CUF: o maior grupo português é mais do que memórias

Hoje, pouco do que foi o grupo CUF está nas mãos dos descendentes do seu criador, Alfredo da Silva. E se grande parte da explicação está nas nacionalizações de 1975, é a própria filosofia dos negócios que esclarece o resto: apesar do regresso da família Mello nos anos 80, fase em que readquiriram muitos dos activos perdidos, acabariam por alienar diversas empresas para se concentrarem em outros projectos.

Iniciado por Alfredo da Silva (ver página ao lado) e alargado pelo seu genro, Manuel de Mello, e depois pelos netos, Jorge e José de Mello, a CUF chegou a ser o maior grupo económico da Península Ibérica e um dos cinco maiores da Europa. Com data oficial de nascimento a 19 de Setembro de 1908, faz hoje precisamente cem anos, a história da CUF está intimamente ligada à do Barreiro, local de concentração da maioria das suas empresas (ver entrevista página 6).

Foi esta terra que assistiu ao crescimento do grupo, que passou de fábrica de sabonetes, velas e adubos a um conglomerado que abrangeu os sectores da indústria, comércio, transportes, agricultura, banca e seguros. Nomes como o Banco Totta e Açores, seguradora Império, Lisnave, Sociedade Geral e Soponata, além da própria CUF, com os seus químicos e têxteis, despontavam no meio de cerca de 150 empresas detidas ou participadas pelo grupo. Quando sofre o golpe das nacionalizações, em 1975, o grupo CUF empregava perto de 110 mil pessoas, e valia cinco por cento de toda a riqueza produzida em Portugal.

No entanto, o ano de 1975 não significou o fim do projecto criado por Alfredo da Silva, e nos anos oitenta os dois ramos da família iriam relançar-se, em separado, nos negócios em Portugal. Manuel Alfredo de Mello, presidente da Nutrinveste e filho de Jorge de Mello, explica que o regresso "foi motivado basicamente por duas razões: aproveitar o processo de indemnização aos titulares dos bens nacionalizados para recuperar uma parte - ao final, apenas uma ínfima parte - do capital de que havia sido espoliado; e utilizar esse capital recuperado para se reerguer empresarialmente. Como os títulos de indemnização só podiam ser mobilizados a curto prazo na aquisição de empresas, fazia todo o sentido aplicá-los na tomada de participações em empresas de sectores onde a CUF tinha indiscutível "know how", quando não tinha sido pioneira".

É a fase em que entra na Alco e readquire a Lusol e a Sovena, ex-CUF, a que se juntariam depois diversas participadas da Nutrinveste, incluindo a Compal. Pelo meio, relembra Manuel Alfredo de Mello, ficaram também com "um número elevado de empresas presentes em vários sectores que, na sua quase totalidade, não tinham nem racionalidade económica nem rentabilidade financeira", iniciando um processo de reestruturação "longo e dispendioso".

Vasco de Mello, presidente do grupo José de Mello, recorda que em 1975, com as nacionalizações, a família foi forçada a ir para o estrangeiro, onde, "dando continuidade à tradição familiar", recomeçou a actividade empresarial. "Assim que a situação política do País o permitiu, regressámos a Portugal. A indústria química e o sector financeiro pareciam ser sectores de futuro, que conhecíamos e nos quais podíamos acrescentar valor". É assim que ficam com a Uniteca e Quimigal (voltando aos químicos e adubos), com a Império e Hospital CUF (voltando aos seguros e à saúde) entram de novo na Soponata (transportes), e, perdido o Totta & Açores para António Champalimaud, compram a União de Bancos Portugueses para fundar o Banco Mello.

