Acções, fundos ou índices

Quando se fala em investimento em acções é recorrente a discussão se é preferível escolher um fundo de investimento, um instrumento que replique um índice ou seleccionar um conjunto de acções que nos pareça com maior potencial.

Haverá argumentos válidos para cada uma destas opções, o que tentarei demonstrar é que em especial na Europa, em que existe substancial heterogeneidade nos diversos mercados, não fazem sentido as duas primeiras e é preferível o investimento directo num grupo restrito de empresas.

Não gosto de fundos de investimento de acções, faz algum sentido teórico a sua existência, em especial pela vantagem da diversificação e por serem geridos de uma forma activa por especialistas na área mas, infelizmente, as análises empíricas revelam inequivocamente que cerca de 80% dos fundos não conseguem retornos superiores à média do mercado, aliás, numa comparação ajustada pelo risco apresentam uma rendibilidade anual inferior em cerca de 2%. Isto acontece em especial por dois motivos, primeiro a maioria dos supostos especialistas não são melhores que a generalidade dos investidores a seleccionarem as acções a incorporar nas carteiras e depois, porque os fundos têm custos implícitos e explícitos muito elevados que em regra ultrapassam o eventual excesso de retorno que conseguem com a gestão activa.

Em relação aos instrumentos que replicam um índice poderemos optar por diversas opções, nomeadamente fundos de investimento de gestão passiva, estratégias com derivados, em especial com futuros ou ETF sobre índices (Exchange-Traded Fund), que são instrumentos que se negoceiam como as acções e que acompanham a evolução do valor dos mesmos. As diferenças de resultado com estas diferentes alternativas não são significativas mas numa perspectiva de longo prazo preferiria os ETF.

Consideremos agora que pretendemos investir na Europa. Preferimos investir num índice, digamos por exemplo o MSCI Europe, ou constituir uma carteira com uma selecção restrita de acções? Há quem argumente que em especial para um pequeno investidor faz muito mais sentido o investimento no índice, em especial por causa dos custos de transacção e por se garantir uma diversificação mais eficiente. No caso da Europa não estou de acordo e prefiro a selecção de acções. A questão da diversificação, mesmo para pequenos investidores, não é, em regra, impeditiva, é um facto que os custos de transacção aconselham que cada parcela de investimento seja de pelo menos €1.000 mas também é verdade que o efeito positivo da diversificação é negligenciável a partir de 10 acções. Para se perceber o que estamos a falar imaginemos que um investidor escolhia aplicar a totalidade do seu dinheiro apenas numa acção. O risco, medido normalmente pelo desvio padrão dos retornos, seria cerca do triplo em relação a uma carteira diversificada e dificilmente o investidor seria compensado por isso mas este efeito é cada vez menor com cada acção que se acrescente à carteira e é quase nulo a partir da 10ª acção. Feitas então as contas, a diversificação consegue-se a partir de €10.000 de investimento, que inclusive poderá ser feito por mais que um titular, o que demonstra claramente que mesmo um pequeno investidor poderá ter uma carteira eficiente em termos de risco mesmo sem recorrer ao investimento no índice. Pessoalmente considero que o investimento num índice faz sentido quando estamos a falar de um mercado em que temos poucas informações sobre as empresas cotadas ou então se o investidor não tiver a experiencia ou a disponibilidade para fazer as suas análises. Os índices são formados pelas principais empresas no mercado, empresas estas de diferentes dimensões que actuam em diferentes sectores da economia. Porque que raio de coincidência é que eu gostaria que o meu investimento coincidisse na exposição por sector das empresas que compõem o índice? Um outro argumento para eu preferir a selecção das acções é que um pequeno investidor pode tirar partido de algumas oportunidades que não podem ser aproveitadas por um fundo de investimento nem captadas no retorno de um índice, estou a falar de empresas pequenas, muitas vezes demasiado pequenas para poderem ser compradas por um fundo de investimento que forçosamente iria alterar o preço pela quantidade que teria que comprar e também relativamente pequenas no mercado impedindo-as de fazer parte de um índice ou pelo menos de ter a expressão que gostaríamos que tivesse na nossa carteira.

