Não estudam nem trabalham. O que fazem estes jovens? O caso da Ana (IV)

É um bocado triste dizer isto, mas o McDonald’s foi o sítio onde mais gostei de trabalhar. Às vezes, dizem-me “Ah, que horror, no McDonald’s” e eu até ganhava uma miséria, mas tinha trabalho

Foto
O McDonald’s foi o sítio onde mais gostei de trabalhar, diz Ana Adelaide Carneiro

Um estudo publicado esta semana por uma agência da União Europeia estima em 14 milhões o número de jovens europeus com idades entre os 15 e os 29 anos que estão fora do sistema de ensino e sem lugar no mercado laboral.

Em Portugal serão 260 mil, um máximo histórico que a crise económica e a erosão do emprego só tendem a agravar. Geração perdida? Há quem se recuse a deixar de acreditar. 

Ana sabe que voltará à rua ao fim de cada ano 

Foto
Só falam da crise ou dos assaltos ou de pessoas que perdem a casa Adelaide Carneiro

É um bocado triste dizer isto, mas o McDonald’s foi o sítio onde mais gostei de trabalhar. Às vezes, dizem-me “Ah, que horror, no McDonald’s” e eu até ganhava uma miséria, mas tinha trabalho. Na altura, ainda estava a fazer o 12.º ano, fui eu que me despedi porque tinha o projecto de abrir uma loja de acessórios de moda.

O negócio não correu muito bem. Esteve aberto meio ano. Depois, fui trabalhar para um posto de combustíveis, em Matosinhos. O ordenado-base era 520 euros, outra miséria, mas tinha trabalho.

Quando comecei a trabalhar, o mercado já pouco oferecia aos trabalhadores. Mas, para mim, habituada a ganhar pouco, era bom. Agora, pessoas como a minha mãe têm encargos que não lhes permitem aceitar salários destes. A minha mãe era gestora na Mattel Portugal, a empresa das Barbies, mas foi despedida na véspera de Natal.

Ligaram-lhe de Espanha a dizer que queriam falar com ela no aeroporto, despediram-na e voltaram a levantar voo. Se não vivesse com ela, não teria dinheiro para comer. Despediram-me do posto de combustíveis em Outubro de 2011 e nunca mais arranjei emprego. Uma vez, estive quatro dias numa loja.

Fui à entrevista, seleccionaram-me e, ao ?m de quatro dias de trabalho, chamaram-me para assinar contrato. Meia hora depois, chamaram-me para assinar a carta de rescisão, porque tinham recebido um e-mail dos recursos humanos a dizer que, a?nal, as lojas não estavam a facturar. Pouco tempo depois, aconteceu-me uma coisa parecida: chamaram-me, pediram as medidas para a farda e, 43 minutos depois, disseram-me que a administração não deixava contratar.

Não tenho qualquer problema em fazer o horário da manhã, tarde ou noite, o problema é que não há trabalho. Acredito nisso, porque a alternativa seria achar que o problema é meu e acho que não é.

A única certeza que tenho é que, mesmo que consiga ser contratada, passado um ano e meio sou mandada embora. É estúpido, mas estaria muito mais frustrada se tivesse feito a universidade. Teria andado a queimar as pestaninhas e agora o mais certo era estar na mesma situação. Cansei-me dos noticiários.

Só falam da crise ou dos assaltos ou de pessoas que perdem a casa — tudo coisas que nos põem para baixo e, para isso, já basta eu sentir que... não tenho lugar. Lembro-me da notícia daquele rapaz desempregado que se pôs em greve de fome, em Santa Catarina, no Porto, e que a seguir recebeu uma chuva de ofertas de emprego. Às vezes... não sei. É triste. 

Textos escritos na primeira pessoa a partir de entrevistas de Natália Faria 

Sugerir correcção
Comentar