Assis e Seguro convergem com PSD na reforma das leis eleitorais

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A reforma do sistema político voltou agora à agenda Foto: João Henriques/arquivo

Se os dois partidos que suportam o novo Governo avançarem para a revisão constitucional para alterar os sistemas de eleição do Parlamento e das câmaras, vão poder contar com o apoio do PS.

Círculos uninominais para que o eleitor ganhe um vínculo directo com o deputado que elege? Menos deputados na Assembleia da República? Executivos homogéneos nas câmaras municipais, com o presidente a poder escolher livremente a sua equipa de vereadores, à semelhança do que acontece com o Governo? Se estas modificações na ordem política dependessem apenas do acordo entre o PSD e o futuro líder do PS, seja ele Francisco Assis ou António José Seguro, o caminho estaria praticamente livre.

Agitada pelos partidos sempre que os resultados das eleições os confrontam com números galopantes da abstenção, a reforma do sistema político voltou agora à agenda. Na Assembleia da República, PSD e CDS-PP têm maioria absoluta, mas não basta para a aprovação de leis que impliquem a revisão da Constituição ou que exijam dois terços dos votos, o que só é possível de concretizar com o apoio dos deputados do PS. Já tanto o Bloco de Esquerda como o PCP são contra a revisão da lei fundamental.

Para alterar as leis eleitorais é necessário pelo menos o voto favorável de 154 deputados. Indispensáveis para a revisão constitucional, os socialistas barram o caminho à revisão da chamada Constituição social, mas abrem um vasto espaço de negociação para mudanças no sistema político. Quer Francisco Assis quer António José Seguro, os dois candidatos à sucessão de José Sócrates, aproximam-se das propostas do PSD.

Na moção de estratégia, intitulada A Força das Ideias, Francisco Assis consagra um capítulo que designa como A Renovação da República, no qual faz uma leitura amarga sobre uma democracia em crise.

"A abstenção eleitoral não tem parado de crescer; as atitudes negativas sobre o sistema político aumentam; as taxas de filiação partidária e de identificação com os partidos diminuem; a maioria dos portugueses sente-se distante do poder e não confia nas instituições democráticas por excelência, como a Assembleia da República e os partidos políticos", escreve o ex-líder parlamentar do PS na sua moção.

Francisco Assis manifesta-se aberto a dialogar com outros partidos com representação parlamentar, tendo em vista "um entendimento sobre as melhores formas de Portugal credibilizar, consolidar e modernizar as suas instituições". E faz as suas propostas. A par da reforma da Justiça, olha para o sistema político, preconizando mudanças no sistema eleitoral para a Assembleia da República (círculos uninominais articulados com um círculo nacional e por círculos distritais ou regionais) para garantir a proporcionalidade. Admite a diminuição do número de deputados (como o PSD deseja), a redução da dimensão dos círculos eleitorais maiores e mesmo a criação de listas eleitorais abertas, "perante as quais os cidadãos eleitores possam ordenar as suas preferências quanto aos candidatos que se apresentam ao escrutínio popular". "Não estamos fechados no nosso modelo", garante.

Seguro desafia PSD

A urgência de aproximação dos eleitores aos eleitos é também uma vontade manifestada por António José Seguro no documento-síntese da sua moção de estratégia, intitulada O Novo Ciclo para Cumprir Portugal.

Definindo como prioridade o combate à corrupção, Seguro desafia mesmo o PSD ao compromisso de que as próximas eleições autárquicas, em 2013, e legislativas, em 2015, ocorram num quadro de novas leis eleitorais. Em entrevista ao PÚBLICO, António José Seguro apontou duas vias para reforçar a governabilidade e a relação entre o deputado e o eleitor. Ou a criação dos círculos de um só deputado, "conciliados com um círculo nacional, de forma a garantir a proporcionalidade e manter a voz dos pequenos partidos", ou alterar a lei de forma a que os deputados "tenham mais tempo para estar no círculo" pelo qual foram eleitos. O candidato à liderança dos socialistas não se opõe, também, à redução do número de deputados, desde que essa alteração não belisque a proporcionalidade nem retire representação das regiões com menos eleitores, designadamente do interior.

Quanto às eventuais alterações à Lei Eleitoral das Autarquias, os dois candidatos à liderança do PS convergem: querem executivos homogéneos, com poderes reforçados de fiscalização das assembleias municipais. Em vez de duas listas, como acontece agora (uma para o executivo camarário e outra para a assembleia municipal), passaria a haver uma única lista para a assembleia municipal. O presidente da câmara seria o número um da lista mais votada, que escolheria depois os seus vereadores. No fundo, seria um reprodução daquilo que acontece com a formação do Governo.

Agora, com o CDS

No programa com que Pedro Passos Coelho se apresentou às eleições, o PSD foi vigoroso nas suas propostas. Advogou a reforma da lei eleitoral para a Assembleia da República, com a criação de círculos uninominais. Mas também a alteração da lei eleitoral autárquica, abrindo as portas aos executivos homogéneos. Igualmente, defendeu o reforço dos poderes da assembleias municipais, ao mesmo tempo que preconizava uma diminuição do número dos seus membros. Quanto à redução do número de deputados (uma medida que não necessita de passar pelo crivo de uma revisão constitucional, por estar já prevista no texto fundamental), Passos Coelho apontou para os 181 deputados, ou seja, menos 49 do que os actuais.

Face ao desfecho das eleições de 5 de Junho, os sociais-democratas têm agora um acordo de coligação com o CDS-PP, no qual se comprometem, entre outras coisas, "a acordar previamente e a votar solidariamente actos parlamentares que requeiram maioria absoluta ou qualificada, incluindo projectos de revisão constitucional".

Desde sempre reticente a mexidas no sistema político que pudessem fazer perigar a sua representatividade, o CDS-PP deixou de fora o tema no seu programa eleitoral. Com o acordo de Governo, Paulo Portas ganhou agora margem para travar alterações avulsas e negociar uma reforma do sistema que acautele os interesses do seu partido.

Com as metas do memorando da troika a exigirem toda a concentração de esforços do novo Governo, entre os sociais-democratas admite-se como "pouco provável" que Pedro Passos Coelho coloque a reforma do sistema político entre as suas prioridades. À esquerda, PCP e BE repetem que não deixarão passar a revisão constitucional sem dar luta. "A não ser que seja necessário distrair o país", como ironizava um dirigente social-democrata, haverá melhores dias para alterações às leis eleitorais. O mesmo já não se poderá dizer em relação à reorganização do Estado. E aí há mesmo divergências com o PS. Assis e Seguro querem a regionalização. Passos a Coelho fica-se por uma região-piloto, para testar a reforma.

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