A minha opção pelo investimento num pequeno grupo de acções é particularmente mais importante quando estamos a falar da Europa. Vivemos num contexto de crescimento económico nulo ou mesmo de recessão, temos o fantasma das crises das dívidas soberanas, temos algumas dúvidas quanto ao futuro do euro mas fundamentalmente, e até mais importante que tudo isto, sabemos que os principais factores que condicionaram e que continuarão a condicionar o retorno das acções são externos à Europa e isto simplesmente porque vivemos numa região e num tempo com características demográficas que para além de outras inúmeras implicações são negativas para a criação de valor pelas empresas. Podemos então esperar por uma recuperação económica, este ano ou por estes anos, mas a perspectiva de crescimento na procura interna não é favorável para a generalidade das empresas. Por outro lado e felizmente, a Europa tem das melhores empresas do mundo em determinadas áreas, empresas de diferentes dimensões, líderes mundiais nos sectores em que actuam e que terão oportunidades de crescimento, e consecutivamente de gerarem valor, fora das fronteiras da Europa.

A criação de um índice obedece a determinados critérios mas basicamente é algo que replica a evolução do valor das empresas que o compõem, normalmente as maiores do mercado. A mim parece-me evidente que a dimensão das empresas não é o melhor critério para seleccionar um investimento. A construção de um índice não é de todo pensado com algum critério de investimento, trata-se apenas de uma espécie de uma média das empresas cotadas, cuja distribuição por sector de actividade é meramente casuística. Entendo que muitas vezes os investidores e mesmo os profissionais que fazem gestão de carteiras utilizem os índices como referencia e comparem a valorização das suas carteiras com a do próprio mercado mas reparem que isto não é mais do que dizer “se eu fosse mentecapto e não fizesse nenhuma selecção dos meus investimentos então compraria de todos os activos que estão no mercado”.

Uma das principais razões para eu considerar financeiramente um disparate investir num índice global europeu, como o MSCI, é a questão demográfica. É que a Europa não só está com um crescimento económico perto de zero como ainda tem uma população que tende a decrescer e a ficar mais velha. Parece então evidente que as empresas europeias com maior capacidade de gerarem valor são as que vendem para fora da Europa, em especial para países com crescimento económico e demográfico. Ora voltamos ao índice global, claro que as empresas que constituem o índice serão as que têm esta estratégia mas também serão todas as outras. É evidente que destas “todas as outras” algumas terão boas perspectivas de criação de valor mas em termos médios eu preferia muito mais concentrar os meus investimentos nas restantes.

Sobre estas questões da demografia, as Nações Unidas fazem uns estudos notáveis que podemos aceder facilmente pela Internet. Há um problema genérico mundial relacionado com a idade média da população. Em 2012 tínhamos 810 milhões de pessoas no mundo com idade superior a 60 anos, mais 178 milhões que em 2002 e correspondendo a 11% da população mundial. Em 2050 estima-se que este número chega aos 2 mil milhões e que corresponda a 22%. Historicamente, a população com mais idade é pequena quando comparada com o número de jovens até aos 15 anos mas espera-se que a partir de 2015 a taxa de crescimento desta população com mais idade seja substancialmente maior que a dos jovens. Tudo isto é muito agradável, a probabilidade de eu durar mais de 100 anos é cada vez maior, mas o que está aqui em causa é atender a estas tendências e verificar em que medida deverão ser determinantes para a nossa estratégia de investimento. A Europa tem maiores problemas demográficos do que qualquer outra região no mundo, porque por um lado tem uma população que não cresce ou até decresce em vários países e ainda porque apresenta uma razão de dependência (relação entre a população economicamente dependente e a população economicamente activa) crescente. Este factor é naturalmente relevante na escolha das melhores empresas a investir, aliás a análise da evolução demográfica ajuda-nos a aferir as estratégias de crescimento apresentadas pelas empresas.

