Biografia de Benjamin Britten revela: censores cortaram cenas “obscenas” de O Rapto de Lucrécia

São revelações de uma nova biografia do compositor, que vai ser publicada em 2013, ano em que se comemora o centenário de Britten

Foto
A produção original de "O Rapto de Lucrécia", Julho de 1946 DR

Foi a ópera que cunhou o nome de Benjamin Britten como um dos compositores do século XX, mas soube-se agora que O Rapto de Lucrécia foi considerada “obscena” e censurada antes de chegar aos palcos.

São revelações de uma nova biografia do compositor, da autoria de Paul Kildea, maestro e especialista na obra de Britten, que vai ser publicada em 2013, ano em que se comemora o centenário do compositor. Os arquivos do Lord Chamberlain’s Office, o gabinete responsável pelo protocolo da Casa Real Britânica e que até 1968 tinha poderes de censura sobre as produções teatrais, revelam como a estreia de O Rapto de Lucrécia só foi permitida quando determinadas partes do texto, consideradas sexualmente sugestivas, foram retiradas.

Britten escreveu a ópera em 1946, com libretto de Ronald Duncan. Inspirou-se num poema de Shakespeare sobre o rapto de uma nobre romana, Lucrécia, pelo príncipe, Tarquínio, o que leva ao suicídio da heroína. Mas, afastando-se de Shakespeare, incluiu uma cena em que Lucrécia era cúmplice na aventura sexual com Tarquínio. No original, o Coro masculino cantava: “He takes her hand/And places upon his unsheated sword”, seguido do Coro feminino, “Thus wounding her with equal lust/A wound only his sword can heal”. A “mão dela na espada desembainhada dele”, e a “luxúria” dela como uma ferida que só a espada dele poderia sarar, levaram os censores a compararem O Rapto de Lucrécia com O Amante de Lady Chatterley, romance de D. H. Lawrence e escândalo em 1928.

Um dos funcionários do Lord Chamberlain’s Office escreveu, e citamos o jornal britânico The Telegraph: “Acho que devemos riscar o muito transparente esforço do Coro na página 5 do Acto II de embrulhar uma coisa feia em linguagem bonita. Só é um pouco melhor do que as obscenidades no Amante de Lady Chatterley.” Para a estreia da ópera, em Glyndebourne, em 1946, Britten substituiu as deixas do Coro por outras mais benignas o que espanta, hoje, Michael Kennedy, crítico de música clássica do Telegraph. “Se tivesse sido numa altura mais tardia da sua carreira, suspeito que tivesse tomado posição firme. Comparar essas deixas com as de Lady Chatterley é ridículo.”

O livro de Paul Kildea onde surgem estas revelações conta também como em 1945 o Lord Chamberlain’s Office aprovou a primeira ópera do compositor, Peter Grimes, sem obrigar a mexer nela – mas o funcionário não deixou de se pronunciar: “É tudo muito nebuloso e não me atrevo a encontrar o sentido da história nos versos, mas não há ofensa neles ou na produção. A música de Benjamin Britten talvez ajude.”

Benjamin Britten morreu em 1976, aos 63 anos. O seu centenário será marcado em 2013 através de filmes, livros, edições musicais e performances.

 

Sugerir correcção
Comentar