Comprar e vender

Depois, será a fase de desinvestir na história. No caso da Nutrinveste o caso mais visível e mais recente foi a alienação da Compal ao consórcio CGD/Sumolis. Para Manuel Alfredo de Mello, esta, após "longos anos de profunda reestruturação industrial e comercial", foi alienada devido ao "preço irrecusável". E o encaixe revelou-se precioso para "o elevado investimento que vem sendo feito na internacionalização da Nutrinveste - hoje em dia o 2º maior operador mundial de azeites e um dos principais produtores de óleos vegetais à escala internacional". Permanece ainda uma ligação com os inícios da CUF, através de diversas marcas de azeite, de óleos vegetais e de sabões. Já no caso do grupo José de Mello, pai de Vasco de Mello, opta-se por fundir o Banco Mello/Império com o BCP, no qual o grupo já não tem participações. Vende-se a Soponata aos norte-americanos da Genmar, afastam-se totalmente da Lisnave, e, mais recentemente, vendem a Fisipe (uma das últimas criações do grupo CUF, em 1973, ligada às fibras técnicas com o apoio da Mitsubishi) a um ex-quadro e amigo da família, João Dotti (mais dois ex-quadros), e desfazem-se do sector emblemático dos adubos vendendo-o aos espanhóis da Fertibéria.

Para Vasco de Mello os negócios "estão sempre sob desafio e, nesse contexto, tanto podemos decidir alienar uma empresa na qual não consigamos fazer melhor que outros, como podemos adquirir empresas nas quais consideremos que conseguimos acrescentar mais valor do que outros". Assim, acrescenta, "alienámos, nos últimos anos, diversas participações de referência que detínhamos, tal como realizámos, em paralelo, um conjunto de investimentos na aquisição de empresas ou participações de referência em empresas nas quais nunca tínhamos estado". No caso concreto da venda dos adubos à concorrente Fertibéria, após uma tentativa falhada de expansão para o Brasil, o empresário adianta que a operação, que aguarda ainda aprovação da Autoridade da Concorrência, "permite à CUF valorizar os seus activos" ao mesmo tempo que mantém a aposta de concentração de esforços na área dos químicos industriais, visível no Pólo de Estarreja.

Hoje, além da petroquímica, o grupo José de Mello, que gere a Brisa e é accionista da EDP, tem ainda heranças do passado, reforçadas, em projectos como a Saúde (o Hospital CUF foi criado em 1945), e a Efacec, com a Têxtil Manuel Gonçalves.

As sementes da gestão

No Barreiro, ex-centro nevrálgico do grupo, "já pouco resta em termos de activos industriais", aponta João Dotti. Além da própria Fisipe, resiste alguma produção de óleos alimentares da Nutriveste e as fábricas da Amoníaco de Portugal (embora o grupo José de Mello esteja a equacionar o fecho de duas fábricas, segundo o "Jornal de Negócios"). Para João Dotti, no entanto, "no Barreiro ainda se vive um ambiente industrial a que não pode ser alheio o efeito da CUF e dos conhecimentos e hábitos herdados. O Barreiro é e continuará a ser uma cidade industrial fiel ao seu passado e às suas tradições, assim haja condições para aqui manter as actividades industriais ainda existentes".

Sobre a herança do grupo, Dotti, em linha com Manuel Alfredo de Mello e Vasco de Mello, refere que "foi no grupo CUF que se iniciou, de um modo sistemático, em meados da década de 60 a profissionalização da gestão. Julgo que esta faceta do grupo em se preocupar com a qualidade da gestão e de ter sido pioneiro na formação dos seus gestores nas melhores escolas mundiais conhecidas terá sido talvez um dos mais importantes contributos para o desenvolvimento da economia nacional". Vasco de Mello, por seu lado, diz que se promoveu "uma escola de gestores de excelência, que muito contributo deu às empresas, à economia e à política, a par de um investimento igualmente constante na capacidade técnica e tecnológica". Manuel Alfredo de Mello defende que a questão dos recursos humanos foi mesmo "a maior contribuição do grupo CUF para o país", sublinhando: "lamento sinceramente que, com as nacionalizações, se tenha perdido para sempre tão importante centro de racionalidade económica e excelência na gestão".

Do passado fica-lhes também outra lição: "Os nossos investimentos e os nossos negócios nunca deixarão de estar sob desafio", aponta Vasco de Mello. "Fazer cem anos é uma data bonita e com grande significado, mas não é passaporte para o futuro nem garante a continuidade e o desenvolvimento das empresas", relembra Manuel Alfredo de Mello.

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