Mário Soares não poupa ataques a Cavaco Silva em frente-a-frente

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Cavaco Silva recusou-se a ser deselegante perante as críticas de Mário Soares Manuel de Almeida/Lusa

Mário Soares não se conteve nos ataques a Cavaco Silva durante o último dos dez debates televisivos entre os candidatos às eleições presidenciais de 22 de Janeiro. O candidato apoiado pelo PS acusou o seu adversário de apenas falar em “banalidades” e de assumir uma candidatura de risco que “vai criar graves problemas políticos e institucionais" no país. Cavaco Silva queixou-se de ter de se conter para evitar ser deselegante.

Ao longo de uma hora de debate, na RTP, Mário Soares acusou Cavaco Silva de não ter formação política, desconhecer a História de Portugal e de ser uma pessoa distante, sem conversa para além da economia, chegando mesmo a caracterizar algumas das posições do ex-primeiro-ministro social-democrata como "banalidades". Cavaco Silva tentou ignorar muitas das acusações feitas pelo ex-Presidente da República, optando por lamentar que Mário Soares não expusesse as suas ideias, deixando transparecer algum incómodo pelas palavras do candidato apoiado pelos socialistas. "Não quero ser deselegante. Mas tenho de me conter", avisou.

Cavaco Silva procurou surgir como um candidato que não se apresenta "contra ninguém" e que, se for eleito Presidente da República, procurará "mobilizar energias" contra a crise que atravessa o país, cooperando com o Governo e outras forças sociais.

Mário Soares respondeu com novas tentativas para fragilizar Cavaco Silva considerando-o um "economista razoável" e sem experiência como "moderador", qualidade que considerou essencial num Presidente, definindo-o ainda como um político que "tem tendência para conceber críticas a si como se fossem ataques pessoais".

Soares voltou depois a classificar a eventual vitória de Cavaco Silva nas presidenciais como um "risco". "Cavaco Silva fala de coisas que vai fazer como Presidente da República para as quais não tem competência. Está a enganar os portugueses. Se não se meter dentro das suas competências, vai criar graves problemas políticos e institucionais", advertiu.

Mário Soares foi ainda mais longe, insurgindo-se contra a imagem de "Messias" e de "salvador" que, alegadamente, Cavaco Silva ou os seus apoiantes procuram fazê-lo passar perante os portugueses. "Isso é gravíssimo, porque são expectativas que não pode cumprir. Ao apresentar-se agora como salvador, será a primeira vítima do equívoco", sustentou.

Em resposta aos ataques do seu adversário, Cavaco Silva preferiu sublinhar conhecer bem os poderes presidenciais e disse-se conhecedor de que "o país não pode dormir descansado com 430 mil desempregados e com 40 por cento dos jovens a não completarem o secundários, ou com o desprestígio da justiça".

Sem nunca usar uma linguagem contundente, Cavaco admitiu que, como Presidente, será "mais activo" do que Mário Soares e, numa indirecta ao seu adversário, lembrou que abandonou as funções de primeiro-ministro e de presidente do PSD em 1995 "para dar lugar aos mais novos". "Não serei um corta fitas nem um contra poder", sublinhou.

Perante as críticas de Soares aos dez anos em que foi primeiro-ministro, Cavaco Silva desvalorizou-as, alegando que esses anos foram "já julgados pelos portugueses", que lhe deram por duas vezes maiores absolutas.

Mário Soares contrapôs que Cavaco Silva foi derrotado nas eleições presidenciais de 1996 e que entregou a liderança do PSD a Fernando Nogueira em 1995 por "saber que ia perder" as legislativas.O ex-Presidente da República comparou-se com Cavaco Silva inclusivamente no papel de primeiro-ministro, dizendo que foi chefe do Governo "em tempo de vacas magras" e que o ex-líder social-democrata "governou em tempo de vacas gordas". "Sei o suficiente de economia para ter feito face a duas crises", vincou Soares, numa alusão aos tempos em que foi primeiro-ministro, numa altura em Portugal esteve "à beira da bancarrota".

Na abertura da segunda parte do debate, Soares lembrou que o seu adversário no debate "chamou forças de bloqueio a grevistas", e recuou mesmo ao tempo em que este foi ministro das Finanças de Sá Carneiro, entre 1979 e 1980.

"Demitiu-se do Governo de Sá Carneiro. Nunca prestou justiça aos governos de Pinto Balsemão e de Mota Pinto e tem vergonha do seu partido", declarou o candidato apoiado pelo PS, o que levou o ex-líder do PSD a dizer que tem muito orgulho do seu partido, que se define como "um social-democrata", mas que a sua candidatura "é suprapartidária".

"Ninguém na Europa o reconhece como tal [social-democrata]. É um homem de direita, que agora tenta vender gato por lebre", replicou Mário Soares. Confrontado com estas palavras, Cavaco Silva contrapôs ser um político que pautou sempre a sua acção por colocar "o interesse do país acima do dos partidos", lembrando que, em 1991, apoiou a recandidatura a Belém do próprio Soares.

Cavaco Silva recorreu ainda ao período em que foi primeiro-ministro para sustentar que foi sempre um político "a favor do diálogo social" e da concertação social, preocupado com os mais desfavorecidos, com os reformados e idosos.

Mário Soares continuou ao ataque, dizendo que a actual crise do país "foi provocada pelos governos de direita" e observou que Cavaco Silva "parece que teve vergonha de figurar numa fotografia ao lado de Pedro Santana Lopes e Durão Barroso", numa alusão a um “outdoor” do PSD criado para a última campanha das legislativas, mas que não chegou a sair por imposição do ex-líder social-democrata.Soares reivindicou estar em melhor posição para ter uma cooperação institucional com o primeiro-ministro, José Sócrates, o que levou Cavaco Silva a deixar um aviso: "Quero que o Governo governe bem, mas o Presidente da República não dá cheques em branco", disse.

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