Não estudam nem trabalham. O que fazem estes jovens? O Caso do João (III)

Tirei o curso de Gestão Hoteleira, depois fui tirar Marketing, mas acabei por desistir ao ?m de dois anos e o último emprego que tive foi como gerente de um posto de abastecimento. Ainda não me mataram a esperança

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Ainda não me mataram a esperança, diz João Adelaide Carneiro

Um estudo publicado por uma agência da União Europeia estima em 14 milhões o número de jovens europeus com idades entre os 15 e os 29 anos que estão fora do sistema de ensino e sem lugar no mercado laboral.

Em Portugal serão 260 mil, um máximo histórico que a crise económica e a erosão do emprego só tendem a agravar. Geração perdida? Há quem se recuse a deixar de acreditar.

João: financiem excursões para o estrangeiro

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No espaço de um ano, perdi o carro e o computador. Mas isso não é o pior Adelaide Carneiro

No espaço de um ano, perdi o carro e o computador. Mas isso não é o pior. O pior é querer fazer alguma coisa e perceber que o melhor emprego que me vai aparecer, e isto se tiver sorte, é a trabalhar dez horas por dia, a ganhar 550 euros por mês e com uma folga por semana. Não percebo.

Não há empregos mas, nos empregos que há, querem obrigar as pessoas a trabalhar mais e a receber menos, em vez de aligeiraram a carga e deixarem que mais gente trabalhe e tenha tempo para viver a sua vida ao mesmo tempo.

Parece que o mundo ?cou dividido entre os escravos do trabalho e os que, como eu, não conseguem trabalhar e depois também não conseguem fazer mais nada, porque não têm dinheiro e andam com a cabeça negra e cinzenta.

Ainda não me mataram a esperança. Tirei o curso de Gestão Hoteleira, depois fui tirar Marketing, mas acabei por desistir ao ?m de dois anos e o último emprego que tive foi como gerente de um posto de abastecimento.

Ganhava 842 euros, mas, ao ?m de quase dois anos, mandaram-me embora para não terem de me meter nos quadros. Estou sem fazer nada há mais de um ano, mas vou procurando emprego.

Gostava de trabalhar na área da cozinha e tenho mandado currículos, vou aos restaurantes da minha zona, às esplanadas. Às vezes, sinto um bocado de vergonha. Sei o que valho, mas sinto-me a mendigar.

Vivo com a minha mãe, o meu padrasto, a minha sobrinha e dois cães. Tento ajudar em casa, faço jantar, trato da loiça, mas se pudesse ajudar nas despesas sentir-me-ia muito mais feliz com eles. Não gosto de, às vezes, chegar ao dia 20 e pedir à minha mãe 20 euros e ter que a ouvir dizer: “Já gastaste tudo!?”.

Mas a alternativa seria ?car todo o dia fechado em casa e não sair sequer para beber um copo. Não creio que me ajudasse muito. Agora que já nem o subsídio de desemprego recebo, aproveito que o meu irmão, emigrante em Inglaterra, está cá e gasto um bocadinho à pala dele: tomar café, comprar cigarros, é tudo por conta dele.

Estou desempregado, podia ser emigrante se a experiência de duas semanas em Inglaterra não tivesse corrido tão mal. Fui e voltei pior do que fui, porque gastei dinheiro em viagens e no alojamento e não consegui nada. Muitas vezes penso que, se não há aqui lugar para toda a gente, mais valia que o Governo arranjasse umas camionetas, promovesse umas excursões e ajudasse o pessoal a ir-se embora. Ao menos, poupávamos na viagem.

Textos escritos na primeira pessoa a partir de entrevistas de Natália Faria

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