As loucas ideias para tratar a febre do planeta

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Stringer/Reuters

Nos últimos 50 anos, conquistámos o poder de modificar o clima. O feito tem méritos duvidosos, como nos dizem os cientistas que estudam as alterações climáticas causadas pelas emissões de gases com efeito de estufa. No dia da divulgação de mais um relatório dos peritos sob a égide da ONU, que tem por tema as formas de diminuir as emissões e aliviar os efeitos, passamos aqui em revista algumas ideias, umas mais fantasistas, outras mais terra-a-terra.

A salvação numa bactéria

O sucessor do petróleo pode ser uma bactéria? Craig Venter, o cientista que em 2000 apresentou uma segunda versão da sequência completa do genoma humano, aposta que sim. Tem um contrato com o Departamento de Energia dos EUA para procurar genes de bactérias que se poderiam transformar em verdadeiras fábricas - como a Methanococcus, que retira o dióxido de carbono do ambiente para o transformar em proteínas, açúcares e metano. A ideia não é assim tão louca: afinal, a composição actual da atmosfera deve-se à actividade biológica - o oxigénio de que dependemos resultou de um catastrófico episódio de poluição global, quando algumas bactérias começaram a deitá-lo fora, como um subproduto da sua respiração, e asfixiaram as que não conseguiam processar oxigénio. Agora Venter aposta nos oceanos: quer descobrir todos os genes dos micro-organismos da água do mar, na esperança de encontrar algo que sirva para lutar contra os gases em excesso na atmosfera, ou até produzir combustíveis como etanol.

Mas também há quem procure ideias inovadoras: a empresa Live Fuels, da Califórnia, está a apostar em criar algas, para usar a biomassa para produzir etanol, noticiava o New York Times em Março. Aliás, nos Estados Unidos, o capital de risco está a ir em força para empresas que desenvolvem novas tecnologias verdes: mais de 2400 milhões, em 2006.

Enterrar o dióxido de carbono

O dióxido de carbono (CO2) tem um efeito de estufa que torna a Terra um planeta ameno, com uma temperatura média de 14 graus. Actualmente, existem na atmosfera 380 moléculas de CO2 por cada milhão e está sempre a aumentar. Por exemplo, o carvão queimado em centrais eléctricas atira para a atmosfera 6000 milhões de toneladas de CO2 - um terço das emissões anuais. Até 2030, deve duplicar a capacidade de produção energética mundial baseada em centrais de carvão (para 2200 gigawatts), diz a Agência Internacional de Energia. E o CO2 que emitimos fica na atmosfera pelo menos 100 anos. Será possível impedir que lá chegue, escondendo-o algures? Richard Branson, o patrão da Virgin, até lançou um concurso de ideias com esse objectivo, com um prémio de 25 milhões de dólares.

A possibilidade de enterrar o CO2 industrial é uma das soluções de que mais se fala para limitar o efeito de estufa. Grandes quantidades deste gás poderiam ser colocadas debaixo da terra, ou sob o fundo do mar, em poços de gás e de petróleo abandonados - já há algumas experiências em curso na Europa e nos EUA.

A mais antiga foi iniciada há dez anos, no Mar do Norte, pela empresa Statoil, que precisa de separar o CO2 que está misturado com o gás natural no campo de Sleipner. O CO2 é armazenado num aquífero salino subterrâneo.

Há quem diga que a aposta no enterramento do CO2 é essencial para conseguir estabilizar os níveis deste gás na atmosfera em 550 partes por milhão - que já vão fazer a temperatura média do planeta subir pelo menos quatro graus.

Mas as soluções tecnológicas estão só a começar a ser desenvolvidas - e o processo não é fácil nem barato. Lynn Orr, directora do Projecto Global de Clima e Energia da Universidade de Stanford (EUA), disse à revista Nature que se a infra-estrutura para depositar CO2 no solo fosse da mesma dimensão da que hoje retira petróleo do subsolo, apenas nos livraríamos de um sétimo da produção de CO2 mundial, ou menos de metade do CO2 produzido nas centrais eléctricas a carvão.

