deste ano. Perante nós os Camera, banda de Berlim com fama construída nos concertos improvisados que montavam na cidade (numa casa de banho pública, numa estação de metro, de surpresa na festa dos Prémios de Cinema Alemão) e fervorosa seguidora desse género amplo e ecléctico a que chamaram krautrock.

Nos anos 1970, bandas como os Can, os Neu! ou os Harmonia inventaram uma linguagem nova: música mutante, híbrido de rock e electrónica, futurista em conceito e primitiva no efeito (o som sente-se, o corpo move-se, a mente viaja). Os Camera, então. Um baterista tocando de pé o rimo imparável, o guitarrista e o homem das teclas a trabalharem infatigavelmente para nos induzir uma sensação de transe (sabe-se lá quantos quilómetros acima da Terra).

Segredo por revelar, os Camera estão de regresso. Tocam sexta-feira no Musicbox, em Lisboa (24h, 8€). Sábado estarão na festa Trips à Moda do Porto, no Plano B (início às 22h, 15€), onde serão acompanhados por Eric Copeland, dos Black Dice, e pelos The Cosmic Dead, banda escocesa que, volume no máximo, sintetiza vários tipos de psicadelismo e soube também ela aproveitar da melhor maneira o legado do krautrock. Antes da subida ao Porto, os The Cosmic Dead tocam sexta no Centro Cultural do Cartaxo. Sobem também a palco os ortugueses Asimov, outra banda com boa discografia germânica na década de 1970 em casa, e os Gesso (23h, 6€).

Directamente da sala de ensaio da banda em Berlim, o teclista Timm Brockmann fala-nos de como Berlim foi determinante para aquilo que são os Camera: “Estávamos no sítio certo à hora certa. Uma cidade aberta, com espaços onde se respira ruído e liberdade”. Uma banda que andou às voltas com estruturas de canções mais convencionais, que falhou nessa ambição e se descobriu verdadeiramente quando tentou exactamente o contrário: “Começámos a fazer jams e a esperar que algo nascesse daí. Seguimos as sensações imediatas”. A escolha correcta. Nascia então este trio fascinado com a “estrutura mecânica” da krautrock e com a “motorik” dos Neu!, ou seja, o ritmo cadenciado, mecânico, lá está, criado pelo baterista Klaus Dinger: “permite ter controlo sobre a música, mas também perdermo-nos nela, dançar e deixar a mente viajar livremente”.

Timm Brockmann foi o último a juntar-se à banda. Inicialmente formados pelo duo Franz Bargmann (guitarra) e por um baterista com apelido perfeito para a função (o seu nome é Drummer, Michael Drummer), músicos de rua que se conheceram na rua, os Camera foram acolhendo diversos outros músicos e tocando música diversa antes de estabilizaram no trio que mantêm até hoje.

Os concertos guerrilha nasceram do desejo "confrontar as pessoas com o inesperado" e foi facilitado pelo "carácter portátil da banda" - o material é em número reduzido e facilmente transportável. E o som da banda, como que novo elo nessa cadeia iniciada com a revolucionária música alemã da década de 1970, nasce de saturação: "o meio musical está saturado de canções normais e as pessoas procuram uma antítese. Procuram liberdade e procuram libertar-se do que encontram no mainstream, o que vem a par desta onda retro e vintage que se propaga por todo o lado, da música às artes e à moda". A cadência repetitiva da sua música e a entrega sem rede ao improviso (cada canção pode demorar todo o tempo que a banda e público julguem adequados) são a resposta dos Camera a esse desejo de liberdade. Perceberam-no Michael Rother, histórico guitarrista dos Neu! e dos Harmonia, e Dieter Moebius, dos Cluster e dos Harmonia, que os convidaram a colaborar consigo nos últimos tempos.

Actualmente, já deixaram os concertos “guerrilha” que primeiro lhes deram fama – porque, explica Timm, continuar a fazê-los seria tornar previsível o que nasceu do desejo de surpreender. O ano passado reformularam os propósitos iniciais (não compor, não tocar em salas de concertos, não gravar) e editaram Radiate!, o álbum de estreia. Ouvimos o disco,e vimo-los depois do Milhões de Festa. Não perdemos nada. Começámos a contar as horas para o reencontro.
 

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