CGD concedeu empréstimo de 75 milhões sem autorização do Conselho de Administração

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Os técnicos da Caixa questionam o facto de o empréstimo ter sido bastante superior ao valor do Atrium Saldanha Miguel Madeira/PÚBLICO

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) emprestou 75 milhões de euros ao promotor imobiliário Armando Martins, sem que o financiamento tivesse sido submetido previamente à decisão do Conselho de Administração (CA) ou sequer ao Conselho de Crédito (CC) como mandam as regras internas da instituição, revelam documentos a que o PÚBLICO teve acesso.

Esta terá sido uma entre várias operações de crédito realizadas pelo banco público entre 2000 e Janeiro de 2002 que não constam das actas do CA nem dos registos do CC, situação que terá levado à saída de dois administradores da instituição, Almerindo Marques e Tomás Correia, em 2002 e 2003, respectivamente.

Os 75 milhões de euros faziam parte de um crédito de 125 milhões de euros - assegurado por um consórcio bancário constituído pela própria CGD, que liderou a operação, Montepio Geral, Caixa Açoreana, Banif e BPN - destinado a financiar a aquisição da Imosal, sociedade que tinha como único activo o edifício Atrium Saldanha em Lisboa, por Armando Martins ao financeiro de origem norte-americana Marc Rich, célebre pelas suas relações com o ex-presidente dos Estados Unidos da América Bill Clinton (ver caixa).

Documentos a que o PÚBLICO teve acesso, indicam que o contrato do empréstimo concedido pela CGD a Armando Martins, proprietário do grupo Fibeira, que estende os seus interesses à imprensa escrita temática, foi assinado no dia 26 de Dezembro de 2000, não constando nenhuma nota sobre o crédito nas actas do CA até final de Janeiro de 2002, apesar daquele ser o único órgão da instituição com competência para o aprovar, dado o montante que estava em causa.

A operação terá sido negociada pelo administrador Fernando Sequeira e aprovada pelo também administrador, Carlos Oliveira Cruz, a título individual, sem que tivesse "jurisdição" para o fazer. O financiamento só foi levado a Conselho de Crédito a oito de Fevereiro de 2001, ou seja, 43 dias depois do contrato estar assinado. De acordo com as normas internas da CGD, quando estão em causa empréstimos elevados, estes devem ser submetidos ao parecer do CC e caso este seja positivo, sobem à Administração para que esta os ratifique. O objectivo é garantir uma gestão rigorosa e limitadora de práticas abusivas. Não foi o que aconteceu neste crédito de 75 milhões de euros.

Operação arriscada

A polémica à volta do financiamanto a Armando Martins, rebentou quando alguns técnicos superiores da Caixa detectam, através da lista de devedores do banco, existir um crédito de 75 milhões de euros que não tinha sido ratificado pelo Conselho de Administração. Apercebem-se igualmente que existem outros empréstimos, a particulares e empresas, nas mesmas condições. "Nunca antes na Caixa se registaram situações destas, pois a nossa actividade pautava-se por grande rigor", garantiu em declarações ao PÚBLICO, um técnico da Caixa Segundo documentação com a chancela da Caixa, a que o PÚBLICO teve acesso, o empréstimo de 75 milhões de euros contraído por Armando Martins directamente junto da Caixa, tem um prazo de 30 anos, período considerado excessivo, por estar em causa um centro comercial com um ciclo de vida curto.

Os técnicos da Caixa questionam ainda o facto de o empréstimo ser bastante superior ao valor do Atrium Saldanha, único activo da Imosal, que foi dado em garantia do crédito. Trata-se mesmo de uma operação, conforme confirmou o PÚBLICO, que foi antes recusada por outros bancos nacionais, que a consideraram de "segurança nula", alegando precisamente que o valor do crédito era superior à avaliação do edifício dado em garantia, além de que a aquisição da Imosal não envolvia qualquer esforço do empresário, em capitais próprios. Estes factos, justificaram, aliás, que Martins tivesse entregue à CGD uma garantia complementar de consignação de rendimentos futuros.

"Como é do conhecimento geral, as instituições bancárias estão sujeitas a sigilo no que diz respeito às relações com os respectivos clientes. Apenas estes, se assim entenderem, o podem fazer", respondeu o porta-voz da Caixa Geral de Depósitos, quando questionado sobre as condições em que a instituição concedeu o crédito a Armando Martins. A CGD recusou igualmente esclarecer em que data é que o Conselho de Administração aprovou o financiamento dado ao empresário.

"É verdade que recebi um financiamento de 125 milhões de euros de um consórcio liderado pela CGD, onde se incluem o Montepio Geral, a Caixa Açoreana, o Banif e o BPN", confirmou ao PÚBLICO o empresário Armando Martins, admitindo igualmente que o grupo CGD foi responsável directamente por 75 milhões de euros. O empresário, que se disponibilizou desde o primeiro momento para falar com o PÚBLICO, mostrou-se surpreendido com o facto de a operação, não ter sido aprovado previamente pelo CA e pelo CC. "Não sabia", disse. Segundo Martins, o crédito de 125 milhões de euros destinou-se à compra da Imosal, a sociedade proprietária do Atrium Saldanha controlada por Marc Rich, dos quais cerca de 40 milhões de euros destinaram-se à liquidação de uma dívida antiga, contraída por Marc Rich junto do Banco Comercial Português, que financiou a construção do imóvel. Os 125 milhões de euros pagos pelo edifício que alberga um centro comercial e escritórios, único bem da Imosal, comparam com os 100 milhões de euros em que foi avaliada a recuperação do Parque Mayer ou os 99 milhões de euros de custo total da Casa da Música no Porto.

Fernando Sequeira negociou pela Caixa

Armando Martins explicou que, nas negociações com a instituição, teve como interlocutor Fernando Sequeira, administrador com o pelouro da Direcção e Comercial de Lisboa, conhecido pelas suas ligações ao ex-ministro da Economia Pina Moura e ao seu ex-chefe de gabinete Fernando Castro. A nomeação de Sequeira para a Caixa gerou controvérsia, pois foi indigitado por sugestão de Pina Moura, ocupando o lugar que estava destinado a José Ponte Zeferino. Foi também Pina Moura que convidou o ex-secretário de Estado de Miguel Cadilhe e de Mira Amaral, António de Sousa, conotado com o PSD, para a presidência da Caixa. Sousa, então governador do Banco de Portugal, levou para o grupo público Carlos Oliveira Cruz, que era administrador do órgão de supervisão.

O empresário começou por garantir não conhecer pessoalmente Oliveira Cruz, o administrador que aprovou o crédito sem o submeter à decisão do conselho colegial, e responsável pela direcção das grandes empresas e da banca de investimento. Posteriormente, Martins garantiria "que Oliveira Cruz não esteve presente na assinatura do contrato" do empréstimo que celebrou com a CGD. O empresário precisou ainda que os seus contactos com a CGD se desenvolveram primeiro com Gracinda Raposo, directora das operações de Lisboa, a que se seguiu Sales Caldeira e que só depois iniciou conversações com Fernando Sequeira. Questionado sobre qual o "spread" (diferencial face à taxa de referência do empréstimo) negociado com a Caixa, Armando Martins explicou "ter prescindido de recorrer a um banco europeu", cujo nome recusou divulgar, que lhe dava "um 'spread' de 0,75 [pontos percentuais]", optando por se financiar "junto da banca portuguesa mediante um 'spread' de 0,80 [pp]".

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