No entanto, as centrais não estão adaptadas para fazer a separação e a captura do CO2, e sabe-se ainda pouco sobre a segurança de injectar grandes quantidades deste gás no subsolo. As organizações ecologistas denunciam a possibilidade de fugas: o gás poderia vir à superfície, como aconteceu na explosão no lago Nyos, nos Camarões, que em 1986 matou cerca de 1000 pessoas.

O enxofre como arma secreta

Paul Crutzen ganhou o Nobel da Química em 1995 por ter identificado os problemas do buraco do ozono e a forma de lutar contra o desaparecimento desta camada de gás sobre a Antárctida: acabar com os CFC, químicos usados nos sprays e nos sistemas de refrigeração. Não é um cientista louco.

Mas no Verão passado este holandês, investigador no Instituto Max Planck de Química, na Alemanha, avançou com uma ideia bastante estranha para ajudar os habitantes da Terra a ganhar tempo na luta contra o aquecimento do planeta: atirar para a estratosfera partículas de enxofre. A ideia é copiada do que aconteceu em 1991, quando a erupção do vulcão Pinatubo, nas Filipinas, lançou grandes quantidades de fuligem para a atmosfera, que fizeram cair em meio grau a temperatura média global. Só que o enxofre está na origem da chuva ácida, que mata as plantas e animais, e foi um dos primeiros alvos da luta contra a poluição atmosférica.

Crutzen diz que ao disparar para a estratosfera (a região entre os 15 e os 50 quilómetros de altitude) minúsculas partículas de enxofre, estas reflectiriam um por cento dos raios do Sol de volta para o espaço. "Injectando um milhão de toneladas de enxofre por ano na estratosfera conseguiríamos ir arrefecendo a temperatura, até eliminar o excesso de efeito de estufa", disse Crutzen.

Quanto ao perigo da chuva ácida, Crutzen diz que não se deve colocar, porque se injectaria na atmosfera apenas uma pequena percentagem do enxofre que já polui as camadas mais baixas da atmosfera. "Esta ideia só devia ser encarada como um último recurso, mas pode comprar-nos tempo, talvez algumas décadas", disse, citado pela Reuters.

Os geoengenheiros vêm aí

As ideias mais radicais têm a ver com uma área designada como geoengenharia, que pretende intervir directamente em processos do planeta. "Pode-se pensar que a ideia de interferir intencionalmente no clima é assustador ou repelente", diz William Gail, director da unidade Terra Virtual da Microsoft, num artigo publicado este mês na revista IEEE Spectrum, publicada pelo Instituto de Engenheiros Eléctricos e Elecrotécnicos. "Mas, na verdade, já introduzimos alterações ecológicas em todo o mundo", sublinha.

As ideias fantasistas abundam, muitas delas com origem num relatório de 1992 do Instituto Nacional de Investigação dos EUA: colocar em órbita escudos espaciais que façam sombra sobre grandes áreas do planeta, usar as poeiras da Lua para criar uma barreira contra a luz solar, estimular o crescimento maciço do fitoplâncton nos oceanos, fertilizando-os com ferro, ou lançar uma armada de milhões de balões reflectores, para mandar de volta para o espaço parte da luz solar. Ou, num projecto mais low-tech, pintar todas as estradas e topos dos edifícios de branco, para refrescar o planeta, como quem veste uma t-shirt branca na praia.

Estas ideias têm tradição. Durante a guerra do Vietname, os norte-americanos pensaram usar a tecnologia de fazer chuva para alagar as estradas pelas quais o inimigo se abastecia. E a União Soviética procurou derreter o gelo do Árctico, para o abrir à navegação - coisa que o aquecimento global em breve tornará possível. O resultado foi que as Nações Unidas proibiram, em 1978, o uso na guerra de "técnicas de modificação do ambiente".

Mas a necessidade é mãe da invenção, e os cientistas não vão parar. "Muitas destas ideias parecem fantasticamente caras e arriscadas. Mas não serão nem as últimas nem as melhores ideias que a ciência e a engenharia tem para oferecer", assegura Gail.

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