Relembro que a capacidade das empresas gerarem valor depende fundamentalmente do crescimento das vendas e das margens brutas das suas vendas. Não admira assim que as empresas europeias que conseguiram expandir as suas vendas para além das fronteiras da Europa, em especial para os países com maiores crescimentos, conseguiram resultados notáveis para os seus accionistas. Uma boa parte destas empresas souberam aproveitar as elevadas taxas de crescimento dos países chamados emergentes, nomeadamente e em particular da China. Veja-se, por exemplo, o construtor de automóveis alemão BMW, o grupo francês de artigos de luxo LVMH, a química alemã BASF, o grupo de vendas de roupa espanhol Inditex ou o sueco Hennes & Mauritz. Podíamos estender esta lista, identificando empresas de sucesso que tiveram em comum uma estratégia de crescimento que não as deixou condicionadas à estagnação dos seus mercados locais. É por esta perspectiva global que o investimento na Europa através de um índice não é a melhor opção para um investidor, os resultados teriam sido bem melhores com uma selecção de empresas que definiram estratégias que potenciavam uma geração de valor superior ao que conseguiriam se limitassem as suas vendas ao mercado europeu. É também relevante verificar que nem só as empresas grandes, aquelas que têm peso no índice, se revelaram casos de sucesso com estas estratégias. O fabricante finlandês de pneus Nokian Tyres, que resultou de uma cisão da conhecida Nokia em 1988, tornou-se uma referencia mundial no fabrico de pneus de inverno, aportando com essa decisão uma valorização para os seus accionistas bem mais simpática que a alcançada pela casa-mãe, que já de si evoluiu muito melhor que qualquer índice.

Tenho alguma deformação em considerar o mercado accionista americano como uma referência. As razões são simples, é maior, é mais eficiente, é mais fácil obter informações sobre as empresas e, não menos importante, tem um retorno histórico superior e mais consistente (menos volátil) que a maioria dos mercados, em particular os europeus. Se olharmos para os últimos 10 anos os mercados europeus renderam cerca de 38%, o americano rendeu 62%. Podemos atribuir grande parte desta diferença à evolução do câmbio EUR/USD, que entre 2001 e 2008 praticamente duplicou (no principio de 2001 estava a 0.82 e em 2008 chegou quase a 1.60. É evidente que um Euro valorizado em relação ao dólar foi penalizador para a generalidade das empresas europeias exportadoras e consequentemente para os índices de acções. Este factor foi de tal modo determinante que se fizermos as contas a um investidor americano que tenha investido na Europa na ultima década e que não se tenha protegido contra as flutuações no câmbio teria tido uma rendibilidade de 67%, ligeiramente superior ao índice americano. Se fizermos as contas nos últimos 20 anos, a Europa rendeu 162%, o mercado americano 227% e o tal americano que apostou na Europa teria ganho 196%, tudo isto sem considerar o efeito dos dividendos.

Evidentemente que os diferentes mercados accionistas na Europa têm apresentado retornos bem distintos. A Alemanha tem sido a melhor aposta e, na minha opinião, continuará a ser, em especial porque os problemas na Grécia, em Portugal, na Irlanda, em Espanha e agora na Itália farão com que o euro se desvalorize ou pelo menos que não se valorize em relação ao dólar o que será bom para as empresas alemãs. Poucos terão dúvidas que as empresas alemãs com o velho Marco como moeda estariam hoje com uma situação bem mais complicada. A comparação dos principais índices europeus é bem reveladora da evolução das diferentes economias. No final de 2012, o Reino Unido e a Alemanha já tinham recuperaram quase tudo o que perderam em 2008 e 2009, mas França, Itália e Espanha ainda lhes falta um bom bocado, estes três mercados estão a perder desde 2008, 35%, 58% e 46% respectivamente. Alemanha foi o campeão dos ganhos, ganhou 393% desde 1993 a 2012. Espanha também teve uma performance excepcional na década de 1993 a 2002, 157%, na altura em que, juntamente com a Itália, beneficiou de todas as ajudas para a convergência e adesão ao Euro mas na última década só ganhou 35% e recentemente, desde 2008, com a crise imobiliária e sem a peseta para compensar tem sido um pequeno desastre e está a perder 46%. A Suécia e a Dinamarca também tiveram uma excelente evolução nos últimos vinte anos, 515% e 563%, em especial pela qualidade de algumas empresas, como por exemplo a Hennes & Mauritz e a Atlas Copco. A Finlândia teve a maior rendibilidade na Europa neste período, com uma valorização de 600%. A Nokia teve uma contribuição grande para este resultado mas mesmo sem considerar esta empresa o resultado foi muito superior à média europeia e a razão é similar à Alemanha, as empresas exportadoras. Estas diferenças nos comportamentos dos índices por país não nos trazem grandes surpresas, é evidente que é mais fácil contar o filme depois dele ter acabado mas não pareceria razoável, ao longo destes vintes anos, que uma aposta de investimento mais selectiva nos beneficiaria em relação a um índice global?

