Há vinte anos, nos Jerónimos, nascia a Europa dos Doze

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Mário Soares regressa hoje ao secular Mosteiro para, em conjunto com o Presidente da República e o primeiro-ministro, assinalarem a data PÚBLICO

O presidente em exercício da Comunidade Europeia, o primeiro-ministro italiano, Bettino Craxi, abriu a sessão. Eram 10 horas de uma magnífica manhã de sol. Dava-se início à cerimónia solene de assinatura do Tratado de Adesão. Trinta e três minutos depois, Mário Soares era o último a assinar o documento. Antecedera-o o seu homólogo espanhol, Felipe González. Pouco mais de oito anos depois de o primeiro Governo Constitucional pós-25 de Abril, também chefiado por Soares, ter entregue o pedido de adesão à CEE.

Hoje, no mesmo Mosteiro dos Jerónimos que albergou o acto de adesão, Soares e González serão os oradores convidados da cerimónia que o Governo português organiza para celebrar a data. Portugal é já um velho Estado-membro de uma Europa recém-alargada a Leste. E, tal como Mário Soares prometeu há vinte anos, "está irreconhecível".

"A democracia pluralista foi, em Portugal como em Espanha, condição imprescindível para a integração europeia", disse nessa altura o principal responsável pela opção europeia do país. "Mas esta, agora conseguida, fixa por forma definitiva o quadro institucional democrático dos dois países peninsulares, sujeitos no passado recente a aventuras ditatoriais". Soares lembrou também que, para Portugal, a adesão à Comunidade representava "uma opção fundamental por um futuro de progresso e de modernidade", que lhe abre "largas perspectivas de desenvolvimento." "Mas não - acrescentou - uma opção de facilidade". Lembrou também a Europa não era "apenas um mercado de bem e serviços (...) mas um espaço de liberdade, de respeito pelos direitos do homem e de humanismo, (...) uma entidade política autónoma e coesa, à qual competirá uma acção de liderança moderadora na cena internacional."

Hoje, o antigo Presidente falará certamente da crise grave que a União Europeia atravessa. O actual Presidente, Jorge Sampaio, e o actual primeiro-ministro, José Sócrates, também discursarão.

As negociações de adesão foram concluídas por um Governo do "bloco central" - uma coligação entre PS e PSD que dirigiu o país de 1983 a 1985 e que aplicou um duro programa de austeridade para sanear as contas públicas e uma balança comercial altamente deficitária. Rui Machete, vice-primeiro-ministro, foi um dos subscritores do tratado, com Jaime Gama e Ernâni Lopes, ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças. Hoje está praticamente intacto o consenso europeu entre os dois partidos que garantiu de 1977 a 1985 a consistência e a continuidade das negociações. "Num esforço que foi comum aos sucessivos governos constitucionais e que requereu enorme persistência", disse Soares há vinte anos, lembrando Sá Carneiro, Mota Pinto e Amaro da Costa.

Jacques Delors, o presidente da Comissão que deu o impulso final nas negociações e que retirou a CEE da "euro-esclerose" em que mergulhara nos finais dos anos 70, invocou a "Europa reclamada pela necessidade, pela evolução da História e por um destino comum".

Andreotti, o velho e hábil político italiano que presidiu à fase final das negociações, considerou o alargamento "como um contributo à acção em que a Comunidade está empenhada para criar as premissas de novos equilíbrios e novas aberturas de paz" no mundo.

Oito horas depois da cerimónia dos Jerónimos, os mesmos protagonistas assinavam no Palácio do Oriente, em Madrid, o mesmo tratado. Depois de Soares, Felipe González era o anfitrião. À descontracção de Lisboa seguia-se o calor sufocante de Madrid e os constrangimentos da segurança impostos pelos atentados da ETA. Felipe saudou o culminar "de um processo de superação do isolamento da Espanha e a participação num destino comum aos restantes países da Europa Ocidental". "As duas nações vizinhas e irmãs iniciam uma nova etapa carregada de desafios e promessas", disse o chefe do Governo de Espanha.

Vinte anos depois a integração ibérica é uma realidade.

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