As experiências de Rómulo de Carvalho esperam por si

Foto
No Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, pode fazer experiências de física do quotidiano Daniel Rocha/PÚBLICO

"Desculpe a pergunta: o meu amigo já viu alguma vez a sua cara?" Era desta maneira, provocatória e próxima do leitor, que Rómulo de Carvalho iniciava o livro de divulgação científica Física para o Povo, publicado em 1968.

Cada um dos 73 capítulos arranca com uma pergunta, que é respondida através de experiências simples, que todos podem fazer, com tachos, garfos, martelos ou bancos. A partir de hoje, e nos próximos três meses, as experiências de Rómulo de Carvalho saltam das páginas para o Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa. Literalmente.

"Vamos pôr o livro todo ao vivo", explica António Gomes da Costa, director do departamento de educação do Pavilhão do Conhecimento. "Estava mesmo a pedi-las, tem espírito experimental."

Reeditado pela Relógio D"Água nos anos 90, como A Física no Dia-a-Dia, o conteúdo do livro materializa-se em várias mesas. No tampo de vidro, está o número do capítulo, uma das tais perguntas e as instruções para a experiência. Pendurada de lado, está uma cópia do capítulo com as explicações.

"Os visitantes podem fazer todas as actividades propostas por Rómulo de Carvalho", diz Gomes da Costa. A excepção vai para uma meia dúzia que envolvem lume e água a ferver. Podem-se ver em vídeos ou fazer em workshops, com monitores. É o caso da experiência que parte da pergunta: "O meu amigo já reparou que as cafeteiras, depois de servirem muitas vezes para aquecer água, se cobrem, por dentro, de uma mancha branca? Sabe o que é isso?

Também os desenhos do livro, feitos por Rómulo de Carvalho, outra das suas muitas facetas, pularam para as paredes da exposição. Há torneiras a pingar, navios, espelhos...

No Museu de Ciência da Universidade de Lisboa também está uma exposição com experiências do livro, com a particularidade de ter instrumentos didácticos construídos por Rómulo de Carvalho. Mas termina amanhã.

Nestas exposições celebra-se o centenário de Rómulo de Carvalho. Faz hoje 100 anos que nasceu em Lisboa. Morreu a 19 de Fevereiro de 1997, mas ainda viu a data do seu aniversário instituída como Dia Nacional da Cultura Científica. É assim desde 1996, por indicação de Mariano Gago, então, como agora, ministro da Ciência. Mariano Gago e o filho de Rómulo de Carvalho, Frederico, estão hoje no Pavilhão do Conhecimento.

Professor de ciências físico-químicas, nos liceus Camões (Lisboa), D. João III (agora Escola Secundária José Falcão, em Coimbra) e Pedro Nunes (Lisboa), Rómulo de Carvalho foi ainda muitas outras coisas. Poeta (com o pseudónimo António Gedeão), historiador das ciências, pedagogo ou fotógrafo.

"Este livro é para si"

Basta ler o prefácio da edição de 1968 de Física para o Povo para ver como se preocupava em pôr ao alcance de toda a gente noções básicas de ciência, de forma divertida. "Este livro é para si, meu amigo. Foi escrito a pensar em todas aquelas pessoas que gostariam de estudar e de aprender mas que não tiveram ocasião para isso."

Mais adiante: "Procurei (...) responder às suas prováveis interrogações, sempre do modo mais simples possível, pois sei que o meu amigo não tem estudos suficientes para compreender certas explicações ou o significado de certos termos que eu deveria usar para ser mais correcto."

Nem deixa de fora o eterno conflito entre a simplificação e o rigor, quando se escreve para todos: "Não mostre este livro a nenhuma pessoa sabedora porque essa encontraria com certeza muitos motivos de censura nas minhas palavras. Acharia que aqui não estava bem explicado, que ali tinha usado palavras impróprias (...). E tinha razão."

Se os amigos de Rómulo de Carvalho quiserem saber por que nunca viram as suas caras, ele explica-lhes. Se acham que as viram ao espelho, estão enganados, porque a cara humana é assimétrica. "Terá de se convencer que está vendo a sua cara "ao contrário", e que foi sempre "ao contrário" que a tem visto desde que nasceu! As pessoas que olham para si, essas sim, é que sabem como é a cara do meu amigo. Até estou a pensar que, se se encontrasse a si próprio na rua, era capaz de não se conhecer."

Sugerir correcção
Comentar