O investimento na Europa através de um índice revelou-se um mau investimento nos últimos 20 anos e não vejo qualquer razão para que este padrão se altere com a conjuntura económica que se prevê para os próximos anos. No entanto, os índices que representam uma maior percentagem de exportadores para países com elevadas taxas de crescimento, em particular a China, tiveram um retorno bem simpático e superior ao investimento no mercado americano que tomo como referencia. Claro que assim sendo os investidores que preferem os índices poderão optar por seleccionar os melhores mercados da Europa em substituição de um índice global. A mim parece-me mais sensato escolher em cada um destes países as empresas exportadoras com maior capacidade de gerar valor. Dou alguns exemplos: não me atrai nada o investimento no índice francês mas gostaria de estar exposto a algumas empresas que têm encontrado capacidade de crescimento, como a LVMH, que tem marcas como a Moet & Chandon, a Louis Vuitton, a Dior e a Tag Heuer, ou como a Pernod Ricard, ou ainda como a Rémy Cointreau. Em Itália, mesmo sem a eventual e potencial instabilidade política, não gostava de investir no índice mas empresas como a Salvatore Ferragamo, a Luxottica e a Tod's parecem-me boas alternativas de investimento. No caso alemão já me choca menos o investimento através de um índice mas mesmo assim preferia o investimento directo em empresas, nomeadamente nos construtores de automóveis de luxo como a BMW, a Porsche ou a Audi.

Evidentemente que as boas empresas europeias de produtos de luxo, que usei genericamente como exemplos, poderão não ter a mesma valorização nos próximos vinte anos que tiveram no passado. O envelhecimento da população, mais uma vez o factor demográfico, até sugere que não venham a ter mas isso não implica que o investimento directo em acções não continue a ser uma alternativa melhor em relação aos fundos de investimento e aos índices.

Termino sugerindo três estratégias de investimento: a primeira para investidores que se sintam confortáveis com o risco das acções mas que não pretendam mais que isso, uma segunda para quem partilha a minha opinião neste texto e não se incomode com um risco elevado nos seus investimentos e uma terceira, também para quem não se incomode com o risco mas que ache que eu só disse disparates:

1) Analisem e seleccionem 10 a 15 empresas que considerem com maior capacidade de crescimento. É natural que estas empresas já tenham tido bons resultados nos últimos 3 a 5 anos, o que facilita a escolha.

2) Façam a mesma selecção do primeiro grupo e criem uma estratégia alavancada em que ficam longos nestas acções e curtos no índice global. Se não souberem o que é longo, curto ou alavancado, juntem-se ao primeiro grupo.

3) Façam o inverso do segundo grupo, se o índice global se comportar melhor que as acções ganharão dinheiro. Mas não durma descansado e monitorize o seu resultado pelo menos uma vez por semana. O meu conselho, mesmo sabendo que a sua opinião é que eu só disse disparates, é limitar as perdas da sua carteira.

Consultor em projetos de investimento e seguros de crédito
 

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