Não estudam nem trabalham. O que fazem estes jovens? O caso da Patrícia (II)

Nos dias piores, vou levar as minhas ?lhas à escola e volto para a cama e durmo o mais que posso. Ajuda-me a não pensar. Às vezes, ponho música alta pela casa toda para ver se consigo ?car mais alegre, quando elas chegam a casa. Fujo de chorar à frente delas

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Patrícia tem duas filhas, uma de cinco e a outra de oito anos Adelaide Carneiro

Um estudo publicado esta semana por uma agência da União Europeia estima em 14 milhões o número de jovens europeus com idades entre os 15 e os 29 anos que estão fora do sistema de ensino e sem lugar no mercado laboral.Em Portugal serão 260 mil, um máximo histórico que a crise económica e a erosão do emprego só tendem a agravar. Geração perdida? Há quem se recuse a deixar de acreditar. 

Patrícia: o país não vai melhorar

Dormir ajuda. Nos dias piores, vou levar as minhas ?lhas à escola e volto para a cama e durmo o mais que posso. Ajuda-me a não pensar. Às vezes, ponho música alta pela casa toda para ver se consigo ?car mais alegre, quando elas chegam a casa. Fujo de chorar à frente delas.

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O que me aparecer de trabalho eu aceito, desabafa Patrícia Adelaide Carneiro

Acho que a frase que lhes tenho dito mais vezes nos últimos tempos é: “Não pode ser, a mãe não tem dinheiro...”. Quando trabalhava, ainda conseguia dar-lhes um consolo. Ia ao supermercado e trazia sempre daqueles ovinhos de chocolate. Sempre igual para as duas. É uma paranóia que tenho.

Tem que ser sempre tudo igual para as duas. Uma tem cinco e a outra oito anos de idade. Já dei por mim a perguntar-me a quem é que eu podia pedir um pão ou uma maçã para elas levarem para a escola.

Quero continuar cá, porque quero vê-las crescer. São a minha única sorte. No resto... o que me aparecer de trabalho eu aceito, mas parece que nasci com as portas todas fechadas. O último trabalho que tive, já passou quase um ano, foi nas limpezas do mercado de Matosinhos. Ganhava 20 euros por dia, das sete da manhã às sete da tarde.

Quando não tinha senhas para o autocarro, ia a pé ou apanhava boleia de uma vizinha. Mas nem tempo tinha para estar com as minhas ?lhas. E era pouco dinheiro, não dava. Recebo 150 euros do Rendimento Social de Inserção, mais cem euros de pensão por uma das minhas ?lhas. Da outra não pedi pensão porque o pai nem sempre é certo e aí iam-me tirar o RSI.

Ainda recebo 84 euros de abono de família, mas não chega para tudo. Olho à volta e vejo mais desempregados do que empregados. Já desisti de ir às entrevistas. Pedem habilitações e eu só tenho o 6.º ano. Pedem experiência, não tenho. Pedem bom aspecto, eu até de sorrir tenho vergonha por causa dos meus dentes. Sei que pensam que tenho os dentes estragados por causa da droga, mas garanto que nunca me meti nisso. Foi derivado à minha segunda gravidez, a minha ?lha “comeu-me” o cálcio.

Já pedi ajuda à Segurança Social para os arranjar mas dizem que ?ca muito caro. Pareço muito mais velha. Sinto-me muito mais velha. Fujo de pensar porque, se me puser a pensar, só me apetece fazer asneiras.

Por isso, vou-me agarrando às promessas de trabalho. Já falei com uma amiga que trabalha numa ?rma de limpezas para ver se terão lá lugar, também me falaram de um senhor que queria alguém para a agricultura numas quintas. Voto, ainda voto, mas já não acredito que o país possa melhorar. 

Textos escritos na primeira pessoa a partir de entrevistas de Natália Faria

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