Jovens aproveitam as férias de Verão para serem bombeiros

Estudantes e, principalmente em tempos de crise, os desempregados são a força motriz do combate a incêndios no Verão

Foto
Nelson Garrido

Dos oito bombeiros desaparecidos este ano por causa dos incêndios florestais, cinco eram jovens. Na verdade, dos cerca de 28 mil no activo registados no Recenseamento Nacional dos Bombeiros Portugueses, 36% (10 064) têm menos de 30 anos, segundo dados recolhidos a 5 de Setembro pela Autoridade Nacional de Protecção Civil e revelados ao P3. Destes, muitos são estudantes que no Verão, durante as férias, têm mais disponibilidade para combater fogos — era o caso de, como alertou quinta-feira o “Diário de Notícias”, Bernardo Cardoso, de 18 anos, e de Bernardo Figueiredo, 23 anos, aluno do Instituto Superior Técnico, vítimas do incêndio na serra do Caramulo. Também Daniel Falcão, bombeiro de 25 anos que morreu na sexta-feira, frequentava em horário pós-laboral o curso técnico de defesa da floresta contra incêndios.

A presença de jovens bombeiros nas corporações de voluntários durante o combate aos fogos no Verão não surpreende o presidente da Associação Portuguesa dos Bombeiros Voluntários (APBV), Rui Silva, para quem é “natural” que durante o Verão este número seja maior. “Quem trabalha [a tempo inteiro] não incorpora este dispositivo de combate a incêndios. Os bombeiros voluntários são pessoas que têm de ter disponibilidade”, sublinha. Estudantes e, principalmente em tempos de crise, os desempregados são a força motriz do combate a incêndios, o que não é sinónimo de falta de competência. “[As recentes mortes de bombeiros jovens] nada têm a ver com falta de formação ou de adaptação”, ressalva o dirigente. “Nenhum vai para o terreno sem ter completado o processo de instrução. O que não podemos descurar é que este foi um ano exigente com as consequências que todos conhecemos.” Ainda assim, Rui Silva questiona: “Ninguém põe em causa os jovens de 19 anos com uma arma na mão no Afeganistão; porque é que põem os bombeiros?”

De acordo com o presidente da APBV, os incêndios florestais representam apenas 3 a 7% da actividade dos bombeiros; convém não esquecer o resto do ano. “O voluntário não vai quando quer. Tem horas para fazer: 240 de de serviço operacional, 70 de formação. É voluntário na opção, profissional na acção.” E o que leva os jovens a ingressar nas corporações? Influências familiares, espírito de cidadania e um certo “fascínio” que rodeia a profissão. “O que para um desportista é uma actividade radical, para um bombeiro é método, é trabalho.”

Sempre existiram jovens incendiários

A crise veio alterar as contas. Por um lado, “quem está desempregado passa mais tempo nos bombeiros”. Por outro, a emigração tem vindo a provocar cada vez mais baixas no quadro activo, em particular no interior do país. Já na outra ponta do rastilho, não há uma correlação directa entre o actual contexto económico e social e uma mudança de comportamento dos incendiários, considera o psicólogo e investigador da Universidade do Minho, Rui Abrunhosa, para quem não é “surpreendente” o número de jovens, até mesmo menores, detidos este ano por alegado fogo posto.

“Há um grupo considerável de jovens incendiários que ainda não está estudado em Portugal”, afirma o especialista, que estudou o perfil do incendiário português a partir de uma amostra de condenados. “Não tenho indicação que algo esteja a mudar.” Dentro deste grupo etário, as motivações são normalmente mais emocionais. Podem ter um carácter social (os típicos “fenómenos de grupo, em que os adolescentes fazem e acontecem para mostrarem que são ‘cool’”) ou estarem associadas a sentimentos de “gozo, estimulação e vingança”— comportamento observado, por exemplo, num dos suspeitos de ter ateado o fogo na serra do Caramulo.

Segundo a PJ, o jovem de 20 anos, actualmente em prisão preventiva, terá agido por “vingança” depois de ter sido multado pela GNR. Mais tarde, usou a rede social Facebook para publicar um agradecimento à bombeira Ana Rita Pereira, que morreu no combate às chamas, e um álbum de fotografias do fogo. Para o especialista, estas atitudes revelam que o indivíduo terá “baixo nível cognitivo” e algumas características “psicopáticas”, tendo em conta a “frieza emocional” com que “tira gozo” do sucedido.

Sugerir correcção
Comentar